A feiura não assusta, o que assusta é a estupidez

Feia
Reprodução: YouTube

Hoje uma jovem blogueira estava reclamando na Folha de São Paulo/UOL que pelas razões mais banais do mundo as pessoas se referem às mulheres chamando-as de “feias”.

Ela anotou ainda que a prática se disseminou muito pelas redes sociais.

Aos homens normalmente nos referimos chamando-os de filhos-da-puta, veados e de outras delicadezas do gênero.

Mas se você quer saber: dói mais chamar uma mulher de “feia” do que um homem de filho-da-puta ou veado.

Isso é bastante estranho, mas é assim mesmo.

Qual mulher aceita de bom grado ser chamada de feia? Nem as notoriamente feias (e mulher feia é que não nos faltam).

A esperança da jovem blogueira reside no fato (notório) de ainda estarmos na puberdade das redes sociais o que nos levaria a saber que quando chegarmos à maturidade (das redes) seremos, com quase absoluta certeza, civilizados, e não mais venhamos a chamar as mulheres de feias e nem os homens de filhos-da-puta e de veados.

Pode até ser que isso aconteça, mas com isso eu não me preocuparia tanto.

Acho que em tempos de redes sociais há uma outra bizarrice bastante pior e, creio, de resolução impossível.

Estou falando daquela prática corriqueira de “seguir” gente famosa nas redes sociais.

A cantora Annita, por exemplo, deve ter alguns milhões de seguidores.

Um jogador de futebol que disputou ou ainda está disputando a copa da Rússia tem mais seguidores do que a população de seu país (somando-se aí gente que no país do craque sequer tem acesso à internet).

O que explica isso?

Para mim é um fenômeno sui generis, irracional – portanto sem explicação.

Mas há ainda algo pior nesse descalabro todo.

As redes sociais foram criadas para unir as pessoas, juntá-las, seja em diálogos difusos e à distância, seja nas trocas de ideias e de informações, mesmo que essas trocas não passem de receitas de bolos.

Pois então, as redes sociais realmente nos unem, certo!

Errado! Elas nos separam, como todos nós já estamos carecas de saber, mesmo quem não é careca!

Mas espere que tem mais ainda!

Ok! Eu e você seguimos a Annita e o tal jogador de futebol.

E daí?

Eles sabem ao menos que nós existimos?

Em algum momento de suas carreiras, quando a decadência chegar (e vai chegar!), eles vão manter contato com você e comigo?

Márcio Tadeu dos Santos

Esquerda midiática tenta transformar Manuela d’Avila na nossa Joana d’Arc

Manu
TV Cultura / Reprodução

Começo invertendo a proposição do texto e perguntando: ancorado em argumentos frágeis,  de precária aceitação, o jornalismo militante de esquerda vai vencer a batalha por corações e mentes dos brasileiros?

É bastante improvável!

Pois então  vamos aos fatos.

A participação de Manuela d’Avila no Roda Viva (TV Cultura de São Paulo), na última segunda-feira, provocou uma reação descabida do jornalismo militante de esquerda, coisa da qual nem mesmo a política gaúcha tomou parte.

Não é difícil saber de onde partiu a raivosidade (dos petistas) e nem o por que da raiva (de a TV ser uma estatal comandada por um governo – estadual – tucano).

Colocadas essas premissas todas resta-nos saber se as tais das interrupções a que esteve submetida a política do PCdoB gaúcho foram exageradas e descabidas e uma demonstração de machismo e de misoginia por parte da bancada de jornalistas, alguns não necessariamente jornalistas, mas isso é uma constante que se vê desde que o programa foi criado em 1986.

Desatenta, ou propositalmente desatenta, a esquerda – que trocou o jornalismo pela militância política –  também acusou a emissora desse pecadilho.

Aliás, já estão pedindo (e só podia ter partido do site petista 247, como partiu)  até que a emissora “peça desculpas” (SIC) à entrevistada.

Se a moda pega, nenhum jornal, revista, TV ou rádio vai mais correr o risco de entrevistar quem quer que seja.

A militância esquerdo-midiática também  abusa do direito de tergiversar.

Desde que o mundo é mundo espera-se que o(s) jornalista(s)  inquira(m) sim o entrevistado, o acue, e se for o caso, acrescento, sem dó e nem piedade.

Aliás, este que lhes fala (ou melhor, escreve) fez da entrevista uma constante em apertar,  amassar o entrevistado, e colocá-lo contra a parede.

Entrevistado não  é amiguinho de jornalista e vice e versa.

O papel do jornalismo é exatamente esse: não dar tréguas ao entrevistado e explorar e expor as suas contradições.

E de mais a mais, acrescente-se (portanto trata-se de mais uma mentira da militância esquerdo-midiática) o Roda Viva surgiu exatamente com essa proposta:  a de não permitir sequer que o entrevistado tome fôlego.

Se a bancada do Roda Viva fez alguma coisa diferente disso (e deve ter feito) o erro, o equívoco esteve nessa tibieza, e não no apertão que se deu na política gaúcha.

Por fim, a acusação de machismo e de misoginia é apenas uma muleta que muita gente (não só a militância esquerdo-midiática) anda usando com certo desassombro e destemor.

Não perceberam ainda que foram essas “modinhas” politicamente-corretas que levaram à derrocada do petismo que eles defendem com certa cegueira.

Márcio Tadeu dos Santos

“A esquerda dividida por junho de 2013 e a possibilidade de construir novas conexões”

Jean
Jean Tible – foto: Arquivo pessoal

[ (IHU-Unisinos) “A esquerda se divide em dois polos: quem celebra e quem detesta junho”, resume Jean Tible à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Segundo ele, o “polo” que existe entre a esquerda anti-Junho e a pró-Junho também foi manifestado na greve dos caminhoneiros, que aconteceu no mês passado. “É curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação”, lamenta.

Na avaliação de Tible, nem a esquerda institucional, formada pelos partidos e movimentos tradicionais, nem a esquerda mais autônoma deram conta das “aberturas de Junho”. “Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada)”, pontua.

Na entrevista a seguir, Tible frisa ainda que “Junho de 2013 abriu um novo ciclo político”, que obrigou os atores políticos a se reposicionarem. Nesse novo cenário, diz, “talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha de Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado”, conclui.

Jean Tible é graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestre pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). É autor de Marx selvagem (São Paulo, Annablume, 2013; 2ª edição, 2016) e co-organizador de Junho: potência das ruas e das redes (Fundação Friedrich Ebert, 2014) e de Cartografias da emergência: novas lutas no Brasil (FES, 2015).

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Qual sua avaliação de Junho de 2013, cinco anos depois da emergência daquelas manifestações no país?

Jean Tible — O que vou dizer tem relação direta com o que pensei e produzi com uma série de pessoas no livro “Junho: potência da rua e das redes” e em debates ininterruptos sobre o que ocorreu em Junho e seus desdobramentos com muita gente, em particular com Ramon Szermeta. Então, essa não é exatamente uma reflexão individual, é parte de uma reflexão coletiva, embora seja eu quem esteja falando agora nesta entrevista específica.

Junho é algo que foi muito forte e inédito no Brasil, e tem um ponto interessante: ele nos conectou com o mundo. Num período anterior a Junho de 2013, em praticamente todos os países da América Latina as lutas também se davam nas ruas e não só nas instituições; o Brasil era uma exceção naquele contexto (e podemos reparar nas influências zapatistas e piqueteiras-argentinas em coletivos e movimentos presentes nos protestos). Junho também se conecta a um ciclo de revoltas globais, que começou na Tunísia, se espraiou pelo mundo árabe, atravessou o Mediterrâneo e depois atravessou o Atlântico Norte. Mais tarde aconteceram as manifestações na Turquia, no Brasil, em vários pontos do continente africano e na Ásia. Essas lutas não são um raio em um céu azul; elas têm uma história e uma memória.

Uma delas é a luta pelo transporte: sempre houve os tradicionais quebra-quebra nas cidades brasileiras por conta do aumento do preço da passagem. Nesse período mais recente ocorreram várias revoltas nesse sentido, como a do Buzu em Salvador, mais duas em Florianópolis e em Vitória. Também vimos lutas como o Fora Micarla, em Natal (RN), em 2012, as greves de Jirau e Santo Antônio, a ampla solidariedade com os Guarani Kaiowá, a ocupação indígena do Congresso poucas semanas antes de estourarem as manifestações de Junho, o Bloco de Lutas em Porto Alegre e as lutas pelo transporte em Goiânia, a organização dos Comitês Populares da Copa. Portanto, havia todo um caldo mais subterrâneo — de alguma forma não tão visível para as lentes convencionais — que estava se desenvolvendo naquele período (em São Paulo, o churrascão da gente diferenciada e a marcha da liberdade, atos contra o aumento das passagens na periferia). Talvez o principal ponto disso tudo seja uma crítica aos representantes em geral (na política, economia, cultura), com as manifestações que afirmavam “não me representam”, como apareceu na Espanha em outro contexto.

O que parece um ponto muito forte de Junho de 2013 é que o medo, em geral, é sentido pelas pessoas comuns (por conta de sua vulnerabilidade permanente, em vários sentidos), mas nesse acontecimento de Junho de 2013 isso muda, porque todos os poderes constituídos passam a ter medo — lembrando do livro Agora eles têm medo de nós: uma coletânea de textos sobre as revoltas populares em Mozambique (2008-2012), organizado por Luís de Brito. Com isso, os donos da Globo e da mídia, dos bancos, os políticos graúdos, os juízes, militares, os industriais e o agronegócio, ou seja, todos os poderosos sentiram medo, e isso revela, de certa forma, uma verdade da democracia, a de que o poder é da população e a população cede esse poder ao Estado, que seria o contrato social. Nesses momentos de disrupção — que são muito preciosos e cujos efeitos são duradouros —, mostra-se de quem é o verdadeiro poder que não é exercido, e naquele momento passa a ser exercido. Daí que vem a grande força desses acontecimentos.

Outro ponto forte de Junho e em geral pouco enfatizado: o número de greves estoura segundo o Dieese: de 877 em 2012 para 2050 em 2013 (maior número desde o início da contagem nos anos 1980) e também tocando setores geralmente menos propensos às greves: indústria da alimentação, segurança, limpeza urbana… Assim como os aumentos nos transportes foram revogados em mais de cem cidades, era possível reivindicar e ganhar em outros setores e pautas. As comportas se abriram, ou melhor, foram abertas. Não podemos esquecer dos “loucos dias” de Junho, quando tudo parecia fugir – e fugia – de qualquer controle: tomada do Congresso em Brasília, da ALERJ no Rio, o apoio aos protestos com vandalismo por parte dos espectadores do programa do Datena…

IHU On-Line — Quais diria que são as principais consequências políticas e sociais de Junho de 2013?

Jean Tible — Tem um paralelo interessante de Junho de 2013 com 1968, no sentido de entender 1968 como uma revolução global que se deu com distintas intensidades em vários pontos do planeta. 68 foi muito forte no México, em Senegal, em Paris, no Vietnã e na China e também se espalhou pelos Estados Unidos e chegou ao Brasil e à Argentina. Foi uma revolução global, talvez a primeira nesse sentido. As revoluções têm impactos internacionais, porém, como coletivamente dizemos em outro contexto, “Junho está sendo” e por isso as consequências ainda estão se dando, o que também dificulta a nossa leitura de tudo isso.

Mas acredito que existem alguns pontos que poderíamos destacar: primeiro, para o bem ou para o mal — depende dos atores que analisarem isso — é o fim da estabilidade que o país estava vivendo, ou seja, vivia-se um recorde de eleições presidenciais seguidas e com isso uma certa estabilidade política. Além disso, vínhamos de um momento econômico no governo Lula que conseguiu crescimento com distribuição de renda e, talvez, de riqueza. Havia ainda mecanismos de participação, embora muito limitados, mas que não deixam de ser importantes. Existia ainda uma política externa, nas palavras de [Celso] Amorim, “ativa e altiva” e uma ativação do mercado interno e micropolíticas econômicas com incentivos a vários setores não habituais (cultura, por exemplo). Portanto, o primeiro ponto parece ser o fim da estabilidade, o que trouxe oportunidades e riscos.

O segundo ponto é que novas questões, que não eram nenhum pouco inéditas, ganharam força. A própria questão do transporte, que á a ativação inicial do 13 de Junho, tem toda uma história — inclusive a proposta da tarifa zero tem uma formulação de origem no PT, na gestão da Erundina com o Lúcio Gregori. Essa questão do transporte foi um aspecto fundamental para os trabalhadores — é uma questão de classe —, mas também entram em pauta questões muito caras, por exemplo, ao movimento negro, questões que eram ignoradas em geral pela sociedade como um todo e também em boa parte pela esquerda. Desse modo, houve questões também vinculadas à violência policial, e nesse sentido as mobilizações “Cadê o Amarildo?” que foram precedidas por atos organizados na Rocinha e manifestações morro-asfalto são fundamentais. E sabemos o quanto isso assusta — lembremos da repressão violentíssima na Maré na noite do 24 de junho.

Depois vimos um protagonismo feminista muito forte: houve várias mobilizações no período posterior e que continuam. Também a marcha da maconha (puxada pelo DAR – desentorpecendo a razão) é um dos movimentos atuantes antes de Junho de 2013 que se fortaleceu e conseguiu ter uma presença periférica muito forte nos últimos anos. Também uma série de Questões LGBTQI ganharam mais força e contundência, inclusive com tentativas de captura por parte de forças como a Globo, sempre hábil e alerta.

Um terceiro ponto é que Junho de 2013 abriu um novo ciclo político. A partir daí todos os atores da sociedade brasileira são obrigados, de alguma forma, a se reposicionar — isso vale para a direita, a esquerda e o centro, para as empresas como a Globo, a Fiesp, o agronegócio, para os movimentos indígenas, o movimento negro, ou seja, todos os atores da sociedade brasileira foram interpelados por Junho de 2013 e mudaram ou tentaram levar em conta esse acontecimento. A turma da Lava Jato e seus aliados nacionais e internacionais foi um dos setores que melhor se posicionou para fazer prevalecer seus objetivos.

Podemos ver, por exemplo, a criação do Movimento Brasil Livre — MBL, que copia, inclusive a sonoridade do Movimento Passe Livre — MPL, que rouba, de alguma forma, uma sigla, uma sonoridade e certo símbolo, assim como o Vem Pra Rua, no âmbito da direita. Nesse sentido, existe uma reação que tenta corresponder a esse anseio. Na medida em que o sistema político não leva em conta o evento de Junho e a crise política que Junho aguça — a qual talvez já existisse —, ele vai aguçando essa crise e assim chegamos ao cenário de hoje, onde tem uma crise total de legitimidade das instituições políticas.

