
No auge de sua carreira como apresentadora de programas infantis na TV, Xuxa Meneghel resolveu lançar um dicionário, o “Dicionário da Xuxa”.
A decisão trouxe apreensões e preocupações, afinal era coisa da Xuxa, uma ex-modelo e ex-atriz de filmes eróticos que dominava mal a língua portuguesa e levava seu programa na rede Globo numa mistura de sensualidade e de diversão para baixinhos e baixinhas.
Xuxa não deu ouvidos à desconfiança geral e lançou um dicionário pequeno, correto e que continha uma preciosidade: show aportuguesado e grafado corretamente – xou.
A Academia Brasileira de Letras é a responsável pelo “uso correto” das palavras e mantém uma severa vigilância sobre o fenômeno de aportuguesamento, nem sempre levado a sério fora dela.
No caso de “palavras estrangeiras”, por exemplo, que contenham o som “xe”, grafadas, no entanto, com “sh”, estas devem ser aportuguesadas com x. O caso mais comum e conhecido é o da palavra shampoo, em português, xampu.
O uso de estrangeirismos não é coisa só nossa. É um fenômenos universal e que não tinha como ser diferente. Uma língua está viva quando cria ou incorpora novas palavras e expressões.
Não sei dizer com certeza, mas ao que parece o inglês falado e escrito nos EUA é o que mais incorpora estrangeirismos. E também não podia ser diferente dado o número de estrangeiros que para lá migraram e continuam migrando – latino-americanos, italianos, irlandeses, japoneses, chineses etc.
Nesse sentido é esclarecedor o uso pelo inglês de marriage (casamento), uma incorporação da palavra francesa mariage.
Muita gente já deve ter notado o uso de uma partícula (isso já foi mais comum tempos atrás) ao final das frases japonesas: né.
É isso mesmo que você está pensando: trata-se da contração de não + é do português. A explicação está na influência que os portugueses exerceram sobre o arquipélago japonês nos anos que se seguiram às grandes navegações.
Das colonizações
Atropelando a dinâmica e a lógica das línguas vivas, há quem veja no uso de estrangeirismos um sinônimo de colonização.
A França chegou a aprovar uma lei proibindo o uso de estrangeirismos em textos oficiais e em nomes comerciais; no Brasil, o ex-deputado federal e ex-ministro Aldo Rebelo tentou algo semelhante, mas sem o mesmo sucesso francês.
Muita gente não deve ter percebido – ou não queira perceber – é que as palavras, exceção, muitas vezes, aos neologismos, têm origem remota e no Ocidente quase todas vêm do grego e do latim; portanto, sem uma maternidade nacional moderna clara.
Dos pós-modernismos
Ponta de lança na saga que intencionava levar o Brasil ao pós-modernismo primeiro-mundista, o jornal Folha de São Paulo foi (ainda é em alguma medida) um árduo batalhador para incorporar palavras estrangeiras (especialmente as do inglês falado nos Estados Unidos) em nosso vocabulário – no mais das vezes sem aportuguesá-las.
Fico aqui com três exemplos e seus equívocos e desgastes
Teen – palavra que identifica adolescentes de 10 a 19 anos, mas que a FSP, ao usá-la, indistinguiu as faixas etárias , estendendo-a de 0 até o final da adolescência, que termina por volta dos 23 anos. Chegou mesmo a criar um caderno teen para abarcar toda essa indistinção. Hoje teen está em desuso no próprio jornal
Ombudsman – a incorporação pelo jornal da palavra ombudsman deu origem a duas quedas de braço: 1) o jornal teimou, por meses, ser a palavra “genuinamente” inglesa; não é, a palavra é sueca e 2) há uma palavra em português que define a função – ouvidoria. Mas o jornal teima em manter posição, argumentando que elas definem funções distintas. Não definem! Identificam a mesma função: ouvir/ler e relatar.
Impeachment – o uso do instituto legal do impeachment no Brasil é mais antigo do que se imagina, mas voltou às manchetes dos jornais por conta de Fernando Collor de Mello. Não foram poucos aqueles que cobraram o uso da palavra impedimento em lugar de impeachment. Mais uma vez a Folha de São Paulo foi à luta para provar que a palavra importada dos Estados Unidos era mais correta que o uso de impedimento, posto se referisse, única e exclusivamente, ao impedimento (via Congresso Nacional) de uma dada função na República, e que a portuguesa impedimento tem múltiplos usos, que vão desde a regra do futebol, por exemplo, até o ato de impedir alguém de fazer alguma coisa. Bobagem! As palavras, em suas respectivas línguas, têm as mesmas funções determinantes e definidoras.
Neste último caso, seja qual for resultado do processo contra Dilma Rousseff, o impeachment ou o impedimento definem um golpe parlamentar.