
Meu pai deveria ter lutado na segunda guerra mundial com a FEB (a Força Expedicionária Brasileira), mas não lutou.
Conta a lenda familiar que um sujeito graduado, dentro do exército, o protegeu, impedindo-o que fosse ao front, pois seria amigo de meu avô, o seu pai, obviamente.
As famílias sempre são cheias de histórias sem sentido e de um bocado de invencionice
Do lado de minha mãe era certo que meu avô materno, ou seja, o pai dela, tivesse nascido na Itália. Conta-se, em família, que ele teria vindo para cá com dois anos e depois teria voltado, sem os pais e sem os irmãos, à Itália aos 18 anos.
Eles eram paupérrimos, gente tosca e de pouca instrução. Com que dinheiro ele, meu avô, iria voltar para Itália, para em seguida mudar de ideia e voltar ao Brasil aos 19 anos, como também se conta?
De meu pai, do tempo do exército, diz-se que ele “serviu” por longos cinco anos, exatamente por conta da guerra, mas que teria passado boa parte desse tempo preso, pois bebia um bocado.
A história das bebedeiras até faz sentido e não é de todo mentirosa, já que ele próprio reconhece que gostava da “marvada”. Já fazendo as contas da guerra, essa conta não fecha.
Meu pai nasceu em 1924 e alistou-se (sabe-se lá por que, já que ele era primogênito, e portanto não teria a obrigação de alistar-se) com 18 anos, o que quer dizer que chegamos ao ano de 1942.
Ora , a segunda guerra mundial começou de 1939 e estendeu-se até 1945. Então, por que cargas d’água meu pai ficaria até 1947 servindo a pátria amada, idolatrada, salve, salve?
História mal contada esta.
Há outro problema aí. Minha mãe e ele teriam namorado (segundo essas mesmas ilibadas fontes familiares) por 5 anos. Eles se casaram em 1948 e eu nasci em 1949 – acho que eles estavam com pressa.
Retrocedendo de 1948, eles teriam começado o namoro em 1943.
Essa versão sobre o tempo de namoro não veio no chip dos registros familiares.
Família é um troço difícil. Elas sempre têm um bocado de histórias para contar, histórias de difícil checagem.
Mas voltando à história de meu avô materno, aquele que teria nascido na Itália, a história absolutamente não faz sentido.
Ela nasceu num lugarejo chamado Ipanema, nas proximidades de Sorocaba, hoje município de Iperó.
Quem nasceu na Itália (segundo os registros), em Rimini, na região da Emília-Romanha, foi o seu pai, que se casou, pouco antes de vir para o Brasil, com uma também italiana.
Ipanema
Aproveitando o ensejo, falo abaixo da floresta nacional de Ipanema, citando de passagem o site da prefeitura de Iperó :
Floresta Nacional de Ipanema – berço da siderurgia americana
A Floresta Nacional de Ipanema, que ocupa uma área da antiga Fazenda Ipanema, em Iperó, foi criada em 20 de maio de 1992 e abriga os remanescentes da primeira siderúrgica americana. Jazidas de ferro foram encontradas no morro Araçoiaba há cerca de 428 anos. A Flona de Ipanema é um dos maiores ecossistemas de Mata Atlântica existentes hoje no Brasil. As atividades relacionadas ao ferro naquela região, desde o século XVI, contribuíram para a origem de várias cidades da região de Sorocaba e o desenvolvimento do Brasil.
O morro Araçoiaba
O morro Araçoiaba (Ybiraçoiaba na escrita primitiva) é comumente chamado “morro de Ipanema”, mesmo nome do rio cujas “águas ruins” eram utilizadas na indústria de ferro. Os indígenas e, posteriormente, os bandeirantes, notaram que o sol se punha atrás daquela cadeia de montanhas. É possível perceber isso, por exemplo, quando passamos pela estrada Iperó-Sorocaba num fim de tarde. Foi assim que adotaram o nome Araçoiaba, significando “coberta do dia”, “esconderijo do sol”. Alguns escritores também se referem ao conjunto de montanhas como sendo o “cerro Araçoiaba” ou, incorretamente, como “serra Araçoiaba”.
A Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema
Após tentativas fracassadas entre os séculos XVI e XVIII, o maior esforço a fim de se implantar definitivamente uma siderúrgica em Ipanema surgiu no início do século XIX, quando o ministro Conde de Linhares ordenou o reinício das explorações no morro Araçoiaba. Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, Linhares autorizou a fundação de duas fábricas de ferro: uma em Minas Gerais e outra em Ipanema. O principal objetivo era libertar Portugal da dependência da indústria estrangeira.
Frederico Guilherme de Varnhagen (que servia o exército português) foi trazido da Europa e o conselheiro Martim Francisco ficou encarregado de demarcar a área para os trabalhos de mineração, além de fazer estudos relacionados à instalação e operação da fábrica de ferro. A fábrica de Ipanema foi reconstruída e em 4 de dezembro de 1810 nasceu a Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, ratificando o pioneirismo da siderurgia no Brasil e na América Latina. Mas ao invés de Varnhagen, foi contratado o sueco Carl Gustav Hedberg para dirigir o empreendimento.
Uma época de esplendor era sonhada pelos idealizadores. Engano. A Suécia não enviou técnicos verdadeiros, mas sim pessoas que se envolveram em desvios de materiais, dinheiro e diversos escândalos. Hedberg trouxe uma colônia de operários e construiu as forjas suecas para o tratamento do ferro, mas era um sistema precário que só preparava o metal para a fabricação de pequenos instrumentos de lavoura. Esse sistema não funcionava para a fundição de peças que exigiam grande resistência.
Hedberg ocupou o cargo entre 1810 e 1814, gastou mais de 8 mil contos de réis e produziu apenas 14,7 toneladas de ferro, enquanto a fábrica havia sido projetada para produzir 588 toneladas. Ele foi o responsável pela construção da represa no rio Ipanema, primeiro rio brasileiro a ser represado. Mas foi demitido devido aos problemas em sua administração. Varnhagen substituiu Hedberg e construiu os altos-fornos através dos quais fundiu três cruzes em 1 de Novembro de 1818, comprovando o êxito da manipulação do ferro. Uma está na sede da Floresta Nacional de Ipanema, outra no morro Araçoiaba e a última no Zoológico Municipal Quinzinho de Barros em Sorocaba.
Para recompensar esses serviços, Dom João VI elevou Varnhagen ao posto de coronel. Em 1821, devido a desentendimentos de ordem ideológica, Varnhagen pediu demissão, utilizando-se do pretexto de ter a necessidade de voltar à Europa para educar o filho. O Conselho Administrativo pediu a Varnhagen que indicasse um oficial para substituí-lo. Dois nomes foram indicados, mas não aceitos pelo Conselho. Voltando para a Europa, Varnhagen levou o filho (futuro Visconde de Porto Seguro) em sua companhia. A fábrica iniciou um processo de decadência, até que em 1834 o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, presidente da Província de São Paulo, nomeou o major João Blóem como diretor da fábrica.
Blóem trouxe da Europa uma colônia alemã que prestou serviços e deu grande impulso à fabricação de ferro em Ipanema. Mas em 1842, quando parecia começar uma nova era de prosperidade, uma crise política paralisou a fábrica mais uma vez. Com o início da Revolução Liberal de Sorocaba, em maio, Blóem apoiou os rebeldes chefiados pelo brigadeiro Tobias e não impediu a retirada de três canhões que haviam sido fundidos em Ipanema. Os canhões foram levados a Sorocaba pelos envolvidos na revolução e dois deles se encontram até hoje na praça Arthur Fajardo ou “Praça do Canhão”, local onde foram posicionados originalmente. Dessa forma, Blóem foi preso por ordem do Duque de Caxias e destituído do cargo de diretor. A fábrica caiu em abandono novamente.
O capitão Antonio Ribeiro de Escobar foi nomeado diretor interino. Em 2 de novembro de 1842 foi nomeado o tenente-coronel Antônio Manuel de Melo de forma efetiva, que não conseguiu impedir a decadência do local. Ficou durante três anos no cargo. Os 20 anos seguintes, entre 1845 e 1865, foram de declínio ainda maior. Cinco diretores passaram por Ipanema nesse período, sendo o Barão de Itapicuru, o major Joaquim José de Oliveira, o general Ricardo José Gomes Jardim, o major Francisco Antonio Raposo e o tenente Francisco Antonio Dias.
