Extraordinária vitória dos Munduruku contra a estupidez do desenvolvimentismo caolho

Munduruku

Nem só de euforias nacionalistas e do sobe e desce da política nacional vive o Brasil. No último dia 4, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) colocou a pique uma das joias da coroa do desenvolvimentismo brasileiro (mais propriamente dito do desenvolvimentismo lulo-petista) ao cancelar licença para a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós (Pará).

Não custa lembrar, também, que esta foi uma luta exclusiva dos índios munduruku, dos ribeirinhos do Tapajós e de algumas poucas organizações sociais, enquanto a maioria dos brasileiros (à esquerda e à direita) era indiferente ou até mesmo apoiadora do projeto.

Seguem dois textos:

“Ibama arquiva licenciamento da hidrelétrica São Luiz do Tapajós”

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) arquivou hoje (4/8) o processo de licenciamento ambiental da usina São Luiz do Tapajós, conforme recomendado pelo Ministério Público Federal (MPF) e seguindo pareceres da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do próprio Ibama. O arquivamento se dá por razões legais – a usina alagaria território indígena Munduruku e obrigaria remoção de aldeias, o que é proibido pela Constituição, mas também por falhas nos estudos de impacto ambiental.

A reportagem foi publicada por Ministério Público Federal no Pará, 04-08-2016.

“Determino o arquivamento do processo nº 02001.003643/2009-77. O projeto apresentado e seu respectivo Estudo de Impacto Ambiental – EIA não possuem o conteúdo necessário para análise de viabilidade socioambiental, tendo sido extrapolado o prazo previsto na resolução Conama 237/1997, para apresentação das complementações exigidas pelo Ibama”, diz a presidente do Ibama, Suely Mara Araújo, em despacho enviado à Diretoria de Licenciamento do órgão para que tome providências para o encerramento do processo.

“Cabe destacar que a Funai aponta óbices legais e constitucionais ao licenciamento ambiental do empreendimento, em razão do componente indígena, óbice esse corroborado pela Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama”, diz ainda o documento. Agora, o conteúdo do despacho da presidência do Ibama será comunicado ao interessado – no caso as Centrais Elétricas do Brasil (Eletrobrás), com abertura de prazo para recurso.

A Eletrobrás, responsável pelo empreendimento, não cumpriu a obrigação de corrigir uma série de lacunas graves nos estudos e o Ibama entendeu que não existe mais prazo para que os problemas sejam resolvidos. Em parecer enviado ao gabinete da presidência do Ibama, a Diretora de Licenciamento do órgão, Rose Mirian Hofmann, apontou que além da inconstitucionalidade prevista pela Funai e reforçada pelo MPF, havia razões suficientes também do ponto de vista ambiental para o arquivamento do processo. Em 2014, o Ibama pediu estudos da Eletrobrás para uma lista extensa de possíveis impactos que haviam sido negligenciados. O prazo, aponta Hofmann em seu parecer, era de quatro meses e até a suspensão do licenciamento em abril de 2016, nada havia sido respondido. Também não houve pedido de prorrogação.

As omissões nos estudos de impacto ambiental incluem a ausência de avaliação sobre assoreamento dos corpos d’água tributários do Tapajós, o impacto sobre os lençóis freáticos e até sobre a ictiofauna, uma das questões mais sensíveis para a região já que os moradores estão entre os maiores consumidores do mundo de pescado. “A ausência de algumas dessas informações no EIA salta aos olhos, por serem impactos notórios da tipologia de geração hidroelétrica, que precisam ser avaliados antes da decisão sobre a viabilidade do empreendimento”, destacou o parecer da diretora de licenciamento.

Na semana passada, o MPF havia enviado recomendação ao Ibama pedindo o cancelamento definitivo da usina. “Cabe ao Ibama o cancelamento do processo de licenciamento ambiental da usina São Luiz do Tapajós, em função de inconstitucionalidade do projeto ante a necessidade de remoção forçada de povos indígenas, nos termos do artigo 231 da Constituição Federal”, dizia a recomendação do procurador da República Camões Boaventura. O MPF também apresentou à Justiça ação contra a hidrelétrica, apontando a ausência da consulta prévia prevista pela Convenção 169. Desobedecendo a determinação da Justiça, a consulta nunca foi realizada.

A Funai, em pareceres técnico e jurídico enviados ao Ibama no primeiro semestre, também tinha apontado a inconstitucionalidade do projeto de São Luiz do Tapajós, que incidia diretamente sobre a Terra Indígena Sawre Muybu dos índios Munduruku e alagaria três aldeias desse povo. Desde o anúncio do governo federal de que pretendia construir barragens no Tapajós, ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os índios Munduruku e os ribeirinhos do Tapajós têm liderado um forte movimento se opondo aos projetos. Por várias vezes eles ocuparam o canteiro de obras da usina de Belo Monte, no Xingu, na tentativa de evitar que barragens semelhantes fossem construídas em suas terras. Também fizeram muitas viagens a Brasília para tentar sensibilizar as autoridades sobre seus direitos.

Leia a íntegra da decisão.

