Por este afalaire, inúmeras vezes, se chamou a atenção para a escolha pelo Partido dos Trabalhadores por pautas sociais e políticas dirigidas a grupos e não à sociedade como um todo.
“Pautas identitárias e culturais” como as classifica Henrique Costa na entrevista que segue abaixo.
Era tiro certo no pé, especialmente nas periferias brasileiras:
[“É muito ruim quando essa discussão de se a esquerda deve se unir ou se fragmentar se dá em termos de cúpula. Parece que vão sentar na mesma mesa o Ivan Valente (PSOL) e o Rui Falcão (PT), e a esquerda vai retomar a sua trajetória de conseguir disputar a sociedade, mas não é assim que funciona”. A ponderação é feita pelo sociólogo Henrique Costa ao comentar o resultado das eleições municipais do último domingo. Antes de propor uma “união” da esquerda, pontua, é preciso responder à questão: “A que se propõe o PT e a que se propõe o PSOL na disputa da hegemonia da sociedade hoje?”
Para ser considerado um partido de esquerda, diz, é preciso “ter um elemento central”, que consiste em “disputar” o voto do trabalhador, e aí está a dificuldade tanto do PT quanto do PSOL. Do lado petista, avalia, o discurso de classe “se perdeu por overdose de poder”, por se considerar que “as coisas estivessem garantidas enquanto tivesse o Bolsa Família e o lulismo, embora o lulismo dependa de dinheiro e de crescimento econômico para se sustentar”. Do outro lado, frisa, o PSOL “nunca teve como objetivo disputar o trabalhador. O PSOL tem tido um relativo sucesso na disputa da classe média progressista, se especializou em alguns temas e tem um debate avançado sobre racismos, transgênero, que são importantes, mas para um partido socialista que pretende ser majoritário e ser uma alternativa de esquerda, isso é pouco e o PSOL está muito distante”.
Na avaliação de Costa, a derrota do PT nas eleições municipais é explicada por várias razões, mas a questão central para entendê-la, adverte, é a crise econômica, que “foi um catalisador para esse desgaste, porque as pessoas estão sentindo na pele o que é a crise econômica, basta ver que 12 milhões de pessoas estão desempregadas no país e (…) o PT não conseguiu dar uma explicação convincente de por que o Brasil está nessa crise”.
A adesão da periferia à candidatura de João Doria, explica, pode ser compreendida pelo mesmo motivo que levou muitos a votarem no ex-presidente Lula: “a população compreende o Doria como um trabalhador (…) e ele obteve êxito em se mostrar como essa pessoa que trabalhou, que teria saído de uma situação de inferioridade social para virar um empresário bem-sucedido”. “Curiosamente”, menciona, “não foi o lulismo que conseguiu captar para si” esse “discurso do mérito”, muito embora ele tenha sido “estimulado pelo próprio lulismo. A própria Dilma, alguns anos atrás, quando ainda tinha uma alta popularidade, no dia 8 de março falou que queria se dirigir às mulheres empreendedoras. Logo, o PT aderiu a esse discurso do empreendedorismo e do mérito há muito tempo”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Henrique Costa também comenta as possibilidades para a esquerda no segundo turno, especialmente com a candidatura de Marcelo Freixo pelo PSOL no Rio de Janeiro. “O problema do Freixo é que ele conseguiu consolidar a votação que ele tem por parte da classe média carioca da Zona Sul e do Centro. Ele tem uma votação expressiva e semelhante com o eleitorado do Haddad: uma classe média à esquerda, progressista, que tem preocupações urbanísticas, defende ciclovias, mas não tem os problemas sérios de quem vive na periferia”, pontua.

Para Costa, os poucos votos recebidos pelo Partido Novo, inclusive pelo candidato Holiday, que se define como negro, pobre e gay, demonstram que dar ênfase às pautas identitárias e culturais “acaba sendo um tiro no pé” para a esquerda, “porque nada impede, empiricamente falando, que um candidato de direita assuma essas pautas”. E acrescenta: “Essa ideologia está penetrando nas periferias, e a minha hipótese é a de que o Holiday, por exemplo, teve muitos votos de jovens mais pobres. Logo, começa a ficar mais factível, começa a ser mais realista a ideia de que a esquerda construiu seu próprio buraco”.]
Henrique Costa é mestre em Ciência Política e graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP.
Leia a entrevista na íntegra em Ihu Unisinos.
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