O mundo enlouqueceu de uma loucura senil e perigosa e sem cura (?)

Manson
Reprodução da capa de “Manson”, biografia do hippie e místico escrita por Jeff Guinn (disponível no site Le Livros).

Dizem que a pós-modernidade[1] inicia-se em 1989 com a queda do Muro de Berlim (que unificou as duas Alemanhas e exterminou com a Oriental, a comunista) e com o colapso da União Soviética (URSS). Em 1966, o crítico brasileiro Mário Pedrosa [2], no entanto, já usara a expressão para se referir à obra do inquieto Hélio Oiticica [3], em artigo no Correio da Manhã (jornal carioca e um dos mais importantes e influentes do Brasil na época).

Extrapolando a estética das artes, outros críticos e intelectuais empurram o nascedouro da pós-modernidade para os anos 30 do século passado, com as formulações da lógica do neoliberalismo.

Portanto, seguindo esta lógica, a pós-modernidade é mais do que os novos rumos dados às artes: é um jeito de ser, de ver e de viver de homens e mulheres contemporâneos.

O movimento hippie (sic) ou contracultual, que se estendeu de meados dos anos 50 a meados dos 70, é, seguramente, o que melhor espelha a pós-modernidade, ao romper com os cânones da família, da hierarquia estatal, empresarial e familiar e ao diluir as fronteiras de gênero, das religiões e das “raças” (conceito este impreciso e refutado por acadêmicos).

Dos retrocessos

Os anos 80 (classificados em outros textos por aqui como “os anos de merda” ou “os famigerados anos 80”) dão início não apenas a um retrocesso com relação a/“os anos hippies”, como, também, empurram o mundo (especialmente o Ocidental) para um processo de encaretamento com a recuperação da importância da família (mesmo que uma recuperação mais fluída e diluída), com o avanço dos fanatismos religiosos, com a retomada do controle da vida e da morte das pessoas pelas corporações empresariais (e, em alguma medida, pelos moribundos Estados nacionais), pela fragmentação dos grupos humanos, agora transformados em consumidores individualizados e egocêntricos.

A evolução, o crescimento e a solidificação das organizações/movimentos sociais (a partir dos anos 80) [OS de caráter inclusivo (negros, índios, mulheres etc.)] nada mais são que engrenagens da mesma máquina reativa anti-libertária.

O mundo parece ter se perdido nos desvios de violências que marcaram parte dos anos 60 (vide o caso Charles Manson [4]) e dos “esforços de guerra” empreendidos pelos EUA e outros Estados nacionais, visando colocar um fim à lógica do Paz e Amor – ou seja, da liberdade sem amarras e sem fronteiras.

Das disfunções

O espraiamento do Capitalismo, agora chamado neoliberalismo, empurrou para as periferias terceiro-mundistas plantas industriais inteiras, criou novos empregos, modismos e comportamentos e deu a remediados e aos pobres a sensação de que finalmente estavam a ultrapassar o portal que os separava do “primeiro mundo”.

Não se percebeu ou não quis se perceber que junto vieram os pecados do sistema: poluição, favelização, destruição da natureza, violência policial, achatamento salarial, exploração maciça dos recursos naturais.

Mas nos chegou coisa tão ou mais nefasta, especialmente o pensamento retrógrado do cristianismo protestante, difundido em escala industrial pelas igrejas neopentecostais.

A esse propósito lembro o que dizia um amigo (infelizmente morto prematuramente): “a confissão (católica) é perfeita. A gente peca, vai ao padre e confessa, ele nos dá uma penitência e, pronto, estamos livres para pecar novamente”.

Das rebeldias

A perseguição e a punição às putas [5]e às bichas [6]e sapatões [7]são as externações mais estúpidas, sórdidas e graves da caretice e do conservadorismo que tomaram conta o mundo pós-anos 80.

Num mundo arrumadinho, como se quer neste momento, não há espaço para as rebeldias, como é o caso de mulheres e de homossexuais, e nem para rebeldes, com ou sem-causa, como é o caso da jogadora de futebol feminino norte-americano, Hope Solo, que acaba de ser punida com 6 meses de suspensão por ter se referido às jogadoras suecas (durante os jogos olímpicos do Rio de Janeiro) como “covardes”.