Os dois eventos recentes e trágicos que ocorreram no país — assassinato de Marielle e a perseguição política e prisão do Lula —, embora sejam acontecimentos envolvendo gerações diferentes, causas específicas e distintas, se conectam porque o recado que o país dá para a população é o seguinte: que os maus nascidos não têm lugar na política. Vemos, progressivamente, se aprofundar essa crise que já era grande, tanto que estamos nessa situação que é, inclusive, muito perigosa, porque os atores não cabem mais nas instituições e não se vê nenhuma possibilidade imediata de transformação dessas instituições.

IHU On-Line — Como você interpreta Junho de 2013 à luz do conceito de multidão de Negri?

Jean Tible — O Conceito de multidão nos ajuda a compreender uma questão que mencionei antes: o medo dos poderes constituídos. Nesse sentido, Junho é a manifestação de um poder constituinte, mas faltou fôlego para chegar a uma questão que é muito importante para Negri e Hardt, que é a criação de novas instituições. Se falava muito da nova classe média e da nova classe trabalhadora naquele momento, o que foi muito interessante, porque a “rua” encarnou essas pessoas, que estavam expressando novos desejos. Esse aspecto de Junho de 2013 é muito relevante porque, de novo, tem um paralelo com 1968 (Tlatelolco, Dakar, Berkeley, Nanterre, Córdoba), no papel dos estudantes universitários (no Brasil seu número explode nos anos anteriores, constituindo um fermento para a revolta — novas possibilidades existenciais para esses jovens trabalhadores se confrontando com um mundo que muda devagar demais).

Outros aspectos que o conceito de multidão nos coloca para pensar são as tensões, confluências e conexões entre classe e diferença. No Brasil, em outros contextos, parte da esquerda tentava opor classe e diferença e isso está muito preso no debate político nacional. O que, a meu ver, nos ajuda a pensar é o seguinte: a classe sempre foi preta, a classe sempre foi mulher, a classe sempre foi indígena. O conceito de multidão pode nos ajudar a entender justamente isto: como essas questões se colocam, ou seja, muitas vezes ficamos nos opondo a questões que estão muito mais conectadas. Inclusive, os adversários dos “de baixo” percebem isso. Se observarmos aquela famosa citação depois de 68 de Samuel Huntington e outros, segundo a qual o problema era que havia democracia e demandas sociais demais e não tinha dinheiro para isso, e a conectarmos com a declaração do deputado gaúcho da Frente Parlamentar do Agronegócio, quando ele diz que no gabinete do Gilberto Carvalho estavam aninhados tudo o que não prestava, como lésbicas, índios, gays e tudo mais, veremos que os adversários dos “de baixo” entendem essas conexões e, às vezes, a própria classe em suas diferenças, não tanto.

É interessante observar ainda que as pautas de classe em relação ao transporte, à questão da violência policial, à questão do feminismo, trans, ficaram mais fortes depois de Junho de 2013. Não por acaso essas questões estão se colocando até hoje no Brasil. A constituição da multidão envolve isso tudo.

Outro ponto de Hardt e Negri que pode nos interpelar é o que os autores discutem em Assembly, ao inverterem a apreensão habitual da esquerda na qual a tática seria tarefa dos movimentos e a estratégia do partido: agora, os movimentos indicariam a estratégia e aos partidos caberia a tática. Em Junho, a estratégia aberta pelos movimentos não encontrou a virtude tática dos partidos.

IHU On-Line — Passados cinco anos de Junho de 2013, como avalia que a esquerda recepcionou as manifestações à época e que leituras a esquerda faz das manifestações hoje, cinco anos depois?

Jean Tible — A esquerda divide-se em dois polos: quem celebra e quem detesta Junho. Claro que isso é um pouco simplista, mas nos ajuda a pensar. É interessante pensarmos a esquerda em outros dois polos: um mais institucional, hegemonizado, conduzido mais pelo PT, mas que abrange outros setores como a CUT, o MST e os movimentos feminista e negro mais vinculados ao ciclo de lutas que se inicia no fim dos anos 1970 e início dos 1980; e outro representando a esquerda mais autônoma, que inclui dezenas de organizações, sensibilidades e movimentos.

Na verdade, nenhum desses dois polos acabou, infelizmente, dando conta das aberturas de Junho. Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada).

Retomando, Belo Horizonte é uma cidade muito interessante para pensar Junho, pois essa cidade tem ocupações urbanas fortes, a Assembleia Popular Horizontal, a ocupação da Câmara dos Vereadores, praia da estação, carnaval de rua voltando e tudo mais. Essa efervescência, de alguma forma, continua e tem até um desdobramento institucional. De todos esses grupos que propuseram uma nova política e tentaram entrar nas instituições, o único que realmente produziu um processo mais contundente foi o das Muitas, que teve como consequência a eleição de duas vereadoras. Tudo isso ainda está em curso, por isso acredito que veremos nesses próximos meses e anos novas articulações da esquerda, e é esse um dos sentidos de que Junho “está sendo”.

IHU On-Line — A leitura que o PT fez acerca de Junho de 2013 à época e a reação do governo ao movimento naquele período contribuíram para aumentar a crise do partido ou a reação negativa de uma parcela da população ao partido? Quais diria que são as consequências de Junho de 2013 para o PT em particular?

Jean Tible — O PT é múltiplo e, portanto, não existe somente um PT. Nesse sentido é possível ver a posição de alguns setores e figuras do PT e ver também que a posição do partido se desdobrou ou mudou. De um lado, o ex-prefeito Fernando Haddad se opôs a Junho e viu esse movimento como a chegada dos novos bárbaros, como ouvi dele. É curioso, pois sua campanha à Prefeitura no ano anterior falava de um tempo novo. Esse tempo novo poderia se conectar com o que emergiu com mais força em Junho, mas o espírito não reconheceu o corpo encarnando nas ruas e o rejeitou. De outro lado, Dilma, como presidente, fez um gesto interessante e recebeu os manifestantes no Palácio, mas as respostas dela foram muito tímidas e insuficientes. Não se teve um entendimento mais concreto de que o milagre lulista não era mais possível no sentido de deixar todo mundo feliz, ou seja, de os de baixo conquistarem mais sem os de cima terem que pagar mais por isso — daí as insuficiências de combinar ajuste fiscal e Mais Médicos e royalties do pré-sal para educação; a disrupção exigia muito mais, outras pautas e o fortalecimento de outros sujeitos.

O caso do Lula em relação a Junho é interessante porque vejo uma mudança de posição. No início ouvi dele uma análise de que o povo tinha conquistado o pão e agora queria manteiga. Mas sobretudo a partir do momento em que o movimento pró-impeachment cresceu, ele fez uma releitura e disse que a classe média tradicional teria predominado naquelas manifestações de 2013 e que teria também o dedo da CIA, como o alertaram na época Putin e Erdogan. Essa mudança de postura do Lula tentou justificar a derrocada do governo Dilma, que era o governo do PT. Foi isso que de alguma forma disse Gilberto Carvalho, num ato falho, que havia uma ingratidão por conta de todas as conquistas sociais que o governo do PT tinha possibilitado.

Mas havia e há um conflito geracional aí, porque uma nova geração de militância e ativismo surgiu com mais força e ela não era contra o PT, mas o PT não levou a sério o que aconteceu e nem buscou se transformar. O próprio Lula disse reiteradamente, de Junho de 2013 até a pauta do impedimento ficar forte, que o PT tinha que mudar, mas ao mesmo tempo o PT não foi capaz de mudar e nem Lula de impulsionar essa transformação.

Tem outro capítulo nesta questão, que é importante citar: trata-se da questão da repressão. Embora os casos de repressão sejam uma questão sobretudo estadual, o governo federal teve um papel nisso tudo quando, no bojo das manifestações contra a Copa ou mesmo em 2013, a Força Nacional de Segurança foi oferecida aos estados. Essas são ações absurdas por parte de um partido de esquerda. Eu estava muito preocupado com a repressão antes da Copa e, estando em Brasília, solicitei uma conversa no Ministério da Justiça para entender por que o governo estava agindo daquela forma, não se opondo claramente às várias táticas repressivas estaduais que estavam se manifestando: qual não foi minha surpresa quando o alto funcionário foi ainda mais crítico do que eu em relação à atuação do ministro nesse tema — uma máquina repressiva estava se fortalecendo. O que se reforçou com a lei antiterrorismo. Não brecar essa máquina foi um tremendo erro.

Sabemos que o Brasil fica nas primeiras posições nos dados de assassinato de militantes, numa certa política de assassinatos seletivos de pessoas fundamentais para termos um país mais digno (sobretudo nas questões ligadas à Terra, povos indígenas e grupos mais vulneráveis). Sabemos também da repressão permanente que sofrem os que se levantam, secundaristas e outros. Desmontar essa máquina repressiva deveria ser uma tarefa fundamental de qualquer governo que busque transformações. Isso se articula com o fundamental direito de se manifestar — recordo aqui da não resposta de Dilma quando o MPL pautou na reunião no Palácio do Planalto a questão da regulamentação das armas menos letais: silêncio.

IHU On-Line — Como avalia que, à esquerda e à direita, partidos, movimentos e possíveis candidatos à presidência têm lidado com a insatisfação política de Junho ao longo desses cinco anos?

Jean Tible — Alguns sentidos de Junho que se destacam: a questão da participação contra a representação, a questão da corrupção, uma rebelião contra o inadequado uso do dinheiro público, especialmente por conta dos gastos feitos para a Copa, a questão da violência policial e a pauta de uma nova subjetividade indígena, negra, feminista, LGBTQI. É por esse prisma que podemos olhar para os candidatos e ver como a política institucional tem tentado responder a isso.

Nesse cenário temos na extrema direita e na direita duas candidaturas que dialogam com essas questões: de um lado, Álvaro Dias, que é um fruto desse sistema político brasileiro mas está com um discurso antissistêmico e, de outro, Bolsonaro, que representa muito o anti-Junho (basta ver a escolha que Bolsonaro fez ao nomear o ultraliberal Paulo Guedes como seu chefe de programa de governo — dificilmente uma pauta será tão antipopular, de fazer os de baixo pagarem a crise, aliada à mano dura), embora ele tenha aproveitado o ciclo político aberto em Junho.

No centro tem a Marina, que tem um certo diálogo com Junho, embora suas opções recentes a colocam como aliada dos poderes conservadores (opções de política econômica, abandono da ecologia dos pobres, posições concretas no segundo turno da eleição presidencial passada, no processo do impedimento e na intervenção militar no Rio).

No amplo bloco da esquerda existe a candidatura, de um lado, do Lula, que como disse antes, mudou sua perspectiva sobre o que aconteceu em Junho e, de outro lado, a candidatura de Ciro Gomes, que dialoga muito pouco com Junho — ela é pré-Junho. A Manuela é uma candidata que tem diálogo com as pautas feministas e LGBT: teria sido ela candidata pelo PCdoB antes de Junho?

Dos nomes postos, talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha da Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado.

IHU On-Line — Que balanço faz da greve dos caminhoneiros que aconteceu recentemente no Brasil? É possível estabelecer alguma relação entre essa greve e as manifestações de Junho de 2013?

Jean Tible — O polo que existe entre uma esquerda anti-Junho e uma pró-Junho também se manifestou, de algum modo, na greve dos caminhoneiros. A pauta dos setores de baixo da sociedade brasileira foi sendo interpretada como locaute, mas quem conhece esse setor mostrou que não se tratava disso, mas de uma demanda derivada das aplicações das políticas ultraliberais do governo, sem a mínima sensibilidade social. Foi essa política que causou esse efeito de prejudicar a população, seja no aumento do gás de cozinha ou dos combustíveis.

Isso indica um debate sobre o capitalismo contemporâneo e as revoluções. Curzio Malaparte conta que na noite da insurreição em outubro de 1917, Trotsky estava tranquilo, porque a revolução já tinha ocorrido, porque toda a infraestrutura (energia, comunicações, transportes) já tinha sido tomada pelos bolcheviques. A tomada do palácio de inverno teria sido, nessa perspectiva, mais uma performance de tomada do poder que já havia ocorrido.

Para entender o capitalismo contemporâneo, muitos como Negri e Sandro Mezzadra ou o comitê invisível, insistem que a logística é fundamental, o bloqueio é muito importante e, nesse sentido, os caminhoneiros mostraram como alguns setores são capazes de bloquear o sistema. Isso é um elemento muito interessante.

Mas retomando, é curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação.

Junho mostrou uma série de caminhos e abriu espaço para novas práticas e alianças políticas. Vimos, depois de Junho, as manifestações dos garis, as conexões entre jovens e professores no Rio de Janeiro, e uma série de lutas que se reforçaram, como os secundaristas que ocuparam escolas no Brasil. Foram alianças surpreendentes, não habituais, de auto-organização, de autogestão; as pessoas tomaram o controle das suas próprias vidas. Isso é inspirador para lutarmos e transformarmos. Vejam a peça Quando Quebra Queima da ColetivA Ocupação, dirigida por Martha Kiss Perrone, na Casa do Povo e no Teatro Oficina e sintam Junho vivo e pulsando.

Existe um potencial importante para essas lutas num encontro entre um ciclo de lutas que surgiu nos anos 1970 e 1980 e esse de Junho de 2013. Se os movimentos e organizações desses ciclos anteriores conseguissem se renovar, ajudariam bastante essa nova geração que surge com força, mas também com fragilidades; poderia haver um bom encontro entre eles para enfrentar a extrema direita, assanhada no Brasil e no mundo.

As manifestações de 68 foram derrotadas por um lado, mas, por outro, também foram vitoriosas em uma série de questões, como no surgimento da nova subjetividade e das novas políticas que ganharam força a partir daquele período. Do mesmo modo, embora o ímpeto de Junho tenha sido em parte derrotado, a partida segue em curso. As revoltas têm essa característica: elas vão maturando, vão sendo reconvocadas e com isso surge um mapa e uma cartografia de um outro Brasil. Junho indica essa desobediência imprescindível para a criatividade política. A desobediência é fundamental para buscar e encontrar novos caminhos.]