Link: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/558614-ibama-arquiva-licenciamento-da-hidreletrica-sao-luiz-do-tapajos

“Hidrelétrica no Tapajós está cancelada”

O Ibama cancelou o processo de licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que estava prevista para ser construída no coração da Amazônia, no Pará. O ato é um reconhecimento da inviabilidade ambiental do empreendimento. Sem a licença ambiental é impossível realizar o leilão da usina.

“Nós, Munduruku, estamos muito felizes com o cancelamento da usina. Isso é muito importante para o nosso povo. Agora vamos continuar lutando contra as outras usinas no nosso rio”, afirma Arnaldo Kabá Munduruku, cacique-geral do povo. Ainda existem outros 42 projetos de hidrelétricas apenas na bacia do rio Tapajós e dezenas na Amazônia. Recentemente, mais de 1,2 milhão de pessoas ao redor do mundo se juntaram à luta dos Munduruku contra as hidrelétricas.

A informação foi publicada por Greenpeace, 04-08-2016.

Além de alagar a terra indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, e impactar dezenas de comunidades ribeirinhas, a obra causaria impactos ambientais irreversíveis. No ano passado, uma análise do Estudo de Impacto Ambiental da hidrelétrica, produzida pelo Greenpeace e realizada por pesquisadores renomados, já havia mostrado a inviabilidade do empreendimento.

“Além de uma grande vitória das populações tradicionais e indígenas do Tapajós, a decisão de cancelar o processo de licenciamento desta usina também reforça a necessidade do Brasil reavaliar sua política de expansão da matriz de hidrelétricas na Amazônia, devido aos impactos inaceitáveis que este tipo de obra gera sobre o bioma”, afirma Danicley de Aguiar, da campanha da Amazônia do Greenpeace.

No início desta semana, o Ministério Público Federal do Pará (MPF) havia recomendado ao Ibama que cancelasse o licenciamento ambiental da usina em função da inconstitucionalidade do projeto devido à necessidade de remoção permanente dos indígenas. A terra indígena Sawré Muybu, que teria parte de sua área alagada pelo empreendimento, está em processo de demarcação e foi reconhecida em abril deste ano pela Funai. A Constituição de 1988 veda a remoção de povos indígenas de suas terras.

“Diante da realidade imposta, o governo acertou na decisão que garante a proteção da floresta e seus povos. Agora esperamos que o Ministério da Justiça reconheça o direito originário do povo Munduruku e realize a demarcação da TI Sawré Muybu”, conclui Danicley.

Em declarações à imprensa, o governo demonstrou preocupação com os graves impactos socioambientais do empreendimento. O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (PV-MA) afirmou ao jornal Valor Econômico que a “obra é inteiramente dispensável”. Ele acredita que fontes renováveis podem suprir a demanda de energia de São Luiz do Tapajós.

Esse cancelamento traz a oportunidade de repensar o modelo de geração de energia no Brasil. Fontes renováveis e verdadeiramente limpas, como a eólica e a solar, já são uma realidade e podem suprir a demanda do país, que tem plenas condições de escolher outros caminhos. Conforme mostrou um estudo realizado pelo Greenpeace, é possível produzir a mesma energia esperada por São Luiz do Tapajós com o uso dessas fontes.

Link: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/558657-hidreletrica-no-tapajos-esta-cancelada

Para ler mais

25/07/2012 – O pesado custo ambiental de Tapajós

11/12/2014 – Munduruku, ribeirinhos e pescadores se unem contra Complexo Hidrelétrico do Tapajós

03/02/2015 – Índios Munduruku e ribeirinhos entregam ao governo protocolo para consulta prévia da usina São Luiz do Tapajós

10/04/2015 – Usina ameaça demarcação de terra indígena no Tapajós

10/04/2015 – Para IBAMA, estudos de impactos da usina de São Luiz do Tapajós são insuficientes

24/04/2015 – Hidrelétricas no Tapajós: Odisseia Munduruku

06/05/2015 – Justiça determina demarcação de TI em conflito com hidrelétrica

18/06/2015 – Usina São Luiz do Tapajós (PA) só pode ser licenciada após consulta aos povos afetados

29/09/2015 – Usina no rio Tapajós repetirá ‘caos’ de Belo Monte, diz Greenpeace

30/09/2015 – Hidrelétrica no rio Tapajós pode extinguir espécies, diz Inpa

01/10/2015 – Estudo diz que construção da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós é inviável

05/10/2015 – Construção de barragens no rio Tapajós ameaça sobrevivência dos Munduruku

04/02/2016 – Estado de exceção e o licenciamento de usinas hidrelétricas na Amazônia: os fins justificam os meios? Entrevista especial com Luís de Camões Lima Boaventura

31/03/2016 – Ativistas pedem que empresa não participe da destruição do Tapajós

04/07/2016 – São Luiz do Tapajós: uma tragédia para a biodiversidade

03/08/2016 – MPF/PA recomenda ao Ibama que cancele o licenciamento da usina de São Luiz do Tapajós

08/08/2016 – Ibama arquiva licenciamento da hidrelétrica São Luiz do Tapajós

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