
O documentário norte-americano A 13ª Emenda (2016), da diretora Ava DuVernay “Selma”, na Netflix, está bajuladíssimo e recomendadíssimo.[1]
Em linhas gerais, o documentário de DuVernay traça uma relação entre a criminalização da população negra dos EUA com o boom do sistema prisional norte-americano; ouvindo estudiosos, ativistas e políticos.
Trata-se de um documentário necessário (há outros tantos que podem ser assistidos não apenas na Netflix, mas também acessados em outros canais), mas que tem imprecisões bastante surpreendentes.
Antes de falar de seus equívocos, é necessário apontar os seus acertos (além de sua oportunidade, é claro): a relação entre o fim do escravismo (13ª Emenda) e o reinício da escravidão (na Era Reagan) com o recrudescimento da repressão de Estado às minorias sociais e ditas raciais.
É correto também lembrar, como faz o documentário, do enorme número de afrodescendentes encarcerados nos EUA – 800 mil para uma população carcerária de 2,1 milhões.
A outra correção do documentário está em lincar o encarceramento (geral, não só de afrodescendentes) ao boom do sistema prisional privado dos EUA.
O preso passou a ser mercadoria valiosa e lucrativa, daí o crescimento da repressão e das penalizações – democratas e republicanos têm os seus quinhões de culpa nessa história injusta e trágica.
Dos equívocos
As virtudes de A 13ª Emenda, no entanto, terminam por aí.
Já há uma antiga, vasta e persistente literatura produzida pela academia norte-americana mostrando a relação entre a repressão às drogas e a segregação das minorias sociais: latinos, japoneses, chineses, italianos etc., além da afrodescendente.
Não citá-la, como não foi citada, rebaixa o documentário à categoria de panfletagem sectária.
Há uma segunda questão grave no documentário de DuVernay: a ausência de depoimentos, por exemplo, de gente de expressão e importante, como (apenas dois exemplos) são os casos dos atores Morgan Freeman e Samuel L. Jackson, que não necessariamente comungam com aquilo que comumente se chama de vitimismo [2] do afrodescendente norte-americano.
Ausências também sentidas no documentário são as referências a Spike Lee, diretor tanto de Malcolm X (1992) quanto do controverso e ótimo Faça a coisa certa (1989).
Sobre este último, Lee conta a história de um italiano proprietário de uma pizzaria em uma zona conflituosa de Nova York nos anos 1980, cuja maioria dos moradores é afrodescendente. Seu negócio atrai clientes (especialmente negros), até o empresário se envolver em discussões e bate-bocas com alguns moradores do bairro, gerando um conflito inter-racial.
O filme é implacável tanto ao analisar o racismo ítalo-americano (branco), quanto os devaneios e a violência da comunidade afrodescendentes da região.
Por fim, há uma confusão provocada, talvez deliberada e proposital, por DuVernay entre as expressões “latino”, “latino-americano” e “hispânico”.
Nada, óbvio, que nos empurre a refutar e a deixar de assistir A 13ª Emenda, mas é necessário assistir ao documentário com olhos menos ingênuos e com mais informação.
Notas
[1] A Décima Terceira Emenda à Constituição dos Estados Unidos (em inglês: The Thirteenth Amendment to the United States Constitution) aboliu oficialmente e continua a proibir em território americano a escravatura e a servidão involuntária, essa última exceto como punição por um crime. Foi aprovada pelo Senado em 8 de abril de 1864, aprovada pela Câmara dos Representantes em 31 de janeiro de 1865 e adotada formalmente em 6 de dezembro de 1865. Foi então declarado no anúncio do secretário de Estado William Seward em 18 de dezembro. Foi a primeira das emendas da Reconstrução. O Presidente dos Estados Unidos na época da votação era Abraham Lincoln. (wp)
[2] Vitimismo é um neologismo carregado de preconceitos e muleta para toda sorte de opressão e de injustiça contra as camadas mais vulneráveis da população.
Se você não gostou, é porque tem preguiça de pensar!
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Marcio não tem propriedade para tal comentário, obvio. Vitimismo? Ápice! Ao menos ri…
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