Antes, Solo já havia mostrado o seu lado transgressor ao ironizar o Brasil por conta do descontrole com as doenças provocadas por um mosquito. Foi o que lhe bastou para ser ofendida e ameaçada nas redes sociais, nas ruas e avenidas e nos estádios brasileiros.

Das escuridões

Mas havia uma luz a quebrar a monotonia da escuridão que nos havia sido imposta pelos famigerados anos 80: a rede mundial de computadores (www [8]) e, mais recente, as redes sociais.

Finalmente estaríamos livres “para sermos livres”, para nos congratularmos, para sermos solidários, para nos cooperativarmos.

Doce ilusão!

As corporações “tomaram de conta” do espaço libertário, assim como os vândalos e os detratores a achincalhar pessoas e grupos sociais e a vilipendiar a nesga de civilização que nos era permitido.

Em busca da Internet perdida”, Tim Berners-Lee, “o criador da web” defende “uma rede livre das megaempresas que controlam, capturam e vendem nossos dados vitais”. Leia a matéria clicando no link do título.

Mas já que estamos falando da nova busca de Berners-Lee e de textos publicados no site Outras Palavras, vale, igualmente, e a propósito, ler ‘Aldous Huxley pergunta: “Seres humanos ou meros cidadãos”?’ – uma preciosidade premonitória.

Das saídas

Num mundo sem fronteiras [9] nos resta saber (e nos questionar) se vamos nos manter na contramão das lutas libertárias, para além do movimento hippie, e dos avanços do conhecimento, ou se vamos, hora dessas, partir para o confronto final e derrubar e extinguir as amarras que ainda nos prendem aos primórdios (nascedouro) da raça humana.

Ou realmente todos nós enlouquecemos de uma loucura senil e perigosa e sem cura?

Notas

[1] Em “A Condição Pós-Moderna”, François Lyotard *caracteriza a pós-modernidade como uma decorrência da morte das “grandes narrativas” totalizantes, fundadas na crença no progresso e nos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade

*Jean-François Lyotard (1924 — 1998) filósofo francês e um dos mais importantes pensadores na discussão sobre a pós-modernidade. Autor de “A Fenomenologia”, “A Condição Pós-Moderna” e “O Inumano”, entre outros textos e obras.

[2] Mário Pedrosa (1900 — 1981) militante político e crítico de arte e literatura brasileiro, iniciador da crítica da arte moderna nacional e das atividades da Oposição de Esquerda Internacional no Brasil, organização liderada por Leon Trotsky. (wp)

[3] Hélio Oiticica foi um pintor, escultor, artista plástico e performático brasileiro de aspirações anarquistas.

A propósito leia: “Para conhecer Hélio Oiticica: estética, ética, política”.

[4] O norte-americano Charles Manson foi fundador e líder de um grupo contracultural e acusado de incentivar e estimular vários assassinatos nos Estados Unidos no fim dos anos 1960, entre eles o da atriz Sharon Tate.

Veja, por exemplo, a biografia “Manson”, de Jeff Guinn, disponível no Brasil em e-book pela Le Livros.

[5] Putas – de uso degradante com relação às mulheres, mas igualmente palavra utilizada por grupos feministas no combate e na desqualificação ao/do machismo.

[6] Bicha – palavra de uso comum; forma preconceituosa para identificar e estigmatizar homossexuais masculinos.

[7] Sapatão ou sapatona – palavra de uso comum; forma preconceituosa para identificar e estigmatizar homossexuais femininas.

[8] Sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam um conjunto próprio de protocolos (Internet Protocol Suite ou TCP/IP) disponibilizado a usuários no mundo inteiro.

[9] Veja, por exemplo, em “Cientistas descobrem planeta potencialmente habitável mais próximo da Terra”.

2 comentários sobre “O mundo enlouqueceu de uma loucura senil e perigosa e sem cura (?)

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