
No prefácio da primeira edição de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, o professor Antônio Cândido dá realce ao uso de uma “prosa concisa e despretensiosa, elegante e fluente, plástica na análise conceitual e historiográfica”, de “tom geral, (de) uma parcimoniosa elegância, (e) um rigor de composição escondido pelo ritmo despreocupado e às vezes sutilmente digressivo”, que tem a mesma “matriz estilística e investigativa” buscada por seus contemporâneos Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior.
Guardados os devidos respeitos e guardadas as devidas proporções, herdaram de SBH a prosa concisa, elegante e fluente os poetas-compositores Chico Buarque de Holanda (filho de Sérgio) e Caetano Veloso. Talvez mais este que aquele.
Costuma-se dizer por aqui e por outros espaços que muita gente escreve com a mesma pressa com que fala, atropelando sentenças e frases e subtraindo ideias e raciocínios.
Melhor observação, no entanto, fez Vieirinha (o nome completo me escapa), professor de jornalismo de meu tempo de estudante, médico e romancista: “muita gente escreve como se um motorista misturasse areia ao óleo do motor do carro”.
Dos cortes
Usei por algumas vezes uma lógica de redação de jornal: “editar é a arte de cortar”. Alguém com quem houvera trabalhado anteriormente a recordou, mas, infelizmente, não no sentido que dei a ela.
A lógica do jornalismo indica que se deve cortar a matéria escrita pelo seu pé (pelos últimos parágrafos), de sorte que caiba no espaço a ela destinado na página.
No sentido que dei, “cortar” é reescrever o texto, enxugando dele as desnecessidades, os exageros e as impropriedades, de sorte a deixá-lo mais preciso e, por que não, fazê-lo caber no espaço a ele destinado.
Das genialidades
Nem todos somos “figuras geniais” como Sergio, Gilberto, Caio, Antônio, Chico e Caetano, mas sempre se é possível buscar uma escrita concisa, elegante e fluente.
Um ótimo exemplo está no texto “Escolha e perda”, do blog Cafeteria e Conversa, do 16 de maio de 2016.
Não me perco nas crenças, na moral, nas atitudes e nas escolhas de que fala o texto.
Fico com seu título: “Escolha e perda”
Num olhar apressado, tem-se que o autor se equivocou, ao flexionar os dois verbos (escolher e perder) no imperativo, sendo que para a segunda pessoa do verbo perder o correto seria perca e não perda.
Tivesse feito isso, o autor teria repetido apenas um erro/vício comum da nossa linguagem coloquial, ao usar o imperativo na segunda pessoa equivocadamente: ex. faz, perda, fala e outros tantos.
Ocorre que não. O que se usou foram dois substantivos (a) escolha e (a) perda, sem que a frase contenha um único verbo (de ação), com os substantivos ligados apenas por um conectivo (e).
Genial!