IHU On-Line

“Contra el progreso, el trabajo y toda dominación”

Trabalho
Reprodução

[Para entender esto, es necesario aclarar que cuando se habla de “trabajo”, se hace referencia a toda actividad que mueve la sociedad industrial, la cual nos pone precio y nos destruye tal cual lo hace con la naturaleza y demás habitantes en flora y fauna. No nos estamos refiriendo al esfuerzo físico y/o mental que en su época ejercían las tribus recolectoras y cazadoras antes de la llegada del “trabajo” bajo el concepto de la sociedad industrial. Es entonces que para marcar distancia entre lo que el sistema ha llamado “trabajo” y el esfuerzo físico y/o mental, podemos decir que preferimos dedicar ese esfuerzo a las acciones que cada uno cada una hace para manejar nuestras propias vidas como pieza clave que nos lleve a la libertad. Pues entendemos que la libertad no nos la va a dar ni el Estado ni el Capital ni algún grupo de Científicos con promesas de “mundo felíz” que desean meternos en la cabeza.

No intentamos colocarnos en una posición de “tener la fórmula secreta para una vida en libertad”, tal cual por ahí muchas podrían y ofrecen, pero que a las finales es un engaño para captar sirvientes creyentes de una nueva cara de gobierno. Lo que vamos a exponer solo son producto de experiencias, reflexiones y propuestas. Se agradece para su entera comprensión, paciencia, buen humor y mente abierta al cambio.

Esta idea de “Vivir sin depender del trabajo”, en primera instancia podría ser tomada de inmadura o de una falta de percepción a la realidad o un simple capricho de alguien mantenido por madre y/o padre o por alguien más, a quien comúnmente le llamarían “vividor/a”. Y estos pensamientos no solo lo haría algún empresaria sino también alguna obrero. Y es lógico esa reacción, pues hemos sido domesticados mediante la fuerza y la astucia hasta adoptar ese orgullo por el trabajo, aunque esta actividad sea en realidad la pérdida de nuestra identidad como individuos. Sumado a una de las razones por la cual no podemos disfrutar de una vida en libertad, este sistema ha sabido atarnos al trabajo como una necesidad impuesta entre deudas vitales como pagos por hogar alimento ropa – deudas superficiales como el pago de cosas que vitalmente no necesitamos como celulares tvs maquillajes comida envasada alcohol drogas y un largo etc – y deudas creadas a razón cultural como el pago de escuelas universidades clases de diversos artes conciertos y otro largo etc. Sería de ayuda entender que lo vital, la naturaleza nos la da, gratis. Recordar también que eso que la naturaleza nos da, los entes de dominación se apropian de esas cosas vitales y nos la restringen de alguna manera u otra. Usan la fuerza represiva el miedo el control y sobre todo la astucia plasmada en la apatía y  comodidad que nos hace delegar desde nuestras necesidades vitales hasta las superficiales para así no hacernos cargo de lanzarnos a una reconexión con eso vital perdido ni luchar para crear espacios donde podamos obtener todo lo vital gratis como debe ser y así poder esparcir esas ideas y acciones. Pero la cosa es que no tenemos tiempo ni siquiera para luchar por eso, estamos ocupadas trabajando y no nos queda tiempo fuerzas ni ganas para aventurarnos hacia eso muchas veces desconocido por nosotras. Eso es cierto, pero no por eso vamos a dejar de lanzar propuestas, aunque estas por el momento “no se ajusten a nuestra realidad”. Porque sí creo sí creemos que vale la pena replantearnos eso recordarlo siempre, y tomarlo como objetivo final, el tema de nuestra libertad.

El como cuando donde y con quienes lo hacemos, es algo que podríamos ir analizando para empezar a encontrar soluciones que creo será a largo plazo, pero lo mejor es que valdrá la pena porque así empieza una revolución. Sabemos ya que ninguna revolución es fácil o rápida, toda revolución toma su tiempo fuerzas ganas convicción y perseverancia. Pero si queremos cambiar todo este sistema que nos han impuesto, es mejor empezar desde ya, el tiempo del proceso en que nos tardemos no es lo más importante  aunque parezca todo lo contrario. Con más esfuerzo podemos acelerarlo pero sin patinar, porque no se trata de tiempo sino del paso firme y sincero en que nos encaminemos. Estas búsquedas hacia un mundo sin trabajo lo sabe el sistema, es por eso que cada vez que se enteran de alguna muestra de revolución, nos achacan más con más trabajo con más consumismo que nos distrae divide y envenena y con más moralidad que nos frena cada vez que nos planteamos romper con los cánones de este sistema. No caer en sus trampas puede ayudarnos muchísimo. Si hablamos de falta de tiempo creemos es más una excusa que algo real, pues siendo sinceras podemos resolver eso del tiempo con autoorganización en nuestras vidas y nuestros horarios. Podemos empezar a hacerle un espacio a nuestra revolución, a crear y reforzar tácticas y estrategias, tal cual lo hacemos con algunas actividades innecesarias llámese vicios distracción etc…

Recordemos que la clase obrera explotada siempre se dió su tiempo para luchar por lo que se consideraba mejor para ellas y ellos, o al menos dentro de las reales posibilidades también. En lo personal creo creemos que algo más se pudo hacer, y lo digo fraternalmente pues entiendo que en todo movimiento siempre hay motivaciones y objetivos distintos que pueden ser manejados en conjunto, pero también hay con intenciones de resquebrajar el movimiento al que se infiltran. Eso ha pasado, aunque muchas veces no queramos enfrentar esa realidad por el bien común por un avance, por eso creo que eso no se analizó en esas épocas cuando algunas intenciones eran solo la del reformismo y terminaron pagando con la perpetuidad del trabajo que solo se redució a 8 horas. De 12 horas o más a 8 horas, claro que fué un logro, pero repito se pudo haber hecho más. A veces hay que repetir esto, para no cometer los mismos errores. Se puede leer en algunos textos que hubo un sector anarquista dentro de la clase obrera que querían algo más que solo reducir las horas de trabajo o implementar mejoras laborales. También hubo naturistas de tendencia anarquista que promovían una vida en el campo (que en ese tiempo aún no eran o estaban en proceso de ser tomados por los centros de producción) dentro o fuera de la lucha obrera y que se oponían a esa idea de apropiarse de las fábricas para seguir trabajando. Pues sabían que “con patrón o sin patrón” “autogestionado o no”, mientras exista esa idea latente del Progreso, la entrega de fuerza laboral seguirá siendo la misma y con el mismo objetivo de seguir moviendo la megamáquina.

Esta idea de perpetuar el funcionamiento de la megamáquina era y es una idea del marxismo (aunque tengan por ahí un manifiesto “en contra del trabajo” al cual en realidad deberían llamarle “manifiesto en contra del patrón pero a favor de la megamáquina que perpetúe el trabajo con una nuvea figura digna a sentirse orgullosa”, y otras corrientes ideológicas insertadas en la clase obrera.

Pero ¿por qué quería este sector anarquista ir más allá de las 8 horas y el grupo naturista de tendencia anarquista de retomar una vida en el campo?. Pues porque en común veían como sus vidas y la de sus compañeros y compañeras eran reducidas a una esclavitud aceptada bajo un salario. Ya la historia nos cuenta los resultados de la lucha por la reforma laboral, que muchos celebran sin el debido cuestionamiento tomando también en cuenta que hasta el mismo sistema ha catalogado “día del trabajo” aquel 01 de mayo para desaparecer la memoria de las manifestantes que fueron asesinados afuera de la fábrica McKormick por la policía tras dar inicio a la huelga mundial ese día posterior a otras huelgas que ya se estaban gestando años anteriores, en aquella huelga la fábrica McKormick y demás empleadores de Chicago se negaron a reducir las horas de trabajo a 8 horas que fué lo dictaminado por el presidente de aquella época. Eso desencadenó en más huelgas huelgas y más represión policial con respuesta incluída que fué la que se usó como excusa para dictaminar la sentencia a muerte de los llamados “Mártires de Chicago” en noviembre de 1886. Un día para celebrar haciendo apología a nuestra propia esclavitud y luego a seguir trabajando todo el año para que nuestras cadenas no se oxiden. En lugar de avivar o reavivar la lucha por la abolición del trabajo y medios de producción, se ha decidio mantener la lucha por mejorar las condiciones laborales, esa lógica es similar a algunas perspectivas de luchas contra los zoológicos donde solo se busca (dicen que es por estrategia pero no se les ve avanzando hacia algo más que eso) mejorar las condiciones de vida de las especies animales encerradas en lugar de trazar como objetivo la libertad de aquellas especies animales aprisionadas.

Si no tenían esa información, ayudaría buscarla para conocer lo que muchos libros han editado en sus textos sobre la lucha obrera, naturismo libertario y otros. No podemos dar una lucha a ciegas o conociendo medias verdades, porque eso no nos permitiría conocer a las enemigos y sus tácticas y trucos para que no se perjudique la fortaleza de sus imperios. En el ahora quizás el escenario no sea tan distinto pues trabajamos y hasta orgullosas nos sentimos, eso favorece al sistema y al patrona que tanto decimos odiar.

Muestra de estas tácticas y trucos es la existencia de sindicatos pagados por el Estado y “autofinanciados” (exceptuando algunos sindicatos horizontales que en realidad tienen un objetivo sincero y aplaudible) que bloquean la furia de las y los trabajadores que más allá de beneficios laborales desean caminar hacia la abolición del trabajo para poder así reapropiarse de sus propias vidas. De esta manera los sindicatos apagan la llama de la revolución. A su vez encasillan el papel de las y los trabajadores y hasta les obligan a dar una cuota al sindicato (algunos se los mutilan de sus sueldos el fin de semana o fin de mes, ya que la repartición de sueldos son manejados por esos sindicatos y demuestra una total complicidad entre la patronal, las autoridades y el sindicato) como aporte “voluntario” para “mejoras laborales” o “para la lucha sindicalista”. Se perpetúa así ese círculo de explotación, manejado por el Estado el Capital con la ayuda y complicidad de los sindicatos. Y esta modalidad es la que funciona casi perfectamente, pues si deseas encontrar trabajo urgente o seguro económicamente hablando con prestaciones de servicios médicos etc… estás obligado a afiliarte a un sindicato que te facilitará esa búsqueda y te evitará “andar pateando latas” desesperada por conseguir trabajo quizás ahogando tus penas en un bar gastando las últimas monedas de la semana. A estos “favores” que te ofrece el afiliarte a un sindicato, tras esa “cuota sindical”, que claro también ayuda en casos entre otros como si tienes algún accidente laboral y la patrón no quiere hacerse cargo de los gastos. Ahí está el sindicato “salvador”, es así que los sindicatos funcionan de igual manera que lo hace el Estado y el Capital, como una mafia más. Creo que más de un trabajadora ha experimentado esto ¿o no?.

Esta cuestión del alcohol  es algo real y no solo un simple ataque al consumo de alcohol que es usual en el ámbito laboral porque desde el empresario hasta el obrero lo hacen, y de hecho que no todas y todos pero es mayoría. Pero aunque fuese minoría también es algo por qué preocuparse, pues ese poco dinero podría ser de mejor utilidad, y las consecuencias y resagos del alcohol podrían ser negativas para la salud física y mental del consumidor y hasta para su familia y entorno. Es un tema que nos ha tomado aceptar y esforzarnos en cambiar, sí, también hemos sido consumidoras del acohol pero no es nuestra intensión creernos ahora mejores que otras solo porque ya  hemos podido superarlo. Cada cosa a su paso y a las ganas que se le de por cambiar.

Recordemos que en la edad media la gente iba al trabajo solo para obtener dinero para comprar alimentos y otras cosas vitales, y luego dejaban de trabajar ya que el sueldo era diario (y luego fué semanal y mensual “para corregir esas actitudes”) y eran pocos los que querían trabajar por eso les daba cierta facilidad esa forma de rebelión y apatía hacia el trabajo, pues tenían bien claro que el trabajo era prácticamente un castigo pues fué iniciado el trabajo así con el “tripalium” un mecanismo de forma de aspa de madera que se usaba para torturar a las esclavos y reos es por eso que de ahí proviene el nombre del “trabajo”. Y si vamos más atrás el trabajo el sistema lo hizo necesario al apropiarse de los bosques de donde se podía disponer de frutos, hojas, semillas y raíces para consumo. Luego depredaron esos bosques para colocar plantaciones monocultivos que trata solo de sembrar determinadas plantas que más adelante se usó y se usa para nuestra alimentación. Privándonos así de la variedad en alimentos y valor nutricional que los bosques nos ofrecían. Podríamos ir más atrás en el tema de la alimentación, pero eso queda en cada una de informarse tal cual lo hacemos con algún tema de nuestro interés, a nosotras nos interesa mucho porque es de vital importancia conocer todo esto porque nos sirve para forjar nuestro camino hacia la libertad.

Vivir sin depender del trabajo – ¿ Se puede eso ?

Sí, siempre se pudo, se puede y se podrá seguir haciendo.

Desde luego que no es fácil, pero tampoco imposible. Solo bastaría ver como gente que vive en las calles sobrevive sin tener que trabajar (contribuir al sistema – al contrario con su presencia lo dañan), también lo hacen las perros, aves, ratones, gatos y demás animales de ciudad. Todo aquella que viven en la calle (sin importar su especie o sexo) logra adquirir ciertas habilidades que le servirán para vivir o sobrevivir en el peor de los casos. Quizás al leer esto, lo primero que pensarán será en que la vida en la calle no es tan linda y segura como la vida dentro de algún inmueble (desde mansiones hasta dormir en una cabina de internet como lo hacen en Japón) o como creen que lo estoy afirmando en este párrafo. Pues no, no es del todo lindo, pero ¿Acaso una vida dentro de un inmueble es del todo lindo?: impuestos, otros pagos, miedo al desalojo, peleas con quienes convivimos, miedo a que nos roben, etc… Pero es innegable que dentro de un inmueble hay comodidad, y es por eso que preferimos siempre la comodidad. Pero recordemos que

La comodidad es el enemigo oculto de la libertad

Ah, entonces hemos caído en lo que quiere el sistema, en rechazar una idea que nos pueda llevar a la libertad. Hemos preferido buscar argumentos negativos y darlo por sentado, en lugar de buscar también argumentos positivos aunque sea para tomarlo en cuenta reflexionarlo y decidir luego que pasa.