Para complicar a situação, em 1860 a fábrica foi dissolvida e o governo ordenou que se fundasse outra no Mato Grosso. Para lá foram enviados os técnicos, os oficiais e os escravos, ficando em Ipanema apenas alguns funcionários mais velhos. Não era conhecida a existência de minério de qualidade no Mato Grosso. Tanto que, após cinco anos de pesquisas sem sucesso, não houve descoberta e nem a fundação da outra fábrica. Parte dos equipamentos que seriam transportados de Ipanema ao Mato Grosso ficaram pelo caminho e, por fim, muitos se enferrujaram em Santos.
Veio a guerra do Paraguai em 1865 e o plano da mudança foi abandonado de vez. Havia a necessidade de se colocar o maquinário em funcionamento com urgência para produzir material bélico. Essa foi a época em que Ipanema mais produziu ferro. O capitão de engenheiros Joaquim de Sousa Mursa, posteriormente promovido a coronel, foi nomeado para o cargo de diretor em 6 de setembro de 1865. Aos poucos ele conseguiu recompor o estabelecimento, onde permaneceu até 1890. Para ilustrar o prestígio que a fábrica conseguiu durante a administração de Mursa, basta citar que a primeira locomotiva da Estrada de Ferro Sorocabana, quando inaugurada a 10 de julho de 1875, recebeu o nome de “Ipanema”.
Em 1895, já sob o governo republicano, as atividades siderúrgicas foram definitivamente encerradas. A fábrica foi fechada oficialmente pelo presidente Hermes da Fonseca, conforme o Decreto nº 9.757, de 12 de setembro de 1912.
Ipanema após o fim da Real Fábrica de Ferro
Em 1895 a propriedade foi transferida para o Ministério da Guerra e se transformou em quartel e depósito. A partir de 1926 foi iniciada a exploração de apatita no morro, perdurando até 1943. Na década de 1950 iniciou-se a exploração de calcário para produção de cimento, cujas atividades foram encerradas no fim da década de 1970.
Toda a área de Ipanema foi transferida para o Ministério da Agricultura em 1937 e o Centro de Ensaios e Treinamento de Ipanema (CETI/CENTRI) iniciou os estudos com sementes e máquinas agrícolas. O Centro Nacional de Engenharia Agrícola (CENEA) foi criado em 1975 e deu continuidade às atividades do CETI/CENTRI, sendo desativado no início da década de 1990 durante o governo Collor.
Em meados da década de 1980, mesmo sob protestos em toda a região, a Marinha do Brasil instalou um centro de pesquisas em parte das terras da “Fazenda Ipanema”, visando o desenvolvimento de reatores para o submarino nuclear. O CTMSP – ARAMAR foi inaugurado em 4 de abril de 1988 e continua desenvolvendo as atividades. Numa área ao lado de ARAMAR será construído o Reator Multripropósito Brasileiro (RMB), que é a mais importante iniciativa para a pesquisa nuclear no Brasil atualmente e permitirá o desenvolvimento de novos radiofármacos. Os investimentos brasileiros na área nuclear permitirão ainda que o RMB seja o núcleo de um novo grande centro de pesquisa e desenvolvimento.
Ainda em 1988 foi apresentada a proposta para se criar uma estação ecológica, por iniciativa do Ministério da Agricultura, numa área de 2.450 hectares ao longo do morro Araçoiaba. Quatro anos depois, em 16 de maio de 1992, parte da área foi ocupada pelo “Movimento dos sem terra”.
Visando a preservação de todo o complexo (fauna, flora e remanescentes históricos), a Floresta Nacional de Ipanema foi criada quatro dias depois da ocupação pelo MST, em 20 de maio de 1992, numa área delimitada em 5.069,73 hectares. A administração passou para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA). A partir de 2007, com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Flona de Ipanema e todas as unidades de conservação federais passaram a ser administradas pelo órgão.
Da fase siderúrgica de Ipanema restam hoje alguns monumentos restaurados, como a Casa de Armas Brancas, o casarão da sede, a serraria, o portão homenageando a maioridade de Dom Pedro II, as primeiras cruzes fundidas em 1818, o monumento a Francisco Varnhagen e os fornos de Frederico Varnhagen e Joaquim Mursa. Em contrapartida, ainda há prédios que precisam de recuperação.
Para mais informações sobre a Flona de Ipanema acesse www.cidadedeipero.com.br/ipanema.html
Em tempo: meu avô ou meu bisavô paterno teria(m) trabalhado na siderúrgica, o que também é informação bastante duvidosa (que eu vou checar em outros tempos).