
[De acordo com o Tao-Te-Ching, antigo texto da sabedoria chinesa, o modo de vida correto depende da sabedoria; e a sabedoria consiste de um paradoxo tão radical quanto o que encontramos nas bem-aventuranças e no significado da história de vida e morte de Jesus. O Tao-Te-Ching, assim como Jesus, se utiliza de linguajar popular, e não de um tom pretensiosamente intelectual.
Trinta raios unem-se em um cubo
É precisamente onde nada há que encontramos a utilidade da roda…
Talhamos portas e janelas
É precisamente nesses espaços vazios que encontramos a utilidade do aposento.
Nesta tradução o termo “precisamente” chama a nossa atenção. Respeitamos e exigimos precisão, o termo correto, o relatório financeiro acurado, a abordagem correta a uma situação. Empresas e governos gastam fortunas procurando atingir uma aparente precisão. Trata-se do novo “virtuoso” e um valor universal em uma era onde todas as coisas devem ser provavelmente úteis.
No entanto, utilizada nesse contexto de sabedoria, numa metáfora poderosa, mas mundana, a precisão não é o mesmo que prova científica. E, porque o método científico é o nosso mais elevado valor, é fácil menosprezar termos como esses acima citados como sendo mera sabedoria popular. Podemos ler isso no trem para o trabalho, ou na cama antes de dormir, mas não nos sentimos desafiados a aplicar isso na verdadeira maneira como vivemos ou como operamos nossas instituições.
Nosso sistema materialista de valores gira em torno de utilidade verificável. Qual a razão de ser de algo que não produza benefícios óbvios? Naturalmente, a sabedoria trata de tornar a vida melhor, ainda que não necessariamente óbvia. Lao Tse, e a história do Evangelho na qual seremos mergulhados na próxima semana, provam uma tese muito perturbadora. O mais útil pode ser o menos óbvio.
A meditação é uma via de sabedoria. Trata-se de uma via estreita, na maneira que Jesus quis dizer quando afirmou que o caminho para a vida é estreito. Porém, essa qualidade de estreitamento produz imensa expansão, do mesmo modo que duas linhas convergentes que se encontram em um ponto ricocheteiam afastando-se numa trajetória de infinita expansão. Um ponto é infinitamente pequeno; ele tem posição, mas não tem magnitude.
Compara-se à vacuidade de uma janela, ou ao cubo de uma roda, assim como a própria morte.
Temos uma dívida incomensurável com aqueles que transmitiram sabedoria em todos os campos que ilustram isso de maneira que possamos entender, ainda que por fugaz momento antes que novamente o esqueçamos. Esses mestres de sabedoria não são como os loquazes consultores que são remunerados por palavra ou pela extensão de um relatório. Eles dizem tudo em quase nada.
Esse é o ponto de minha fracassada tentativa de minimalismo quaresmal em que eu deveria parar.]
Texto original em inglês
[According to the Te-Tao Ching, an ancient Chinese wisdom text, right living depends on wisdom; and wisdom consists in a paradox as radical as that we find in the Beatitudes and the meaning of the story of the life and death of Jesus. The Te Tao Ching, like Jesus, uses homely language not a hifalutin intellectual tone.
Thirty spokes unite in one hub It is precisely where there is nothing that we find the usefulness of the wheel …
We chisel out doors and windows
It is precisely in these empty spaces that we find the usefulness of the room
The word ‘precisely’ in this translation engages our attention. We respect and demand precision, the right word, the accurate financial report, the correct assessment of a situation. Businesses and governments spend fortunes trying to achieve the appearance of precision. It is the new ‘virtuous’ and a universal value in an age where everything must be probably useful.
Used in this wisdom context, in a powerful but mundane metaphor, however, precision is not the same as scientific proof. Because the scientific method is our very highest value, it is easy to dismiss words like those above as mere folk-wisdom. We may read it on the train to work or in bed at night but we don’t feel challenged to apply it to the actual ways we live or run our institutions.
Our materialist value-system revolves around verifiable usefulness. What’s the point if something doesn’t produce obvious benefits? Naturally, wisdom is about making life better but not necessarily obvious. Lao Tzu – and the gospel story we will be plunged into next week – make a very disruptive point. The most useful may be the least obvious.
Meditation is a wisdom path. It is a narrow one – in the way Jesus meant when he said that the way to life is narrow. But its narrowness produces immense expansion in the way that two converging lines, meeting in a single point, ricochet outwards into an infinitely expanding trajectory. A point is infinitely small; it has a position but no magnitude.
It is like the emptiness of a window or the hub of a wheel, like death itself.
We owe an immeasurable debt to the transmitters of wisdom in every field who illustrate this in ways we can understand, even for a fleeting moment before we forget again. Such teachers of wisdom are not like loquacious consultants paid by the word or the length of a report. They say everything in almost nothing.
At which point in my failed attempt at Lenten minimalism I should stop.]
- Laurence Freeman, in Comunidade Mundial para a Meditação Cristã. Segunda-feira da Quinta Semana da Quaresma. Leitura de Segunda, 19 Março 2018.