Ver como perras, aves, gatas, ratonas, … rompen bolsas que botan en algún lugar por ser considerado ya “basura” o bolsas de alguien que está comprando y está distraída o de la “mercadería” de alguna carnicero pollero abarrotero etc…, es un deleite para los ojos de alguien quien se plantea el camino a la libertad y comprende que los llamados “productos” que el mercado ha puesto precio es debido a que hay un control sobre lo que la naturaleza nos da y es ahí que acaricia la reflexión que la propiedad privada es una imposición. Nos deleitamos con esas acciones, sonreímos y nos decimos “eso es libertad”. Esas acciones también lo realizan animales de nuestra especie y es igual de gratificante el ver como lo hacen. Desde luego que a quienes “se les arrebata esas mercaderías” reaccionarán en su mayoría de una manera violenta, porque sienten que le están afectando dañando por los productos que ellas con su dinero han pagado, pero ¿Acaso ese dinero y ese producto no provienen de acciones que directa o indirectamente dañaron a otros seres y a la misma naturaleza?. Se suele creer que cuando alguien trabaja, deja de dañar a otros, eso es falso porque el trabajo daña a quien trabaja y a quienes intervienen en ese proceso tal cual lo explicamos al principio. Es a través de la moral impuesta por la sociedad que vemos esas acciones como un robo, algunas podríamos llamarle expropiación y tiene sentido pues esos productos en realidad deberían ser gratis sino fuera por esa restricción que hace el sistema para asegurar su economía y sobre todo su Poder. La patronal nos roba gran parte de nuestro sueldo que comparado a nuestro esfuerzo deberíamos recibir más que la misma patronal. La empresario agricultora le roba al suelo flora y fauna al explotarles sacarles y desalojarles de su hábitat hacia otros lugares con fines comerciales – a la fauna que aún perdura ahí le genera una escaséz de alimento y nutrientes generado por el modelo agrícola monocultivo que usando agrotóxicos o no genera estragos en nutrientes por el mismo modelo de monocultivo. El transportista le roba a la agricultora porque es la transportista quien rige el precio del mercado y la mayoría de veces paga por debajo del costo invertido por el agricultor. La mayorista le roba al transportista porque es quien va a vender el producto final de una manera rápida y se vale de eso para fijar su precio también –no es tanto el robo pero lo hay – ante eso algunas transportistaas prefieren vender ellos mismas lo que traen, pero la mayoría prefiere evitar eso y solo traer mercancía. Entre mayorista y minorista hay robo muto, al igual que entre minorista y final consumidora. Todo depende del escenario económico mundial para perpetrar esos robos. El que extrae legal o ilegalmente los minerales (nombraremos el coltán que es la aleación de 2 minerales) para fabricar entre otros los celulares, le roba a la tierra aquellos minerales que por procesos evolutivos de formación de la tierra han quedado en esos lugares y por lo tanto tienen una función escencial ahí. La milicia (de Estado o informal) les roba a los que extraen el coltán al cobrarles “peaje” y subirles el costo de vida en la zona de extracción. Las empresas de celulares le roban a la milicia, porque el precio que les pagan es ínfimo al precio que las empresas ganan en sus ventas. Las empresas le roban al consumidora final al cobrarles de más comparado al proceso de producción. Finalmente la consumidora que compra un nuevo celular sellado de caja le roba la vida a los que extrajeron el coltán.

Y finalmente el trabajo nos roba la vida y no veo a la masa de la sociedad indignándose y luchando contra ello. El sistema nos roba la libertad con un complejo mecanismo moral físico mental y legal. Y seguimos alimentando y reforzando al sistema bajo el yugo del Progreso y el Trabajo con orgullo incluído.

También hay otras formas de conseguir comida, y es mediante el reciclaje que consiste en recoger lo que la gente ya no necesita o está “podrido” o sucio o deforme etc… puede ser desde frutas y verudras en calles o mercados hasta la comida que alguien dejó en algún restaurante “porque ya se llenó o porque no le gusto la sazón” , etc … Este esfuerzo es menos repudiado por quienes creen en la propiedad privada, pero también toma su tiempo el adoptarlo, sea por falta de “experiencia” que luego se irá afinando o por verguenza que luego se irá disipando.

Otra forma de obtener comida es mediante árboles frutales en las calles, osea mediante la recolección. Y es una de las razones por la cual las autoridades ni el mercado no colocan árboles frutales y medicinales ni permiten que estos crezcan para así restringirnos de otra forma el acceso gratis a alimentación. Las áreas verdes colocadas en las ciudades son en función a lo estético, bajo el argumento de contribución al medio ambiente, el mismo uso indiscrimiando de césped (otro monocultivo más) nos demuestra que para nada es su intención cuidar el medio ambiente pues el césped demanda gran cantidad de agua y contribuye poco a las relaciones naturales de donde se le implanta además de ser cortado cada vez que este crece. En algunos lugares se hace el esfuerzo de sembrar árboles frutales y cuida su crecimiento sin que las autoridades lo arranquen o le contaminen con el legal y constante riego a las áreas verdes con sustancias tóxicas para el medio ambiente la cual las autoridades llaman “repelentes para plagas animales y malas hierbas”.

La plaga para la naturaleza no son las insectos ni las llamadas malas hierbas, la plaga para la naturaleza son las ciudades y todo lo artificial (que no cumple con un ritmo biológico propio de una evolución cuidadosa y planificada del propio organismo, y no mediante aplicaciones ni manipulaciones externas a ese proceso evolutivo como lo hacen a través de la transgenia) que en ellos se produce.

Otra forma es lo que se le llama “mendigar” usando diversas técnicas desde alguna gracia hasta lo que la imaginación nos provea.

Y otra forma sería a través de cierto intercambio de esfuerzo por comida ropa o refugio, tal cual lo hacen entre otros las malabaristas artesanos limpia lunas carreros etc.

Y por supuesto hay otras formas más que cada uno deberá ir descubriendo si desea liberarse de este sistema, ejemplo de esto sería una vida en el campo aunque con el temor real de ser contaminado por alguna actividad extractiva o afectado por el avance de la inmobiliaria.

Desde luego que no estamos diciendo que hay que salir todas todes y todos de nuestras casas, aunque si alguien decide tomar esa decisión bienvenida sea. Lo que hemos narrado ha sido para romper ciertos mitos y sustentar la vida en las calles como una forma más de afrontar esa dependencia al Trabajo. También queda lo que se hace en otras partes del mundo que es el okupar los inmuebles deshabitados, aunque con ciertos riesgos pero que podría ayudar en un proceso de aclimatación a una vida en las calles.

Recordemos que la mayoría del daño que vemos en las calles y nuestras casas, es consecuencia del Progreso y del Trabajo que son también armas de la dominación.

Todo cambio radical (sí, radical porque supone un cambio empezando desde la raíz del problema) viene con un gran esfuerzo y estrategia compleja, y por ahí vamos. Si nos atrevemos a criticar el trabajo y el progreso, es porque también nos podemos atrever a más que solo críticas, por tanto nos atrevemos a decir que un mundo sin trabajo y progreso sí es posible. Solo es cuestión de creer en nosotros mismas, en nuestras fuerzas y nuestra capacidad autónoma y autoorganizativa. Nos atrevemos por lo tanto a crear las condiciones hacia nuestra libertad y al mismo tiempo ir dejando paso a paso el trabajo y la idea del progreso.

Si crees en soluciones a corto plazo, entonces sigue con la misma fórmula de siempre con los mismos resultados de siempre que solo han perpetuado nuestra esclavitud haciéndola poco más digerible.

Para romper esta cadena de esclavitud que nos han creado desde hace miles de años (pues esto no ha empezado con el capitalismo ni con la revolcuión industrial, esto ha empezado desde el neolítico con el nacimiento de la agricultura aquella actividad que abrió paso a otras opresiones), no hay soluciones a corto plazo. Quien te haya vendido eso de una solución a corto plazo, es porque le ha sido fácil engañarte o engañarnos pues alguna vez también les hemos creído, no desea realmente que nos abramos paso hacia la libertad. Y no le daremos el gusto.

Entonces lo real es que este camino será largo y nada sencillo. Pero si hemos soportado todo este tiempo bajo el yugo del trabajo y progreso y además de sus horarios y condiciones laborales, su imposición como única forma de sustento. Entonces creemos que quizás esa fortaleza que aún nos mantiene vivos, nos pueda ayudar para lo que se viene en el futuro empezando desde el ahora. Ya es tiempo de creer en nosotras mismos, en nuestra capacidad en nuestra autonomía, y no en las mentiras de algún grupo hambriento de Poder, Dinero y Control.

Perpetuar el trabajo y el progreso, es también pasarnos por encima la individualidad de cada especie animal que al igual que la nuestra también está luchando por la libertad. Creer que solo nuestra especie animal tenga esa capacidad, demuestra que estamos ignorando dichas resistencias (a lo que en algunos textos le llaman “agencia”), también las plantas resisten desde sus posibilidades claro está. Porque también plantas, elementos de la tierra y el mismo planeta son afectadas por esa perpetuación del trabajo y el progreso. El dominio del trabajo y el progreso se está reforzando mediante la robótica (incrementando su independencia de nuestras órdenes con la inteligencia artificial que le están implantando) y la bionanotecnología que nos está llevando a un escenario de total dominación incrustado hasta en nuestros ADN y cada rincón externo de nuestro organismo pero dentro de la naturaleza donde alguna vez podamos necesitar para huír de sus alcances y de luchar contra su dominación.

¿Te suenan las “smart cities”?

Ciudades limpias iluminadas con energía nuclear supervigiladas con chips y cámaras interconectadas hasta con tu laptop o celular sin tu permiso disque para combatir la delincuencia “ a los malos”? ¿Te suenan los microchips instalados en las llamadas “mascotas”? “para que no se pierdan” irradiándoles su organismo desde dentro de su piel,

¿Te suena los microchips instalados en animales de nuestra especie?

Lo hacen con ciudadanos para aceptar asistencia del Estado, tal es el caso del programa de salud “Obama care” en el que era una obligació implantarse ese microchip. El argumento era que era más fácil para el registro, así como para situaciones de emergencia que con solo pasarte un scaner podían ver todo tu historial médico al instante.

¿Te suenan los microchips instalados en ropa?

Por ahora colocadas solo en ropas caras con la función de transmitir tu posición aún tú ya hayas pagado por dicha ropa.

Dicen lo hacen por seguridad ciudadana, y esa siempre va a ser la justificación para tenernos supervigiladas.

¿Te suenan los celulares con inteligencia artificial?

Celulares que tienen su propia unidad de procesamiento neural. Este nuevo chip es el primero con la capacidad de asumir las necesidades de procesamiento en el propio dispositivo ¿Qué implica todo esto? Que las tareas son más rápidas y personalizadas, y con un menor consumo. Tiene además la capacidad de diferenciar lo que tienen al frente de su cámara : paisaje, rostro, comida, etc… Hace traducciones rápidas con solo apuntar el texto o una imagen con texto a la cámara.

¿Te suenan los carros autónomos?

Un auto en prueba hace poco atropelló a una señora que iba a cruzar la pista en Arizona. Científicos defendían ese accidente diciendo que eso ocurrió porque era de noche y la señora había cruzado intempestivamente, pero en ese caso si fuera un humana el que conducía hibiera quizás podido reaccionar o en todo caso sería ahora juzgado. Pero en el caso de un auto autónomo ¿reaccionará de manera rápida y a quién se le juzgará en estos casos?. No deseo con esto un perfeccionamiento de esa tecnología o invento, solo estoy soltando algunas interrogantes que también han sido lanzados por otro grupo de científicas que por motivos propios al que ellos llaman “bioética” y no por estar en contra de la dominación, también tienen sus críticas. Uno de los científicos que defiende este invento, puntualizó así: “con los autos manejados por humanos tenemos mucho más accidentes, querer detener este modelo aprueba es absurdo por un accidente, además tenemos la certeza que un auto autónomo jamás estará borracho”. Ese mensaje en resumen lo dice todo, no les importa los daños, solo desean alcanzar sus logros trazados que es la dominación en cada ámbito en que la ciencia esté presente.

¿Te suenan las nanopartículas que promocionan en detergentes?

Cuya función es ir directo a la mugre grasa o pintura.

Mediante la combinación de componentes tensioactivos modificados con polímeros (estructura de peine) innovadores patentados, el grupo CHT ha logrado desarrollar una nueva generación de detergentes. El FELOSAN FOX marca la pauta en innovación y aumenta la eficacia de limpieza y de lavado, como mínimo, en un 20 %.

¿Te suenan las pintura inteligentes?

Son creadas con nanotecnología, entre sus promesas alarmantes están que estas permiten hacer un proceso de fotocatálisis que permite imitar el proceso de fotosíntesis de las plantas para eliminar compuestos contaminantes para limpiar el aire del humo de autos e industrias. Descomponen los materiales y  gases  que generan el mal olor a nivel molecular, transformándolos en agua y dióxido de carbono. Elimina el 99% de las bacterias y virus incluido gripe aviar y SARS lo que le convierte en una potente solución para evitar la propagación de infecciones de tipo respiratorio. Su aplicación en hospitales, colegios, guarderías, transportes públicos, hoteles, comedores, industrias alimenticias, etc. es una gran ventaja para evitar el contagio de enfermedades. El uso de nano TIO2 como filtro o bloqueo de los rayos UV  es de gran eficiencia en varias aplicaciones como paneles de anuncio que se deterioran con facilidad, alargando “su vida”. Son auto-limpiantes cuando llueve o se limpian fácilmente sólo con agua.

Las mismas aplicaciones son para cosméticos, antiarrugas, antiespinillas antiestrías,…

También los microorganismo sintéticos (genéticamente modificados) lanzados a los océanos para limpiar los derrames de petróleo y esa industria nunca se detenga. En el caso del derrame de petróleo en el Golfo de méxico en 2010, se usó estos microorganismo trayendo luego repercusiones en el océano con reportes de langostinos, cangrejos y peces que han mutado debido a estos microorganismos. Estas bacterias esparcidas para devorar el petróleo, han terminado siendo más tóxicas al reducir el nivel de oxígeno en el agua y mutando a sus habitantes más aún al haberse esparcido a través del aire alcanzando zonas en las orillas del golfo de mexico. Los trabajadoras de limpieza del desastre ese han sido rociados directamente con Corexit (conocido por dañar el sistema respiratorio y el sistema nervioso central, causar deformaciones a embriones o fetos y ser cancerígenos).

Y como no mencionar los “alimentos” transgénicos y las hamburguesas hechas de carne in vitro o también los “alimentos” “reforzados con vitaminas” que venden industrialmente.

Las vacunas antiguas y las nuevas con estas nuevas tecnologías. Al parecer no han aprendido la lección que nos ha dejado el mensaje que las bacterias y virus en principio podrán aparentar ser combatidas y luego se reforzarán y se hará más dificil “contrarrestarlas”. Por tanto decimos que las vacunas no sirven, sirve sí el reforzar nuestro sistema inmune con una alimentación que además de nutrir nuestro cuerpo tradicionalmente también nutra las bacterias que tenemos dentro, pues no todas las bacterias generan la muerte osea “no son todas malas”. Con un sistema inmune enriquecido de bacterias, lograremos ese equilibrio bacterial que necesitamos para afronatr otra bacterias y virus presentes en el planeta desde su formación y no desaparecerán nunca pues son parte de este equilibrio mundial.

