
São tempos complicados estes vividos pelo mundo e muito especialmente pelo Brasil. Em meio às turbulências sociais e políticas, não é de se estranhar o surgimento de toda sorte de boataria, de teorias conspiratórias, de bizarrices; são tempos fáceis para se manipular massas, pessoas, alienando-as e direcionando-as a fazerem parte de ações que somente interessam a pequenos grupos de poder.
Em “Breve Interpretação da História de Portugal”(1),o historiador António Sérgio diz que:
“Nos domínios da cultura mental, a Inquisição suprimiu a possibilidade de um pensamento criador, destruindo, pois, os germes de humanismo científico da grande época dos descobrimentos: efeitos terribilíssimos, de que sofremos até hoje as desastrosas consequências.”
Este trecho está citado na “Nota Editorial” da obra de Alexandre Herculano, “História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal”(2).
Herculano, num trabalho denso e embasado em farta documentação, mostra como surgiu a Inquisição, ainda no século 12, na Europa (de maneira mais amena e apenas cuidando das cousas da fé), para se transformar, a partir do século 15, em uma máquina moedora de gente e de grupos sociais, voltada aos interesses pecuniários e de poder de parte do clero católico e de nobres espanhóis e portugueses (em linguagem atualizada), especialmente.
Vítimas preferenciais da Inquisição, que teve como seu maior nome o religioso Torquemada(3), foram judeus e islamitas.
Suas religiões, seus modos de vida e costumes, no entanto, foram apenas pano de fundo para a consolidação do poder absoluto e arbitrário e justificativa para o saque de recursos e de riquezas.
Das massas
Mas como fazer isso sem a prestimosa colaboração da enorme massa de gente pobre, ignorante e fanática? Herculano explica no Livro I de “História”:
“O vulgacho (4) espera de cima a realização dos seus ódios contra a classe média, a satisfação à sua inveja; os velhos interesses pensam numa indenização impossível; os hipócritas (5) querem aproveitar o ensejo de granjear as multidões para o fanatismo e, com tal intuito, recorrem a um meio, infalível em todos os tempos, para se obter esse fim, o inculcarem-lhes de preferência o que na superstição há de afirmações mais incríveis. — Os milagres absurdos renascem, multiplicam-se…”
A receita é simples e é repetida, guardadas as diferenças de contextos sociais e políticos, pelo nazismo hitlerista: insufla-se o vulgacho (a população mais empobrecida e ignorante) contra a vítima (em ambos os casos, os judeus, mas não só); a revolta toma corpo, as superstições e as boatarias se avolumam de tal sorte que não resta aos hipócritas (governo, religiosos, políticos) se não “conter” os revoltosos… punindo as vítimas, com fogueiras e campos de concentração e de extermínio.
De boas?
A cada tossida, a cada dedo na boca, a cada passada de mão nos cabelos, a cada ida ao médico, a cada viagem ao exterior de gente como os ex-presidentes (pela ordem, companheiro!) Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva há um desencadear inacreditável de diz-que-me-diz, de teorias mirabolantes, de anúncios de morte breve e de conspirações internacionais para a posse das riquezas nacionais.
Há duas semanas, foi a vez de Lula da Silva por conta de sua ida corriqueira e necessária a um hospital paulistano. Pronto, a tampa de seu caixão já estava aberta!
Semana que terminou, a vez foi de FHC, que andou pelos Estados Unidos para receber um honoris causa da Universidade de Harvard e palestrar em evento organizado pela Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa), coisa que, aliás, não fez, temeroso que ficou de ser confrontado por cientistas , estudiosos e intelectuais que o chamariam (e o chamam) de golpista.
Pronto! Eis a prova da conspiração e do entreguismo.
Das incertezas
Chegaremos às inquisições, às torturas, às fogueiras, aos campos de concentração e de extermínio? Não sei dizer. Talvez seja cedo ainda para afirmar.
Sei dizer que estamos próximos, caminhando céleres, tal qual as massas que anteciparam e sustentaram Torquemada e Hitler.
Notas
(1)Obras completas de António Sérgio / Clássicos Sá da Costa. Nova série.
(2)Versão eletrônica do livro pode ser encontrada em eBooksBrasil.
(3) Tomás de Torquemada, conhecido como o Grande Inquisidor – foi o inquisidor-geral dos reinos de Castela e Aragão no século 16 e confessor da rainha Isabel, a Católica.
(4)Vulgacho – no sentido do texto, gente pobre e ignorante.
(5)Hipócritas – no sentido do texto, religiosos e nobres.