
Alguns jornalistas, nominalmente Ricardo Boechat e Vera Magalhães, ele da Band e ela da Jovem Pan (é provável que existam outros, mas que me escapam às observações), a modo de criticarem as violências que ora cercam a Caravana do Lula pelo Sul do País, afirmam que tal comportamento apenas repete o que sempre se fez contra os adversários do petismo.
A primeira observação a ser feita é que se trata de uma forma bastante acanalhada de justificar uma conduta se espelhando em outra; numa espécie de olho por olho, dente por dente [1].
A segunda é que está se usando, neste caso, apenas o senso comum que foi, diga-se, bastante cultivado pela própria imprensa (a tal da grande) e pelos senhores (leia-se capital, dinheiro) a quem ela serve.
No caso, a população, desavisada e distraída, apenas entra de “boi de piranha” [2] e apenas repete aquilo que já estava posto na mesa.
Num confronto cara-a-cara esses jornalistas dificilmente conseguiriam eles sustentar a difamação contestatória – muito pelo contrário, já que esse tipo de violência de direita abunda-se a perder de vista, sem a necessária contrapartida esquerdista.
Não se pode dizer, sem perder o pé da história, que as esquerdas (entre elas o petismo) sejam anjos de candura, mas é difícil anotar que desde o surgimento do partido, ele e seus militantes não tenham sido as vítimas, e não o contrário, os algozes de seus adversários e inimigos.
Aqui também os exemplos abundam e falam por si só.
Alguns petistas estão tão assustados, temerosos com os acontecimentos sulinos que chegam a sugerir/pedir a suspensão da Caravana do Lula, o que seria, convenhamos, uma demonstração de fraqueza, não compatível com a história do PT e muito menos com a história de Lula.
Obviamente que isso não deve e nem pode acontecer.
É correto esperar, no entanto, que o exemplo do Sul se espalhe pelo restante do País e que a partir de agora esse tipo de agressão recrudesça, o que pode desandar em direção de problemas maiores ainda, especialmente durante as eleições.
Mas não creio que seja o perfil da esquerda partir para o revide, partir para o confronto aberto.
Quando eu ainda era estudante de jornalismo tive, segundo alguns colegas, duas oportunidades de praticar atentados contra a ditadura militar.
Numa delas, foi cobrir uma cerimônia em Quitaúna, em Osasco, onde fica o 4° Batalhão de Infantaria Leve (4º BIL) do exército brasileiro.
Na outra, estive a dois passos do general Emilio Garrastazu Médici, o terceiro dos ditadores do golpe de 1964.
Em ambos os episódios meus colega de faculdade me questionaram porque eu não estava de posse de bombas e de algumas armas para “fazer justiça com as próprias mãos”.
A rigor não sou exatamente um sujeito corajoso e nem me passou pela cabeça fazer um troço desses.
E sem necessariamente ser um pacifista, nunca me pareceu oportuno reagir dessa maneira tresloucada, assim como entendo que de nada adiantará ao petismo reagir à violência que se vê no Sul do País com mais violência.
A não ser que se queira “colocar fogo no País” e dar chances a que extremistas e oportunistas, como Jair Bolsonaro, para possa chegar à presidência da república.
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Notas
[1] “Olho por olho, dente por dente” [*] é uma expressão que significa vingança, e que o castigo deve ser dado na mesma proporção do dano causado.
Olho por olho, dente por dente, é um dito popular que sugere uma punição do mesmo tamanho da ofensa.
A expressão “Olho por olho, dente por dente”, surgiu na antiguidade, onde a justiça era feita pelas mãos dos homens. (veja mais https://www.significados.com.br/olho-por-olho-dente-por-dente/)
[*] Lei de talião, pena antiga pela qual se vingava o delito, infligindo ao delinquente o mesmo dano ou mal que ele praticava. (Hamurabi, rei da Babilônia, no século XVIII a.C. – ibid.)
[2] Expressão popular brasileira que designa uma situação onde um bem menor e de pouco valor é sacrificado para que em troca outros bens mais valiosos não sofram dano.