Tenemos también las prótesis robóticas, que pasaron de ser una extensión encima de una extremidad o parte corporal “amputada” o no crecida, a ser una fusión con los nervios que llegan al cerebro para su total control, lo impresionante de esta prótesis es lo profundas que están implantadas las interfaces neuromusculares. El aparato es “osteointegrado”, lo que significa que se adjunta directamente al esqueleto. No es necesario que el usuario lo utilice todo el tiempo ya que un implante de titanio está integrado con el hueso y el brazo se adjunta a este. La ventaja es que elimina una pieza utilizada convencionalmente en las prótesis, lo que suprime la incomodidad y permite mayor libertad en los movimientos. Otro tipo de prótesis es la que se instala en concordancia con el sistema musucular, como el caso de Angel Giufra. Su brazo robótico es el Bebionic v2, desarrollado por Steeper. Es una prótesis muy avanzada capaz de moverse según las necesidades de su dueño gracias a los movimientos del músculo de su brazo, pero la misma empresa ya está trabajando en una versión capaz de moverse gracias a un implante directamente en el músculo. Pero antes que esa evolcuión en prótesis, está las que son hechas de carbono o silicona. Caso resaltante de esta prótesis biónica es la del atleta Oscar Pistorius con 2 piernas biónicas desde niño, cuya familiaridad con su pierna le ha llevado a romper records en su deporte. Oscar asesinó a su pareja argumentando que la confundió con un asaltante dentro de su casa en la noche. Le hizo 4 disparos luego de golpearla con un bate de beisbol. Dicen que desarrolló cierto grado de paranoia que le llevó a tener una obsesión por posesión de armas, la cual también usó en un restaurante que dijo por casualidad. Y la muestra más contundente fué que en una entrevista en su casa, se tiró al suelo empezó a reptar con arma en mano porque dijo que había escuchado una bulla. Este comportamiento talvés se deba a ese deseo de superación que le han metido desde niño y en más por el consumo de anabolizantes para su deporte y medicación necesaria por el uso de sus piernas biónicas. Sin esas medicaciones el organismo no resistiria a ninguna prótesis.
Así como incrustan el uso de estas prótesis con fines “humanitarios” que más que nada son promovidas por un deseo de superación innecesario pues nadie es menos por tener miembros aputados o no crecidos.

También tenemos el uso de prótesis no vitales, o no “humanitarios”, solo con el fin de sentirse superiores.

Exponemos el caso de Neil Harbisson, el primer cyborg reconocido por un gobierno. El dice que él no lleva tecnología, dice que él es tecnología. El tiene implantado una antena en el cerebro que sobresale encima de su cabeza, el eyeborg consiste en un sensor y una antena que envía señales a un chip implantado en su cráneo; este chip convierte las frecuencias de luz en vibraciones para que sea capaz de escuchar los colores. Hasta que comenzó a utilizar este dispositivo Harbisson no sabía lo que era percibir el color: una extraña enfermedad congénita llamada acromatopsia limitaba su visión al blanco y negro.

Exponemos también el caso de Moon Ribas que porta un sensor en el brazo que la conecta con cada movimiento sísmico que se produce en el planeta. A través de vibraciones, percibe desde un movimiento de nivel 1 en la escala de Ritcher hasta el más grande de los terremotos del planeta.

Las grandes (por su dimensión y complejidad, no por su importancia pues consideramos que todas las luchas importan por igual) luchas del futuro ya no serán por mejoras laborales, sino por la defensa de las últimas zonas donde poder cultivar nuestros propios alimentos lejos de la artificialidad que imponen y que gana espacio con los transgénicos, y en contra del “mejoramiento” de nuestro organismo mediente estas nuevas tecnologías y sus exclusiones y ataques al valorarnos y pronto tratarnos como humanxs de segunda clase. Un transhumanista dijo una vez “quienes se opongan al mejoramiento de la raza humana, serán considerados los nuevos chimpancés de un mundo mejorado”. El transhumanismo es ela transición al Posthumanismo cuya premisa es la de la perpetuidad de la vida humana y todo ser que alcance la consciencia sea este animal, robot o de otro planeta. También desean llevar esa supuesta “ética” de reducir los estratos de sufrimiento de toda manera posible usando la bionanotecnología a todo el universo, sin importar las exclusiones ni los daños colaterales que esa ideología supuestamente admirable se ha trazado como meta o mejor dicho como excusa perfecta para controlarlo todo a nivel genoma. Y cuyo objetivo final es llegar a la Postbiología que significa el desprendimiento del cuerpo envoltorio del humano (carne, huesos, etc) a avatares holográficos con transferencia completa de conciencia. Todo depende de la capacidad que tengamos de transferir los datos cerebrales de una conciencia humana a soportes no biológicos sin que para ello la sensación y experiencia de ser humano desaparezca, para así alcanzar la vida eterna.

El progreso es aquella idea que mueve esta megamáquina que renovada con estas nuevas tecnologías no dudará en reemplazarnos por robots con inteligencia artificial, pues ya lo han hecho en parte con otras maquinarias (como el caso de la fábrica de autos FORD que implementó grandes máquinas para acelerar la producción) con cierto grado de inteligencia pero que también son considerados robots. Y talvés cuando seamos reemplazados por esas máquinas por ser consideradas nosotros imprescindibles lentos torpes etc…, recién empezaremos a cuestionar el Progreso y podría ser tarde pues ya con todo automatizado y controlado será difícil rebelarse tomando en cuenta que en el ahora ya es dificil eso, pero no imposible. Aunque daría igual si solo nos reemplazan en el trabajo, pero eso no quedará ahí, pues seremos para ese nuevo sistema un total estorbo a sus planes.

¡Por un mundo de completa libertad, equilibrio y responsabilidad. Por la sangre derramada bajo las órdenes de empresarios y del Estado, hemos de abolir el trabajo, el Progreso, el Estado, la tecnología y toda forma de dominación!]

[Tomado de https://www.portaloaca.com/opinion/13662-contra-el-progreso-el-trabajo-y-toda-dominacion.html.]

Debate (A): Contra el progreso, el trabajo y toda dominación, V. Locas , in El Libertário

O futebol passou pelas janelas e as carolinas não viram

A copa é nossa
Ilustração: Esporteemidia.com

Creio que nós todos saibamos que o futebol é o único esporte mundial.

Outros esportes tentam e continuam tentando se ombrear com este esporte, mas apenas com relativo ou pouco sucesso.

Frente a esse fato evidente não soa estranho que a copa do mundo tenha essa repercussão toda e esse prestígio todo e que o esporte seja aquele de maior rentabilidade financeira e de interesse pelo mundo todo.

Na nossa natural lentidão, muita gente não deve ter percebido (ou talvez não tenha conhecimento mesmo) as “mudanças profundas” pelas quais passou o esporte, especialmente após o advento e a democratização da televisão.

Há, obviamente, quem aponte (e com relativa razão) os “malefícios” que a televisão levou ao esporte e prefira o “futebol de antigamente” (inclusive jovens que não o testemunharam) sem se dar conta dos ganhos na preparação física, na medicina esportiva, na profissionalização de técnicos e dirigentes que necessariamente levaram os atletas a adotarem uma postura “mais responsável”, a despeito de algumas defecções que ainda encontramos por aqui e acolá.

A despeito dos escândalos que sempre cercaram a Fifa (e talvez por conta deles), a federação internacional executou um trabalho brilhante de não apenas levar o esporte-futebol a todos os recantos do planeta como, e principalmente, nesse caso, criou escolas de futebol ao redor do mundo, o que nos permite assistir às antigas “zebras” (como é o caso dos países africanos, por exemplo) “fazendo bonito” no “esporte bretão”.

Vulgarizou-se, por aqui, pelo Brasil, que a atual copa do mundo que está sendo disputada na Rússia, não está despertando o interesse dos brasileiros.

Reconheçamos que o Brasil passa por um momento delicado da sua vida política e está imerso numa crise econômica sem precedentes, o que, naturalmente, altera o humor e a condição dos nacionais frente a copa russa, especialmente pensando-se, também, no enorme vexame patrocinado pelo selecionado nacional há quatro anos, aqui mesmo no Brasil.

No entanto, o decantado desinteresse dos brasileiros pela atual copa de mundo, como assim está posto, pelo menos até agora, destoa da realidade que se vive no país com os “feriados forçados “ e a ausência do povo circulando pelas ruas em dias de jogos do Brasil, como mais uma vez estamos presenciando.

E recordemos, também, que à medida em que o selecionado nacional for avançando na copa do mundo mais crescerá o interesse por sua performance.

E não será surpresa alguma que se o selecionado nacional chegar à final e ainda vencê-la venha a ocorrer uma explosão de júbilo e alegria, inclusive entre aqueles que esperam, por qualquer motivo que seja, pelo fracasso do selecionado nacional.

Márcio Tadeu dos Santos

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Sínodo Pan-Amazônico: início de um diálogo para buscar novos caminhos

Sinodo
Reprodução

[As perguntas anexadas ao documento preparatório para o Sínodo Pan-Amazônico, publicado no dia 8 deste mês pelo Vaticano, “revelam a atitude dos autores do texto, que procuram iniciar um diálogo e não antecipar respostas”, pontua o teólogo Paulo Suess à IHU On-Line, ao comentar o documento que foi enviado para dioceses e prelazias brasileiras pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e também está disponível na internet.

Na avaliação de Suess, o núcleo do documento está diretamente relacionado com o objetivo central do Sínodo Pan-Amazônico, que é a busca por “novos caminhos” para a evangelização na Amazônia. Isso fica explícito, informa, nas 18 vezes em que o documento menciona a necessidade de se buscarem “novos caminhos”. Essa busca, frisa, está articulada com três questões fundamentais apresentadas no texto: “a questão dos sujeitos e protagonistas”, à medida que “o Sínodo está sendo realizado pelos bispos, para e com os povos amazônicos”; “a construção de uma Igreja com rosto amazônico”, que “visa à construção de uma Igreja descolonizada, inculturada e contextualizada”; e “um novo estilo de vida de todos”, a partir de “caminhos dialogais e interconectados”, nos quais o “processo de evangelização não pode ser separado do zelo pelas culturas, nem do cuidado com o território e a ecologia”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Suess também destaca que a avaliação geral do documento preparatório depende de premissas que Kant formulou em suas três Críticas: Que podemos saber? Que devemos fazer? Que podemos esperar? “Nos três campos — no saber, no fazer e no esperar — aguardam a Igreja tarefas gigantes, tanto na preparação do Sínodo como na sua realização, em outubro de 2019”, conclui.

Paulo Suess é doutor em Teologia Fundamental, fundador do curso de Pós-Graduação em Missiologia, na então Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e professor em várias Faculdades de Teologia no ciclo de Pós-Graduação em Missiologia.

Entre suas publicações, estão Introdução à Teologia da Missão (Petrópolis: Vozes, 4a ed., 2015); Dicionário de Aparecida. 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida (São Paulo: Paulus, 2007); Dicionário da Evangelii gaudium (São Paulo: Paulus, 2015); Missão e misericórdia – A transformação missionária da Igreja segundo a Evangelii gaudium (São Paulo: Paulinas, 2017) e Dicionário da Laudato si’ – Sobriedade feliz (São Paulo: Paulus, 2017).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual sua avaliação geral do documento preparatório para o Sínodo Pan-Amazônico, publicado no dia 8 de junho pelo Vaticano, em especial dos três conjuntos de perguntas que correspondem às diferentes partes do documento?

Paulo Suess – As perguntas anexadas ao “Documento Preparatório” para o Sínodo Pan-Amazônico podem ser ampliadas, resgatadas e contextualizadas pelas respostas. Revelam a atitude dos autores do texto, que procuram iniciar um diálogo e não antecipar respostas.

A avaliação geral do “Documento Preparatório” depende de premissas que Kant (1724-1804), em suas três Críticas para o campo da filosofia, assim formulou: Que podemos saber? Que devemos fazer? Que podemos esperar? Nos três campos — no saber, no fazer e no esperar — aguardam a Igreja tarefas gigantes, tanto na preparação do Sínodo como na sua realização, em outubro de 2019.

Que podemos saber? Um Documento Preparatório” não deve substituir o próprio Sínodo com propostas concretas que se esperam das comunidades e lideranças das comunidades amazônicas. Hoje, os trabalhos científicos e os dados sociológicos, econômicos, geográficos e ecológicos sobre a Amazônia enchem bibliotecas. Menos conhecidos são a real história da Amazônia, suas culturas e o núcleo central dessas culturas, a sabedoria dos povos que habitam essa grande área. Mas essa lacuna sobre a Amazônia pode gradativamente ser superada através de uma metodologia participativa e sinodal que o “Documento Preparatório” e a própria organização do Sínodo propõem. Como o objetivo do Sínodo é refletir sobre “novos caminhos” da Igreja na Amazônia e, portanto, decidir sobre mudanças na prática pastoral, cabe a todos os envolvidos nesse Sínodo não somente invocar saberes teológicos construídos no decorrer dos séculos e indicar supostos limites de negociação para transformações pastorais, litúrgicas e teológicas, mas sobretudo procurar saber até onde certos saberes teológicos são históricos e não necessariamente normativos para todos os tempos. A “Igreja em saída”, que o Papa Francisco propõe, nos lembra que Jesus não foi pedreiro que construiu muros, mas carpinteiro que fez portas e janelas. Precisamos resgatar a liberdade do cristianismo dos primeiros séculos e do próprio Vaticano II, que nos falou da infalibilidade do povo de Deus no ato da fé (in credendo), porque “Deus dota a totalidade dos fiéis com um instinto da fé — o sensus fidei — que os ajuda a discernir o que vem realmente de Deus” (EG 119).

Que devemos fazer?

Precisamos nos exercitar na escuta recíproca entre todos. Para a Igreja universal é de vital importância escutar os povos indígenas e as comunidades que vivem na Amazônia, como os primeiros interlocutores deste Sínodo. Nessa escuta, podem-se conhecer os desafios e encontrar os novos caminhos que Deus pede à Igreja. O Papa Francisco nos deu um exemplo quando veio ao encontro dos representantes dos povos da Amazônia, em Puerto Maldonado (Peru), não somente para “visitar”, mas para “escutar”. A escuta é um ato de fé e “requer um magistério eclesial aberto para a escuta do Espírito Santo, que garante unidade e diversidade” [60] [1] . “É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles” (EG 198) e por suas culturas [75], que são “culturas do encontro” na vida cotidiana, nas quais se vive em “harmonia pluriforme” (EG 220) com “sobriedade feliz” (LS 224s) [cf. 4].

