Um perigo ronda a luta pelos direitos humanos e pode levá-la a pique

Avá01A sociedade humana (generalizando) tem se complexado [1] a partir do surgimento do Estado Moderno [2] e o que vemos, de lá para cá, é um emaranhado de constituições, leis, normas, determinações, que, se de um lado, funcionam como um arcabouço protetivo do cidadão, de outro criaram novas áreas de atritos de difícil solução.

Em meio a essa barafunda legalista há outra questão importante: a incapacidade que as pessoas têm em distinguir comportamentos individualizados (fruto de culturas pessoais ou de grupos) dos perrengues proporcionados pela ideologia, qual seja, a luta por ideais.

Das reminiscências

Creio que todos nós saibamos que boa parte da população devota uma antipatia aos direitos humanos e aos seus ativistas-defensores, coisa que pode ser sintetizada na já antiga e gasta frase: “direitos humanos é coisa de bandido”.

Não resolve discutir aqui (como não resolveu discutir em outros espaços) que os DHs são direitos universais, inerentes a todos os seres humanos, portanto aos próprios detratores e acusadores.

Quem não quer ouvir, que não ouça. Não há muito que se fazer.

A complexidade da vida contemporânea (lembrada acima) nos leva a um terreno árido e perigoso, qual seja, ao dos atritos entre grupos sociais, cada um com seus interesses, necessidades e intransigências.

E é exatamente aí que mora o perigo!

Dos perigos

Dava até para elencar e narrar um sem-número de entreveros entre grupos sociais ao longo do tempo, mas o melhor mesmo, por aqui, é generalizá-los, pois são eles costumeiros, recorrentemente costumeiros.

– índios contra pequenos proprietários e coletores da floresta;

– negros contra feministas;

– garimpeiros contra índios;

– sem-terra contra sem-terra;

– católicos contra crentes;

– citadinos contra rurícolas;

– classe média baixa contra pobres e miseráveis;

E por aí vai.

Das dificuldades

Não são atritos de pouca monta e nem de fácil solução. Muito pelo contrário!

Eles colocam em xeque a luta pela universalização dos direitos humanos, ao individualizarem os preconceitos e as opressões, tomadas como de origem única (a burguesia? A sociedade branca [sic] e endinheirada?) e identificarem alvos únicos (os grupos sociais parcial ou totalmente oprimidos e socialmente subalternos).

É possível que a fragmentação das lutas sociais afaste um grupo de outro, de sorte (ou azar?) que os direitos humanos venham a se diluir, se desfazendo em núcleos estanques, de interesses próprios e particularizados, que não mais dialoguem uns com os outros.

Os detratores dos DHs agradecem com largos sorrisos de satisfação.

Dos aproveitamentos

PS

Aproveitando o ensejo e o espaço seguem abaixo dois textos postados nas redes sociais por mim.

O primeiro hoje pela manhã e o segundo ontem à tarde.

Frio e estio em povos e terras narradas por Euclides da Cunha

Avá
Na foto – pib.socioambiental.org – avá-canoeiros, quase extintos, mas ainda vivos; índios destas paragens centro-oestinas.

Em “Os Sertões”, Euclides da Cunha dedica todo o primeiro livro aos povos sertanejos, àquela gente índia e de descendência indígena tão menosprezada pela sociologia atual e afogada pela militância racial e étnica de origem afro.

Gasta linhas ainda em descrever as planuras brasileiras, os nossos altiplanos (mais discretos que os altiplanos alheios), e como nossas planuras influenciam nos modos das gentes que vivem por aqui, no maior espaço geográfico brasileiro, que compreende não apenas a totalidade do Centro-Oeste como boa parte do Sudeste, um naco considerável do Nordeste e as franjas da Amazônia.

A obra é toda uma delícia fundamental, e para quem tem paciência, o primeiro livro é extraordinário.

Os planaltos centrais brasileiros convivem com a desinformação e o pouco caso dos de-fora que não aceitam e não entendem que por aqui “faz” frio, e muito frio.

Pelas sertãs brasileiras o que não se tem são aquelas bobices sulistas (gaúchas, catarinenses e até paranaenses) de clima europeu ou alpino.

Nós somos índios, da sudamerica, brasileirinhos e brasileirinhas mamelucos/as.

O frio, este ano, está bravo.

Estamos ainda no outono, aquela miserável estação que guarda a umidade do verão e já absorve a friagem do inverno.

Muita gente, especialmente velhos e crianças, passam boa parte da estação tomando remédios e visitando hospitais e postos de saúde.

A unidade já vai indo embora, pra voltar lá pelos fins de setembro, inícios de outubro.

O frio persiste e deve ficar por aqui por todo inverno.

Não vamos nos mumificar tal qual os cadáveres dos soldados que atacaram a fortaleza de Antônio Conselheiro, como nos descreveu Euclides da Cunha.

Creio que vamos todos sobreviver.

= = = = =

Seo Antônio, o nosso morador de rua

Acorda, Haddad

Já disse que há um bocado de morador de rua aqui no Núcleo Bandeirante (DF).

Seo Antônio (ontem resolvi perguntar o seu nome) é o nosso rei da rua.

Um preto velho de Barreiras, na Bahia, não muito distante aqui do Distrito Federal.

Ele me diz que chegou por aqui com a construção da capital federal e que plantou muita árvore em Brasília.

Hoje está na rua amargando a pobreza extrema.

Todo mundo dá comida, roupas e cobertores pro seo Antônio, mas anteontem ele foi roubado. E o ladrão ainda botou fogo em partes das coisas dele.

Seo Antônio não reagiu. Não tem mais idade pra isso.

Também não foi “dar parte à polícia”.

Imagine um preto velho, pobre e morador de rua indo a uma delegacia de polícia.
Recusou ajuda e disse que iria para o Recanto das Emas, onde moram uns parentes, pegar mais roupas e cobertores.

É difícil entender como um sujeito que mora na rua tem parentes que moram em casa.
Não assuntei a razão, e acho que nem deveria.

Ontem seo Antônio já estava de volta e todo bonitinho e bem paramentado, me perguntando como eu estava.

Seo Antônio costuma ficar nos bancos aqui defronte ao prédio onde moro.

Ao lado tem um falso cruzamento (falso porque uma das pernas do cruzamento é uma viela que praticamente só pedestres usam).

Quase todo dia acontece um acidente no cruzamento. Já teve até umas batidas em carros da polícia.

Hoje um automóvel acertou um ônibus que estava chegando ao terminal do Núcleo.
Pelo que vi, ninguém se feriu.

Um cara disse que o sujeito do automóvel estava ao celular e não viu o ônibus.
Pode ser, mas como seo Antônio não estava por aqui para me relatar o acontecido não fiquei sabendo o real motivo do acidente.

Ele pode ser morador de rua e pobre, mas é um bocado atento e não costuma mentir.

Notas

[1] Complicado; de difícil compreensão; que abarca e compreende vários elementos ou aspectos distintos cujas múltiplas formas possuem relações de interdependência. (dic. Online de português – http://www.dicio.com.br/complexo/)

[2] O Estado Moderno nasceu na segunda metade do século XV, a partir do desenvolvimento do capitalismo mercantil nos países como a França, Inglaterra e Espanha, e mais tarde na Itália. Foi na Itália que surgiu o primeiro teórico a refletir sobre a formação dos Estados Modernos, Nicolau Maquiavel, que no início de 1500 falou que os Estados Modernos fundam-se na força… (wp https://pt.wikibooks.org/wiki/Estado_moderno).

 

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