As histórias de Zacarias, o Ícaro, de um lugar chamado Cotia

Icaro
Blog do Velhinho

Tivemos por aqui nosso Ícaro.

O seo Zacarias, pai de Alcides, o Alcidão, que por longos anos foi prático da farmácia do doutor Waldemar Albano, na época a única de Cotia, assim como Albano era o nosso único médico e ainda o parteiro da cidade.

Alcidão era pai de Carlinhos, um sujeito mirradinho e precocemente míope.

Numa época que a gente era obrigado a usar bastante o físico (seja para esportes, seja para o trabalho) Carlinhos não servia para absolutamente nada.

A irmã se chamava Cida e herdou de Alcidão a lourice.

Carlinhos puxou a mãe, de cabelos pretos embora de tez branca como leite.

Não sei que fim levou essas pessoas todas. Se estão mortas ou ainda permanecem vivas.

Não sei se Carlinhos e Cida se casaram, se tiveram filhos e netos; se se deram bem na vida; se enriqueceram ou ficaram tão pobres como Alcidão.

Fomos vizinhos de Zacarias na Ernesto Lemos Leite, bastante próximos ao Grupo Escolar Baptista Cepellos onde nós todos estudamos.

Zacarias era bastante velho, de cabelo branquinho, provavelmente mais velho que os meus avós de nasceram no final do século 19.

Ele tinha uma cabra, provavelmente para suprir-lhe de leite, que um dia me derrubou do barranco com uma chifrada.

Cabras e bodes são bichos danados e sempre nos pegam distraídos.

Duvido que alguém com menos de 50 anos já tenha visto uma cabra na vida.

As histórias da epopeia de Zacarias, o nosso Ícaro, são confusas e contraditórias.

Não se sabe ao certo nem se ele tentou voar mesmo e quais consequências de seu feito.

A história oral não registrou essas minudências.

Alguns testemunhos da época dizem que ele tentou o voo construindo asas de madeira.

Se verdadeira isso, deve ter sido uma história espetacular, tanto quanto o tombo que Zacarias certamente levou.

Cotia é cheia de morretes, portanto espaço para essas empreitadas há de sobra.

Os testemunhos sobre o acontecido, porém, são falhos, espécies de fake news daqueles tempos.

Mas são histórias recorrente já que se repetem praticamente em todos os lugares, regiões e países.

Até mesmo agora, na época dos balões, dirigíveis, aviões e foguetes ainda nos deparamos com pessoas querendo, por suas próprias forças, voar.

Tem quem também voe (literalmente) impulsionada por outras forças (a cocaína), como foi o caso de uma amiga, catapultada do 10ª anda rumo ao chão em um edifício de São Paulo.

Hoje em dia são essas histórias bastante recorrentes e muito mais comuns que as de Zacarias.

Ícaro, que é mais lenda que o nosso Zacarias, “era filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e habilidosos de Atenas, conhecido por suas invenções e pela perfeição de seus trabalhos manuais, simbolizando a engenhosidade humana.

Um de seus maiores feitos foi o Labirinto, construído a pedido do rei Minos, de Creta, para aprisionar o Minotauro. Por ter ajudado a filha de Minos a fugir com um amante, Dédalo provocou a ira do rei que, como punição, ordenou que ele e seu filho Ícaro fossem jogados no Labirinto.

Dédalo sabia que a sua prisão era intransponível, e que Minos controlava mar e terra, sendo impossível escapar por estes meios. “Minos controla a terra e o mar”, disse Dédalo, “mas não o ar. Tentarei este meio”.

Dédalo projetou asas, juntando penas de aves de vários tamanhos, amarrando-as com fios e fixando-as com cera, para que não se descolassem. Foi moldando com as mãos, de forma que estas asas se tornassem perfeitas como as das aves.

Estando o trabalho pronto, o artista, agitando suas asas, se viu suspenso no ar. Equipou Ícaro e o ensinou a voar. Então, antes do voo final, advertiu seu filho de que deveriam voar a uma altura média, nem tão próximo do sol, para que o calor não derretesse a cera que colava as penas, nem tão baixo, que o mar pudesse molhá-las. 

Eles primeiramente se sentiram como deuses que haviam dominado o elemento ar. Ícaro deslumbrou-se com a bela imagem do sol e, sentindo-se atraído, voou em sua direção, esquecendo-se das orientações de seu pai. A cera de suas asas começou rapidamente a derreter e logo Ícaro caiu no mar.

Quando Dédalo percebeu que seu filho não o acompanhava mais, gritou:

“Ícaro, Ícaro, onde você está?”.

Logo depois, viu as penas das asas flutuando no mar. Lamentando suas próprias habilidades, chegou seguro à Sicília, onde enterrou o corpo e chamou o local de Icaria em memória de seu filho.” (Saber Cultural)

A ânsia por voar me parece, no entanto, bem mais complexa do que simplesmente a vontade por tentar encurtar distâncias.

Parece-me que nós buscamos, a rigor, escapar da finitude do mundo, da finitude da vida, mas sempre nos deparamos com as nossas limitações e nos assuntamos com a grandeza espetacular do universo.

Mas continuamos fazendo de conta que algum dia vamos a alguma lugar, mesmo que sozinhos, e quem sabe para nos encontrarmos como Deus.

Márcio Tadeus dos Santos

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