Que podemos esperar?

A finalidade principal deste Sínodo é modelar uma Igreja com “rosto amazônico”, o que significa libertar o povo de Deus de todas as formas de alienação e neocolonialismo, que destroem sua biodiversidade pela imposição de modelos culturais (religiosos, educativos, econômicos, políticos) estranhos à sua vida. Ainda hoje existem restos do projeto colonizador que demoniza as culturas indígenas [cf. 24]. Ao Sínodo cabe, portanto, “colaborar na construção de um mundo capaz de romper com as estruturas que sacrificam a vida e com as mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e interculturalidade” [4]. Cabe aos padres sinodais fazer aparecer melhor o rosto amazônico da Igreja, ou seja, “aprofundar o processo de inculturação(EG 126) [79] e denunciar profeticamente as situações de injustiça no mundo e na região [cf. 66].

As grandes distâncias geográficas da Amazônia produziram também grandes distâncias pastorais. O mistério da encarnação e a prática pastoral da inculturação apontam para a superação real dessas distâncias. Novas tecnologias (carros, canoas com motores sofisticados e internet) exercem um papel secundário nessa superação das distâncias geográficas e pastorais. O “Documento de Aparecida”, de 2007, descreve a defasagem entre exigências pastorais e realidade assim: “O número insuficiente de sacerdotes e sua não equitativa distribuição impossibilitam que muitíssimas comunidades possam participar regularmente na celebração da Eucaristia. Recordando que a Eucaristia faz Igreja, preocupa-nos a situação de milhares dessas comunidades privadas da Eucaristia dominical por longos períodos” (DAp 100e) [cf. 64]. A carência eucarística afeta mistérios centrais da vida cristã: A comunhão trinitária na Igreja “tem seu ponto alto na Eucaristia, que é princípio e projeto da missão do cristão” (DAp 153). Como as comunidades na Amazônia podem “viver sua fé na centralidade do mistério pascal de Cristo através da Eucaristia, de maneira que toda a sua vida seja cada vez mais vida eucarística” (DAp 251)?

Espera-se do Sínodo que a Igreja possa gerar processos que respondam às realidades concretas dos povos amazônicos. Os “novos caminhos” ainda são devedores do Vaticano II, cujo Decreto “Presbyterorum ordinis” é taxativo: “Nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da santíssima Eucaristia, a partir da qual, portanto, deve começar toda a educação do espírito comunitário” (PO 6). Espera-se do Sínodo coerência e relevância, coerência com as promessas e afirmações até normativas da Igreja e relevância para com os povos originários que nunca “estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora” [24].

IHU On-Line – Quais são as três questões mais importantes do documento preparatório?

Paulo Suess – O “Documento Preparatório” com seu Questionário segue a inspiração do Papa Francisco, que já no primeiro anúncio da realização de uma Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, no dia 15 de outubro de 2017, definiu como sua finalidade principal “encontrar novos caminhos para a evangelização”. O “Documento Preparatório” menciona 18 vezes esses “novos caminhos” para a evangelização da Igreja na Amazônia. Esses novos caminhos, marcados por três cuidados, são o fio condutor proposto para o trabalho do Sínodo Pan-Amazônico: o sujeito (os povos da Amazônia), a microrregião (rosto amazônico) e a macrorregião (novo estilo de vida de toda a humanidade).

– Primeiro, a questão dos sujeitos e protagonistas

O Sínodo está sendo realizado pelos bispos, para e com os povos amazônicos [1], cujas vidas são ameaçadas e cujos territórios são disputados [cf. 24]. Trata-se, portanto, de um protagonismo partilhado com todo o povo de Deus e de um caminhar sinodal. A participação dos povos amazônicos vai além de meras consultas, porque o povo de Deus é dotado com o “instinto da fé” (sensus fidei), que o torna infalível em seu conjunto (EG 119; cf. LG 12; DV 10) [61].

– Segundo, a construção de uma Igreja com rosto amazônico

A Igreja com rosto amazônico visa à construção de uma Igreja descolonizada, inculturada e contextualizada. Com esse pano de fundo, “urge avaliar e repensar os ministérios que hoje são necessários para responder aos objetivos de “uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena” [81]. Onde já se mostra este rosto amazônico e indígena é na presença e atuação das mulheres nas comunidades. A reivindicação de avançar na admissão de viri probati ainda é a reivindicação de uma Igreja clerical e machista de meio século atrás. Ao falarmos de uma Igreja indígena descolonizada haveremos de falar de viri probati e uxores probatae, de homens e mulheres que marcaram por longos anos sua relevância pastoral na Igreja. O “Documento Preparatório” não se antecipa a essas propostas, porém abre o caminho para elas.

– Terceiro, um novo estilo de vida de todos

Os “novos caminhos” não são caminhos paralelos que se encontram na eternidade, mas caminhos dialogais e interconectados. O processo de evangelização não pode ser separado do zelo pelas culturas, nem do cuidado com o território e a ecologia [cf. 52]. “‘Tudo está interligado’ (LS 16, 91, 117, 138, 240) [cf. 48] é a grande insistência do Papa Francisco para facilitar o diálogo com as raízes espirituais das grandes tradições religiosas e culturais” [72]. Os “novos caminhos” convidam para um novo estilo de vida de “sobriedade feliz” [LS 224s], que assume a mística da interligação e interdependência de tudo que foi criado. Interligados são a mãe Terra e toda a humanidade, as religiões e os sonhos. Também a cruz e a ressurreição fazem parte da polaridade sinergética da vida. Ela nos permite “encontrar Deus em todas as coisas”, como os místicos Mestre Eckhart e Inácio de Loyola nos ensinaram. Seu lema, que pode nos inspirar para um novo estilo de vida, nos impulsiona a “praticar a solidariedade global” [74], viver a “corresponsabilidade no trabalho comum” [25] e superar a ação desordenada do ser humano ante a natureza que ameaça o futuro de suas próprias condições de vida. “Encontrar Deus em todas as coisas” é uma chave importante para superar a “cultura do descarte” (LS 6) [2] e assumir “uma conversão ecológica que implica um novo estilo de vida, cujo foco é o outro. Urge praticar a solidariedade global e superar o individualismo, abrir novos caminhos de liberdade, verdade e beleza” [74].

IHU On-Line – Alguma questão importante não foi contemplada pelo documento?

Paulo Suess – O “Documento Preparatório” para o Sínodo não tinha a tarefa de contemplar todas as questões importantes e pertinentes para a região Amazônica. Seguiu-se a proposta do Papa Francisco de que “uma pastoral em chave missionária não está obsessionada pela transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas […]; o anúncio concentra-se no essencial […]. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade” (EG 35). De fato, nem as questões do trabalho nem as do ecumenismo ou as do diálogo inter-religioso foram aprofundadas. As questões realmente importantes para os povos da Amazônia (povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e afrodescendentes, a população rural e a dos centros urbanos) só saberemos depois da devolução do Questionário com respostas, propostas e novas perguntas.

IHU On-Line – O documento preparatório segue a metodologia “ver, julgar (discernir) e agir”. Qual é a importância desse método para esse Sínodo em especial?

Paulo Suess – A metodologia indutiva do “ver-julgar-agir”, que parte da realidade pluridimensional concreta, marca desde Medellín a teologia latino-americana. Já no início de seu pontificado, o Papa Francisco nos convida, no processo de evangelização, a assumir a cultura do outro e nos adverte: “Às vezes, na Igreja, caímos na vaidosa sacralização da própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico ardor evangelizador” (EG 117). Se a proposta para este Sínodo é a construção de uma Igreja com rostos amazônicos, que são muitos, e se o desafio da pastoral na Amazônia são as grandes distâncias, então, para superar as duas distâncias, a cultural, que “abrange a totalidade da vida de um povo” (EG 115), e a geográfica, que envolve as estruturas eclesiais e ministeriais, se oferece o método indutivo, que permite contextualizar o “ver, julgar (discernir) e agir”.

Contextualizar o cristianismo na Amazônia significa abrir “novos caminhos” no plural das culturas e de sua evolução histórica, porque “não faria justiça à lógica da encarnação pensar num Cristianismo monocultural” (EG 117). “Contexto” significa busca de proximidade para ver a pessoa e os povos em sua história, cultura, relações sociais e geografia, nas contradições de interesses, conflitos e poderes. Como se situar nesse mundo amazônico entre isolamento e aggiornamento? Como traduzir os artigos de fé, os sinais de justiça, as imagens de esperança e as práticas de solidariedade para os interlocutores do mundo tradicional e do moderno ao mesmo tempo? Como viver a inculturação da fé e a contraculturalidade do Evangelho? Como manter a Igreja universalmente unida e localmente enraizada? Precisamos um novo conceito de unidade na diversidade do Espírito Santo, porque “o cuidado da casa comum” inclui também o cuidado da casa de cada um.

IHU On-Line – Qual sua avaliação particular da dimensão bíblico-teológica do documento, especialmente em sua proposta de anunciar o Evangelho na Amazônia levando em conta uma dimensão social, ecológica, sacramental e eclesial-missionária?

Paulo Suess – Todas as dimensões mencionadas não são subdivisões da “dimensão bíblico-teológica” do documento, mas, dentro da metodologia do “ver, julgar e agir”, da segunda parte do texto que trata do “Discernir (julgar) – para uma conversão pastoral e ecológica”.

Se você pergunta por “minha avaliação particular”, diria o seguinte: Eu tenho muitas razões para dar força ao texto assim como está. Que essa “conversão pastoral e ecológica”, em todos os subitens, é cinco vezes introduzida com o mantra de “Anunciar o Evangelho de Jesus na Amazônia” é uma falha estilística, não semântica, que poderia ser evitada por um título mais abrangente da segunda parte do Documento: “II. DISCERNIR. Para uma conversão pastoral e ecológica a partir do anúncio do Evangelho de Jesus na Amazônia”. O restante, encontrar em todas as cinco dimensões (na dimensão bíblico-teológica, social, ecológica, sacramental e eclesial-missionária) razões para a “conversão pastoral e ecológica” a partir do anúncio do Evangelho, é uma questão hermenêutica.

Na dimensão bíblico-teológica destacam-se os mistérios da criação, da encarnação e da redenção como criação nova. A dimensão social enfatiza a “conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana(EG 178) [42]. A dimensão ecológica remete ao “vínculo intrínseco entre o campo social e o ambiental” [49]. A dimensão sacramental é caracterizada por “um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida” [57] e na vida sacramental se realiza a contemplação de Deus em todas as coisas. A dimensão eclesial-missionária articula “a participação de todos” no louvor a Deus com “a prática da justiça a favor dos pobres” [60] e “um grande exercício de escuta recíproca” [64]. As cinco dimensões “para uma conversão pastoral e ecológica” não são uma tempestade torrencial, mas uma chuva suave para regar os “novos caminhos” e absorver a poeira da estrada.

IHU On-Line – Que reações o senhor já percebeu acerca de como o documento preparatório para o Sínodo Pan-Amazônico está sendo recebido na Igreja brasileira, em especial na Amazônia? O que está sendo preparado para que os leigos tenham acesso ao questionário?

Paulo Suess – Faz tempo que existe junto à CNBB a Comissão Episcopal para a Amazônia e, desde o ano passado, também a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), cujo presidente é o cardeal Cláudio Hummes. Ambos os organismos, através de Encontros e Assembleias territoriais, estão assessorando dioceses e comunidades da Pan-Amazônia e da sociedade brasileira nas questões ecológicas, econômicas e pastorais pertinentes a esta macrorregião. Na CNBB e nos organismos vinculados com ela, como no Cimi, o “Documento Preparatório” já era esperado, e está sendo divulgado pelos diferentes sítios na internet. A CNBB já imprimiu o documento e o enviou para as dioceses e prelazias.

No Brasil, as respostas do questionário serão enviadas para o seguinte e-mail: sinodoamazonia@gmail.com. CNBB e REPAM-Brasil estão criando uma plataforma específica para a comunicação acerca do sínodo.

Ainda é cedo para registrar reações acerca do documento, sobretudo das comunidades, no interior do país, das quais se esperam respostas e propostas concretas, seguindo o convite do Papa Francisco, em Porto Maldonado: “Ajudai os vossos Bispos, ajudai os vossos missionários e as vossas missionárias a fazerem-se um só convosco e assim, dialogando com todos, podeis plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena” [90]. Esta interiorização do documento, da discussão e do recolhimento das respostas através do questionário, que se espera até meados de janeiro, vai depender muito dos nossos e das nossas agentes de pastoral. Seria recomendável que cada região, diocese, paróquia ou comunidade constituísse um Grupo de Trabalho Sinodal (GTS) encarregado de fazer, no final do processo de recolhimento das respostas, uma síntese das respostas.

IHU On-Line – Como será feita a avaliação dessas respostas? Até que ponto a sinodalidade pode ser efetiva?

Paulo Suess – A partir de janeiro, o grupo de assessores do Sínodo vai sintetizar as respostas. Essa síntese exige muita sensibilidade, para não desfigurar as respostas por “valorizações” nas quais seus autores não se conseguiriam mais reconhecer. A partir dessa síntese, os assessores redigem o “Documento de Trabalho” que será discutido e aprovado pelo “Conselho Pré-Sinodal”. Depois, o “Documento de Trabalho” será enviado aos delegados do próprio Sínodo. Está previsto que todos os bispos e prelados da Pan-Amazônia serão delegados do Sínodo, além de representantes das Conferências Episcopais dos Continentes e da Cúria Romana.

Um sínodo não funciona como uma democracia liberal, mas como uma cooperativa. No Brasil, muitas cooperativas já fracassaram, enquanto outras deram bons resultados. A sinodalidade pode ser efetiva, perfeita não. Efetivo, o Sínodo Pan-Amazônico já se mostrou na elaboração do “Documento Preparatório”. Com as contribuições heterogêneas, que devem vir das bases da Igreja da Amazônia Legal, o desafio de um trabalho sinodal na elaboração do “Documento de Trabalho” pode ser maior, mas novamente efetivo e não perfeito. Se for perfeito, será o fim da história. Sendo efetivo, nos leva a alguns passos à frente, e o processo continua.

IHU On-Line – Quais são os documentos centrais que fundamentam teoricamente o Documento Preparatório para o Sínodo e que, certamente, vão fundamentar também o “Documento de Trabalho”?

Paulo Suess – Na busca de “novos caminhos” para a inculturação e descolonização da Igreja na Amazônia, o Sínodo se situa num processo que mais explicitamente começou com o Concílio Vaticano II (1962-1965). “A providência do Pai e a bondade da criação alcançam seu ponto culminante no mistério da encarnação do Filho de Deus, que se aproxima e abraça todos os contextos humanos, mas sobretudo o dos mais pobres. O Concílio Vaticano II menciona esta proximidade contextual com palavras como adaptação e diálogo (cf. GS 4, 11; CD 11; UR 4; SC 37ss) e encarnação e solidariedade” (cf. GS 32) [39].

No tempo pós-conciliar, a Igreja latino-americana assumiu intenções profundas do Vaticano II, cunhou expressões próprias e sacudiu as colunas de uma teologia dedutiva cristalizada. A teologia conciliar foi indutiva. A leitura latino-americana das palavras-chave dessa teologia indutiva, que constrói seu argumento a partir da realidade concreta (cf. GS 62,2), forjou a Teologia da Libertação e outras teologias contextuais, como, por exemplo, a Teologia Índia [cf. 82]. O processo pós-conciliar incorporou novos verbetes no dicionário teológico-pastoral: “libertação” e “opção pelos pobres” (Medellín, 1968), “participação”, “assunção” e “comunidades de base” (Puebla, 1979), “inserção” e “inculturação” (Santo Domingo, 1992), “missão”, “testemunho” e “serviço” de uma Igreja samaritana e advogada da justiça e dos pobres (Aparecida, 2007).

Desde as “Conclusões de Santo Domingo”, o magistério latino-americano acrescentou, explicitamente, ao paradigma da libertação o paradigma da inculturação. A inculturação da fé e de todas as atividades eclesiais que emergem dessa fé (pastoral, liturgia, teologia, anúncio, missão, obras sociais), são “imperativos do seguimento de Jesus” (DSD 13), que redimiu a humanidade na proximidade histórico-cultural da encarnação. O paradigma da inculturação, na síntese do DAp, foi novamente proposto como caminho para expressar cada vez melhor a catolicidade. Palavras como “assumir” (DAp 280b, 330, 348), “contexto” (DAp 276, 331), “inserir” (DAp 329, 517h) e “presença” (DAp 215, 474b) pertencem ao campo semântico da inculturação: “Com a inculturação da fé, a Igreja se enriquece com novas expressões e valores, manifestando e celebrando cada vez melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir mais a fé com a vida e assim contribuindo para uma catolicidade mais plena, não só geográfica, mas também cultural” (DAp 479).

Para a Igreja universal, esse processo de busca de “novos caminhos” estava também presente no Sínodo sobre “a nova evangelização para a transmissão da fé cristã”, de 2012. A Exortação Apostólica Evangelii gaudium (2013), do Papa Francisco, “sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual” concretizou as propostas do Sínodo sobre a Nova Evangelização e fez dos “novos caminhos” o fio condutor do seu pontificado (cf. EG 14). A Evangelii gaudium, com suas palavras-chave de “diálogo” (EG 142), “encontro” (EG 239) e “Igreja em saída” (EG 20ss), ofereceu novos verbetes para o dicionário teológico-pastoral. O “Documento Preparatório” está familiarizado com esses paradigmas que, em seu conjunto, estão presentes na proposta dos “novos caminhos” para o Sínodo. A convocação do próprio Sínodo só é possível no interior desse processo do qual o Papa Francisco é o avalista aglutinador.

Nos documentos centrais, que fundamentam o “Documento Preparatório”, está presente a memória histórica do povo de Deus que lembra a Igreja de promessas cumpridas e de outras, ainda não cumpridas, no decorrer de uma longa caminhada. O Sínodo Pan-Amazônico é herdeiro dessa caminhada. O Sínodo, em relação à Igreja, é como o anjo que tocou o profeta Elias e disse: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”. O profeta levantou-se, comeu e bebeu e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, monte de Deus” (1Rs 19,8). O Sínodo pode ser o anjo que nos toca. Os “novos caminhos” são lembrete desse longo caminho pelo deserto, mas também promessa da realização da utopia do Horeb e do Reino.]

Nota

[1] Os números entre colchetes se referem ao “Documento Preparatório” que se encontra no sítio da RELAMI – Brasil (Rede Latino-Americana de Missiólogos e Missiólogas) com a enumeração dos parágrafos de 1 até 90.

Título original do texto “Sínodo Pan-Amazônico. O Documento Preparatório e o Questionário – início de um diálogo para buscar novos caminhos. Entrevista especial com Paulo Suess”       in IHU Unisinos.

Neymar Júnior é o cara – o resto é despeito, rancor e ódio

Neymar
Foto: REUTERS/Damir Sagolj

Neymar Júnior, ex-jogador de futebol do Santos, com passagem pelo Barcelona e (agora) atuando no PSG (França) não sai da mídia, pelo menos por daqui, mas não só, reconheçamos, seja por conta de seu cabelo, seja por sua namoradinha insossa e atriz de capacidade duvidosa, seja pelo seu futebol exuberante, futebol no qual a maioria dos nacionais leva fé para o país ganhar mais uma copa do mundo; fé que todos parecem ter, mesmo aqueles que dizem detestá-lo, odiá-lo, despreza-lo (ou perto disso).

Igualmente, então, “botam a maior fé” em Neymar Júnior aqueles que o identificam como o cara (favor não confundir o cara do Lula, na infelicidade precipitada de Osama, depois da enxurrada de denúncias que o cercam).

Todos, em uníssono, esperam ansiosamente pela redenção do futebol brasileiro, mesmo aqueles que teimam em menosprezar o esporte e o jogador nacional.

Neymar Júnior não é apenas o cara (pelo menos para nós, brasileiros) como teve a cara e a coragem (minha mãe diria “a pachorra”) de desprezar o Barcelona em meio a um contrato e se mandar para o França.

Os argumentos dos sem-argumentos são variados: Neymar Júnior foi pela grana do PSG; Neymar Júnior não queria permanecer à sombra do argentino Messi.

Pode ser qualquer uma dessa coisas juntas ou separadas, como igualmente pode ser pura birra de moleque (“muleke”) ou as três coisas juntas ou nenhuma dela.

Vai saber o que passa pela cabeça e pelas vontades do “muleke”?

A única coisa com concreta para se dizer a respeito é que há muito despeito e mágoa nessa parada, especialmente recordando-se que Neymar Júnior apoiou, na eleição presidencial de há quatro anos, um candidato preterindo a outra candidata.

Esse barril de pólvora no qual o Brasil foi lançado explode continuamente e antecipa a grande explosão (o nosso big bang) e nos jogou num denso lamaçal de banalidades, ignorâncias, intolerâncias capaz de destilar um liquido fedido, uma mistura nauseabunda e horrenda de política com futebol.

Vivemos tempos obscuros.

Márcio Tadeu dos Santos

“Só a humanidade pode libertar-se a si própria”

Berardi
Foto: Filosomídia – “Franco Berardi, mais conhecido por Bifo (Bolonha/Itália, 1949) é um filósofo e agitador cultural italiano”

[Abaixo, extractos de uma entrevista recente ao filósofo italiano Franco Berardi, realizada por Ana Pina e publicada num jornal de economia online (aqui). Tomámos a liberdade de mudar o título [“O pensamento crítico morreu”], usando na mesma palavras do entrevistado.

O acrónimo inglês TINA – There Is No Alternative [não há alternativa] – é usado recorrentemente para justificar a necessidade de trabalhar mais e de aumentar a produtividade. Na sua opinião, não há mesmo alternativa?  

Esse tem sido o discurso dos líderes políticos nos últimos 40 anos, desde que Margaret Thatcher declarou que “a sociedade não existe”. Existem apenas indivíduos, empresas e países competindo e lutando pelo lucro. É este o objetivo do capitalismo financeiro. E com esta declaração foi proclamado o fim da sociedade e o início de uma guerra infinita: a competição é a dimensão económica da guerra. Quando a competição é a única relação que existe entre as pessoas, a guerra passa a ser o ‘ponto de chegada’, o culminar do processo. Penso que, em breve, acabaremos por assistir a algo que está para além da nossa imaginação…

O que pode pôr em causa o capitalismo financeiro? Enfrenta alguma ameaça?  

A solidariedade é a maior ameaça para o capitalismo financeiro. A solidariedade é o lado político da empatia, do prazer de estarmos juntos. E quando as pessoas gostam mais de estar juntas do que de competir entre si, isso significa que o capitalismo financeiro está condenado. Daí que a dimensão da empatia, da amizade, esteja a ser destruída pelo capitalismo financeiro. Mas atenção, não acredito numa vontade maléfica. O que me parece é que os processos tecnológico e económico geraram, simultaneamente, o capitalismo financeiro e a aniquilação tecnológica digital da presença do outro. Nós desaparecemos do campo da comunicação porque quanto mais comunicamos menos presentes estamos – física, erótica e socialmente falando – na esfera da comunicação. No fundo, o capitalismo financeiro assenta no fim da amizade. Ora, a tecnologia digital é o substituto da amizade física, erótica e social através do Facebook, que representa a permanente virtualização da amizade. Agora diz-se que é preciso “consertar o Facebook”. O problema não está em “consertar” o Facebook, mas sim em ‘consertarmo-nos’ a nós. Precisamos de regressar a algo que o Facebook apagou.

O pensamento crítico pode ajudar a “consertarmo-nos”?

Não há pensamento crítico sem amizade. O pensamento crítico só é possível através de uma relação lenta com a ciência e com as palavras. O antropólogo britânico Jack Goody explica na sua obra “Domesticação do Pensamento Selvagem” que o pensamento crítico só é possível quando conseguimos ler um texto duas vezes e repensar o que lemos para podermos distinguir entre o bem e o mal, entre verdade e mentira. Quando o processo de comunicação se torna vertiginoso, assente em multicamadas e extremamente agressivo, deixamos de ter tempo material para pensarmos de uma forma emocional e racional. Ou seja, o pensamento crítico morreu! É algo que não existe nos dias de hoje, salvo em algumas áreas minoritárias, onde as pessoas podem dar-se ao luxo de ter tempo e de pensar.

No seu livro “Futurability – The Age of Impotence and the Horizon of Possibility” (2017) escreve que o paradoxo da automação sob o capitalismo reside no facto de “chantagear os trabalhadores a trabalharem mais e mais depressa em troca de cada vez menos dinheiro, numa luta impossível contra os robôs”.  

Há pelo menos 20 anos que isso acontece um pouco por todo o lado, Europa incluída. Importa dizer que a União Europeia (UE) não existe ao nível político, apenas ao nível financeiro. Aliás, a função da UE tem sido, e continua a ser, a de obrigar as pessoas a trabalhar mais em troca de salários cada vez mais baixos. Estamos a falar num empobrecimento sistemático. Mas o desenvolvimento tecnológico, em si mesmo, não é uma coisa má, pelo contrário. O problema está na forma como o capitalismo organiza as possibilidades tecnológicas de maneira a cairmos numa armadilha. O que quero eu dizer com isto? Que somos levados a pensar que a liberdade advém do trabalho e do salário. Que somos obrigados a pensar que a tecnologia é uma ferramenta para a acumulação, o lucro. Ora, é difícil sair de ‘armadilhas mentais’ como esta.

(…)

Como vê o papel dos media e das redes sociais nos tempos que correm? 

Devo dizer que, nos dias de hoje, a expressão “media” não é muito óbvia. Remete para quê exatamente? Remete para o The New York Times (NYT) ou para o Facebook? Digamos que, neste último ano, houve uma disputa cerrada entre o NYT e o Facebook e foi este que acabou por vencer, porque o pensamento crítico morreu. E o pensamento imersivo está fora do alcance da crítica. A imersividade é, pois, a única possibilidade. Esta é outra questão relevante. Acredita que o Facebook pode ser ‘consertado’? Pessoalmente não acredito. Em tempos, eu e muitas outras pessoas acreditávamos que a Internet ia libertar a humanidade. Errado. As ferramentas tecnológicas não vão libertar-nos. Só a humanidade pode libertar-se a si própria. Voltando ao Facebook, como podemos defini-lo? O Facebook é uma máquina de aceleração infinita. E esta aceleração, intensificação, obriga a distrair-nos daquilo que é a genuína amizade.

Considera que as redes sociais padronizam formas de estar?  

Sem dúvida. A nossa energia emocional foi absorvida pelo mundo digital, por isso as pessoas esperam que os outros “gostem” do que dizemos [nas redes sociais] e muita gente sente-se infeliz quando os seus posts não produzem esse efeito. Uma das consequências desse investimento emocional é o chamado ‘efeito da câmara de eco’, ou seja, tendemos a comunicar, a trocar informações e opiniões com pessoas que pensam como nós, ou que reforçam as nossas expetativas, e reagimos mal à diferença. Podemos chamar-lhe psicopatologia da comunicação. O futuro só é imaginável quando estamos dispostos a investir emocionalmente nos outros, na amizade, na solidariedade e, claro, no amor. Mas se não formos capazes de sentir empatia, o futuro não existe. São os outros que nos validam, que nos conferem humanidade.

Um estudo da OMS refere o suicídio como a segunda causa de morte entre crianças e jovens com idades entre 10 e 24 anos; e estima que, em 2020, a depressão será a segunda forma de incapacidade mais recorrente em todo o mundo. Que leitura faz deste retrato alarmante? 

Entre finais da década de 1970 e 2013, a taxa de suicídio aumentou 60% em todo o mundo, segundo dados da OMS. Como podemos explicar este aumento brutal?! O que aconteceu há 40 anos atrás? Como referi antes, Margaret Thatcher declarou que a sociedade não existe; paralelamente, o neoliberalismo eliminou a empatia da esfera social. Depois, a tecnologia digital começou a destruir a possibilidade do real, da relação física entre humanos; a emergência de Tony Blair é a prova de que a Esquerda morreu – refiro Blair por ser mais fácil de identificar, mas juntamente com ele estão muitos outros líderes. A Esquerda (…) embarcou no discurso neoliberal: pleno emprego, oito horas por dia, cinco dias por semana durante uma vida inteira. Isto é cada vez menos viável. O pleno emprego é algo impossível, o que temos é mais precariedade para todos, cortes nos salários para todos, mais trabalho para todos, em suma, uma nova escravatura. A isto somam-se dois aspetos importantes. Primeiro, a obrigação passou a ser parte integrante da nossa formação psicológica e a competição tornou-se no princípio moral universal. Segundo, passámos a julgar-nos em função do critério da produtividade. Existe apenas um modelo, um padrão, que é o da competição e sentimo-nos culpados de todos os nossos “fracassos”, seja ele o desemprego ou a pobreza. Há quem lhe chame auto exploração.

Refere num artigo que o ser humano tem de abandonar o desejo de controlar… 

Hoje em dia, o grau de imprevisibilidade aumentou de tal forma que pôs fim à potência masculina. O ponto de vista feminino, por seu turno, representa a complexidade, a imprevisibilidade da infinita riqueza da natureza e da tecnologia – não no sentido de algo oposto à natureza, mas como uma forma de evolução natural. Atualmente, só o ponto de vista feminino é que pode salvar a raça humana. O ponto de vista masculino já não é capaz de fazer o tipo de ‘trabalho’ de que fala Maquiavel: dominar a natureza. Isso já não é possível, por isso temos de libertar a produtividade da natureza e da mente humana, isto é, o conhecimento. Hoje em dia, o problema não está no excesso de tecnologia, mas sim na nossa incapacidade de lidar com a tecnologia sem ficarmos reféns do preconceito do poder, do controlo, da dominação. Temos de abandonar essa pretensão: a de controlar.

(…)

Como vê a Europa de hoje? 

De momento, exceto Portugal e Espanha, o racismo é o único ponto de entendimento entre os europeus. Nem mais nem menos: racismo. E não tem a ver com o medo do outro, da diferença. Tem a ver com a incapacidade de lidar com o passado colonial. A ideia que prevalece na Europa é que se ganha quando se é mais racista do que o outro. A Europa está fraturada e o discurso mantém-se: o Norte contra o Sul, [o grupo de] Visegrado contra Paris e Berlim… Enfim, apenas confluem num aspeto: rejeitar a imigração. Mesmo que isso signifique a morte de milhares de pessoas e o encarceramento de milhões de pessoas na Líbia, no Níger, nos Camarões, na Nigéria e por aí diante (…). ]

Maria Helena Damião e Isaltina Martinsm in O Jornal Económico publicado também em  De Rerum Natura 

Política, futebol e as nossas cascas de bananas

Maradona
Blog Vinicius de Santana: Maradona beija Pelé ao lado de Putim, em cerimônia da copa da Rússia.

Alguém estava-se referindo a uma fábula, da qual eu já ouvira falar, mas nunca lhe dei muita importância, sobre um sujeito que jogava cascas de banana para que ele mesmo escorregasse.

Não sei exatamente por que se proliferou a ideia de que apenas cascas de bananas possam provocar tombos. A rigor, boa parte das frutas (tropicais) tem essa capacidade e destaco aqui a casca da manga.

Mas, enfim, a história não é sobre cascas, mas sim sobre as armadilhas que criamos para nós mesmo e que no futuro nos parecerão ridículas e de difícil sustentação e alvo de escárnio de outras pessoas.

Não posso esquecer aqui (embora já esteja parcialmente esquecida) a história inverossímil do terço do papa “destinado a Lula” e uma historieta mais recente dando conta de que Maradona puxou, na estreia da Argentina na copa de Rússia, um coro de “olé, olá, Lula, Lula”.

Fôssemos um pouco mais atentos estaríamos nos perguntando que razões levariam o papa Francisco a se indispor com a justiça brasileira e com o próprio Estado nacional, Francisco que é chefe de Estado (Vaticano), a menos que ele quisesse mandar seus exército de cruzados invadir o Brasil e libertar o Lula.

Raciocínio semelhante deveria também nos levar a perguntar as razões que moveriam Maradona, por que “todos” os argentinos o seguiram nesse “olê, olá” e, ambos, acabariam por contaminar “todo o estádio” nessa gritaria pró-Lula.

Ver alguma lógica nesses dois acontecimentos é como buscar agulha em palheiro.

Futebol, a caixinha

Quando a seleção brasileira foi ao México para ganhar a terceira copa do Mundo saiu daqui debaixo de pedradas (não literal, mas irada e irônica).

As críticas eram ferozes e previam que o selecionado nacional dificilmente passaria pela fase de grupos.

Tratava-se de uma mistura de provincianismo/bairrismo com um ódio visceral à ditadura militar, aliás, ódio bastante justificado.

O que resultou da jornada brasileira no México é história bastante conhecida.

O Brasil chegou à Rússia, em 2018, segundo nós mesmos (ou pelo menos a maioria de nós), com um técnico inteligente e moderno e com o melhor elenco (quiçá o melhor de todos os tempo), prontos para, num piscar de olhos, “trazer mais um caneco para casa”.

Um empate na primeira rodada fez desmoronar o sonho e trouxe sérias dúvidas a respeito da inteligência do treinador e da capacidade do elenco.

Claro que tudo isso pode mudar na segunda partida ou pode aprofundar a desconfiança, desmentindo, porém, o clima de euforia que cercou o selecionado antes do embarque.

Ou seja, mais uma vez estamos nos precipitando, reféns que somos, nós, brasileiros, das aparências apressadas, precipitadas e quase sempre enganosas.

Leia também:

Genética dos Contos de Fadas – Hipérkubic

O privilégio da servidão – Blog da Boitempo

Cientistas fazem o primeiro entrelaçamento quântico “sob demanda” –  Hipescience

Márcio Tadeu dos Santos

“Boaventura : em busca de Outros Iluminismos”

Iluminismos
Manto funerário do Alto Peru, cultura Paracas (700 a.C a 200 d.C). Em 2014, dezenas de peças como esta foram devolvidas ao país pela Suécia, que as conservou ilegalmente por mais de cem anos

[A conhecida revista de arte norte-americana Artforum solicitou-me um curto texto sobre o tema “O que é o Iluminismo?” Este é o título do famoso texto de Immanuel Kant publicado em 1784, glosado desde então por muitos autores, inclusivamente por Michel Foucault. A editora da revista queria especificamente que eu abordasse o tema a partir da minha proposta das epistemologias do sul (Epistemologies of the South: Justice against Epistemicide. Nova Iorque, Routledge, 2014; The End of the Cognitive Empire: The Coming of Age of the Epistemologies of the South. Durham, Duke University Press, 2018.). Eis a minha resposta.

Em 1966, um dos mais inovadores intelectuais ocidentais do século XX, Pier Paolo Pasolini, escreveu que somos muitas vezes prisioneiros de palavras doentes. Referia-se a palavras que parecem plenas de sentido, mas que, de fato, estão desprovidas dele ou, talvez mais precisamente, palavras que possuem conotações vagas e misteriosas, mas nos deixam muito inquietos, dada a sua aparência de estabilidade e coerência. Pasolini refere três palavras doentes — cinema, homem e diálogo —, insistindo no fato de existirem muitas mais. Penso que uma delas é Iluminismo. Foucault mostrou já que somos prisioneiros desta palavra. Contudo, na sua obsessão com a ideia de poder, não reconheceu que os prisioneiros nunca estão totalmente aprisionados e que a resistência nunca é apenas determinada pelas condições impostas pelo opressor. Afinal, as conquistas revolucionárias dos protagonistas do Iluminismo europeu mostram-nos precisamente isso. Devemos então começar a partir do ponto em que Foucault nos deixou. Poderemos nós curar essa palavra doente? Duvido que possamos. Contudo, se houver uma cura, ela ocorrerá, sem dúvida, contra a vontade do doente.

Se perguntarmos a um budista o que é o Iluminismo, poderemos obter uma resposta como a de Matthieu Ricard, um monge que vive no Nepal. Para Ricard, Iluminismo implica:

Um estado de conhecimento ou sabedoria perfeitos, aliado a uma infinita compaixão. Neste caso, o conhecimento não significa somente a acumulação de dados ou uma descrição do mundo dos fenómenos até aos mais ínfimos pormenores. O Iluminismo é uma compreensão tanto do modo relativo da existência (a forma como as coisas se nos apresentam) como do modo último da existência (a verdadeira natureza dessas mesmas aparências). Tal inclui as nossas mentes, bem como o mundo exterior. Esse conhecimento é o antídoto básico para a ignorância e o sofrimento.

Até que ponto é que o Iluminismo de Ricard é diferente do de Kant, Locke ou Diderot? Ambas as concepções implicam uma ruptura com o mundo tal como ele nos é dado. Ambas exigem uma luta contínua pela verdade e pelo conhecimento, sendo que o seu objetivo último equivale a uma revolução — uma revolução interior, no caso do Iluminismo budista, e uma revolução social e cultural, no caso do Iluminismo europeu. Será que existem continuidades entre essas rupturas, tão distantes em termos das suas gêneses e dos seus resultados? Devemos considerar como dado adquirido que nos conhecemos a nós ao conhecermos o mundo, conforme nos promete o Iluminismo europeu, ou devemos antes partir do pressuposto de que conhecemos o mundo uma vez que nos conheçamos a nós, conforme a promessa do Iluminismo budista? Qual dos dois pressupõe a tarefa mais impossível?

Qual dos dois acarreta mais riscos para os que não acreditam nas suas promessas? E, finalmente, porque é que questionar o Iluminismo europeu é ainda hoje, mais de dois séculos depois da sua formulação, tão mais relevante e controverso do que questionar o Iluminismo budista? Será apenas porque a maioria de nós é ontológica, cultural e socialmente eurocêntrica, e não budocêntrica?

A força do Iluminismo europeu baseia-se em duas demandas incondicionais: a busca do conhecimento científico, entendido como a única forma verdadeira de conhecimento e como fonte única de racionalidade; e o empenho no sentido de vencer a “escuridão”, ou seja, de banir tudo quanto é não-científico ou irracional. A incondicionalidade dessas demandas tem como premissa a incondicionalidade das causas que as orientam. E causas incondicionais levam logicamente a consequências incondicionalmente positivas. Aqui reside a fatal debilidade dessa força tão extrema, o seu calcanhar de Aquiles. Tomar como base uma concepção única de conhecimento e de racionalidade social exige que se sacrifique tudo aquilo que não lhe é conforme. A natureza sacrificial desta confiança reside em que a tolerância e a fraternidade decorrentes da celebração da liberdade e da autonomia contêm em si a fatal incapacidade de distinguir coerção e servidão de modos alternativos de ser livre ou autônomo. Ambos são concebidos como inimigos da liberdade e da autonomia e, logicamente, tratados com desapiedada intolerância e violência. É esse o impulso atávico que subjaz à construção iluminista da humanidade “universal” e o impele a sacrificar alguns humanos, banindo-os da categoria do humano, como o antigo bode expiatório abandonado no deserto. Isso explica a razão pela qual os direitos humanos podem ser violados em nome dos direitos humanos, a democracia pode ser destruída em nome da democracia e a morte pode ser celebrada em nome da vida. Aquilo que torna o Iluminismo europeu tão fatalmente relevante e tão necessitado de constante reavaliação é o fato de, ao contrário de outros projetos iluministas (como o budista), o poder de impor as suas ideias aos outros não se reger, ele próprio, por essas ideias e sim pelo desígnio de prevalecer, se necessário através de uma imposição violenta, sobre aqueles que não acreditam em tais ideias iluminadas ou se veem fatalmente afetados pelas consequências da implementação delas na vida económica, social, cultural e política.

A natureza sacrificial do Iluminismo europeu manifesta-se na forma como raciocina sem razoabilidade, na forma como apresenta as opções que rejeita ou os caminhos que não escolhe como prova da inexistência de outras vias, na forma como justifica resultados catastróficos como danos colaterais inevitáveis. Estas operações traçam uma linha abissal entre, por um lado, a luz forte das boas causas e das formas iluminadas de organização social e, por outro, a escuridão profunda das alternativas silenciadas e das consequências destruidoras. Historicamente, o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado são as forças principais que têm sustentado a fronteira abissal entre seres totalmente humanos, que merecem a vida plena, e criaturas sub-humanas descartáveis.

Essa linha abissal é uma linha epistêmica. Por isso, a justiça social exige justiça cognitiva e a justiça cognitiva exige que se reconheça que a querela entre a ciência, por um lado, e a filosofia e a teologia, por outro, é um conflito que se enquadra confortavelmente no âmbito da epistemologia iluminista. Aquilo que precisamos de entender é o fato de estes modos de conhecimento se oporem coletivamente a formas de pensamento e sabedorias alheias ao paradigma ocidental. O colonial propriamente dito poderia definir-se em termos dessa terra incógnita epistemológica. Como observou Locke de forma bem reveladora, “No princípio o mundo todo era a América”. Longe de representar a superação universal do “estado de natureza” pela sociedade civil, o que o Iluminismo fez foi criar o estado de natureza, consignando-lhe amplas extensões de humanidade e vastos conjuntos de conhecimentos. A cartografia, enquanto disciplina, inscreveu uma demarcação precisa entre a metrópole civilizada e as distantes terras selvagens (americanas, africanas, oceânicas). Esse mundo “natural”, na lógica geo-temporal lockiana, tornou-se também uma história “natural”. A contemporaneidade e a simultaneidade dos mundos do Outro colonial tornaram-se uma espécie de passado dentro do presente.

Para se chegar ao tipo de pensamento pós-abissal capaz de transcender completamente a oposição binária metropolitano/colonial, é necessário travar uma batalha que excede parâmetros epistêmicos. Apenas se pode confrontar o poder hegemônico através das lutas daqueles grupos sociais que têm sido sistematicamente lesados e privados da possibilidade e do direito de representar o mundo como seu. Os seus conhecimentos, nascidos em lutas anticapitalistas, anticoloniais e antipatriarcais, constituem aquilo a que chamo epistemologias do sul. Tais lutas não se regem por princípios anti-iluministas (a opção conservadora, de direita), mas criam condições para que seja possível uma conversação entre diferentes projetos de Iluminismo, uma ecologia de ideais iluministas.

Os conhecimentos nascidos nas lutas apontam para a razoabilidade (troca de razões) e não para racionalidade unilateralmente imposta, e partem das consequências em vez de partirem das causas. A noção de causa enquanto objeto privilegiado de conhecimento—a ideia de que a nossa tarefa consiste em ir cada vez mais fundo até se chegar, por fim, às fundações epistemológicas ou ontológicas, a causa sui ou causa sem causa—é ela própria um artefato da modernidade ocidental. Para os oprimidos, uma epistemologia a partir das consequências torna legível a experiência e possível a justiça. Só assim podem as ruínas converter-se em sementes.]

Por  Boaventura de Sousa Santos in Outras Palavras.