Começo invertendo a proposição do texto e perguntando: ancorado em argumentos frágeis, de precária aceitação, o jornalismo militante de esquerda vai vencer a batalha por corações e mentes dos brasileiros?
É bastante improvável!
Pois então vamos aos fatos.
A participação de Manuela d’Avila no Roda Viva (TV Cultura de São Paulo), na última segunda-feira, provocou uma reação descabida do jornalismo militante de esquerda, coisa da qual nem mesmo a política gaúcha tomou parte.
Não é difícil saber de onde partiu a raivosidade (dos petistas) e nem o por que da raiva (de a TV ser uma estatal comandada por um governo – estadual – tucano).
Colocadas essas premissas todas resta-nos saber se as tais das interrupções a que esteve submetida a política do PCdoB gaúcho foram exageradas e descabidas e uma demonstração de machismo e de misoginia por parte da bancada de jornalistas, alguns não necessariamente jornalistas, mas isso é uma constante que se vê desde que o programa foi criado em 1986.
Desatenta, ou propositalmente desatenta, a esquerda – que trocou o jornalismo pela militância política – também acusou a emissora desse pecadilho.
Aliás, já estão pedindo (e só podia ter partido do site petista 247, como partiu) até que a emissora “peça desculpas” (SIC) à entrevistada.
Se a moda pega, nenhum jornal, revista, TV ou rádio vai mais correr o risco de entrevistar quem quer que seja.
A militância esquerdo-midiática também abusa do direito de tergiversar.
Desde que o mundo é mundo espera-se que o(s) jornalista(s) inquira(m) sim o entrevistado, o acue, e se for o caso, acrescento, sem dó e nem piedade.
Aliás, este que lhes fala (ou melhor, escreve) fez da entrevista uma constante em apertar, amassar o entrevistado, e colocá-lo contra a parede.
Entrevistado não é amiguinho de jornalista e vice e versa.
O papel do jornalismo é exatamente esse: não dar tréguas ao entrevistado e explorar e expor as suas contradições.
E de mais a mais, acrescente-se (portanto trata-se de mais uma mentira da militância esquerdo-midiática) o Roda Viva surgiu exatamente com essa proposta: a de não permitir sequer que o entrevistado tome fôlego.
Se a bancada do Roda Viva fez alguma coisa diferente disso (e deve ter feito) o erro, o equívoco esteve nessa tibieza, e não no apertão que se deu na política gaúcha.
Por fim, a acusação de machismo e de misoginia é apenas uma muleta que muita gente (não só a militância esquerdo-midiática) anda usando com certo desassombro e destemor.
Não perceberam ainda que foram essas “modinhas” politicamente-corretas que levaram à derrocada do petismo que eles defendem com certa cegueira.
[ (IHU-Unisinos) “A esquerda se divide em dois polos: quem celebra e quem detesta junho”, resume Jean Tible à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Segundo ele, o “polo” que existe entre a esquerda anti-Junho e a pró-Junho também foi manifestado na greve dos caminhoneiros, que aconteceu no mês passado. “É curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação”, lamenta.
Na avaliação de Tible, nem a esquerda institucional, formada pelos partidos e movimentos tradicionais, nem a esquerda mais autônoma deram conta das “aberturas de Junho”. “Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada)”, pontua.
Na entrevista a seguir, Tible frisa ainda que “Junho de 2013 abriu um novo ciclo político”, que obrigou os atores políticos a se reposicionarem. Nesse novo cenário, diz, “talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha de Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado”, conclui.
Jean Tible é graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestre pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). É autor de Marx selvagem (São Paulo, Annablume, 2013; 2ª edição, 2016) e co-organizador de Junho: potência das ruas e das redes (Fundação Friedrich Ebert, 2014) e de Cartografias da emergência: novas lutas no Brasil (FES, 2015).
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Qual sua avaliação de Junho de 2013, cinco anos depois da emergência daquelas manifestações no país?
Jean Tible — O que vou dizer tem relação direta com o que pensei e produzi com uma série de pessoas no livro “Junho: potência da rua e das redes” e em debates ininterruptos sobre o que ocorreu em Junho e seus desdobramentos com muita gente, em particular com Ramon Szermeta. Então, essa não é exatamente uma reflexão individual, é parte de uma reflexão coletiva, embora seja eu quem esteja falando agora nesta entrevista específica.
Junho é algo que foi muito forte e inédito no Brasil, e tem um ponto interessante: ele nos conectou com o mundo. Num período anterior a Junho de 2013, em praticamente todos os países da América Latina as lutas também se davam nas ruas e não só nas instituições; o Brasil era uma exceção naquele contexto (e podemos reparar nas influências zapatistas e piqueteiras-argentinas em coletivos e movimentos presentes nos protestos). Junho também se conecta a um ciclo de revoltas globais, que começou na Tunísia, se espraiou pelo mundo árabe, atravessou o Mediterrâneo e depois atravessou o Atlântico Norte. Mais tarde aconteceram as manifestações na Turquia, no Brasil, em vários pontos do continente africano e na Ásia. Essas lutas não são um raio em um céu azul; elas têm uma história e uma memória.
Uma delas é a luta pelo transporte: sempre houve os tradicionais quebra-quebra nas cidades brasileiras por conta do aumento do preço da passagem. Nesse período mais recente ocorreram várias revoltas nesse sentido, como a do Buzu em Salvador, mais duas em Florianópolis e em Vitória. Também vimos lutas como o Fora Micarla, em Natal (RN), em 2012, as greves de Jirau e Santo Antônio, a ampla solidariedade com os Guarani Kaiowá, a ocupação indígena do Congresso poucas semanas antes de estourarem as manifestações de Junho, o Bloco de Lutas em Porto Alegre e as lutas pelo transporte em Goiânia, a organização dos Comitês Populares da Copa. Portanto, havia todo um caldo mais subterrâneo — de alguma forma não tão visível para as lentes convencionais — que estava se desenvolvendo naquele período (em São Paulo, o churrascão da gente diferenciada e a marcha da liberdade, atos contra o aumento das passagens na periferia). Talvez o principal ponto disso tudo seja uma crítica aos representantes em geral (na política, economia, cultura), com as manifestações que afirmavam “não me representam”, como apareceu na Espanha em outro contexto.
O que parece um ponto muito forte de Junho de 2013 é que o medo, em geral, é sentido pelas pessoas comuns (por conta de sua vulnerabilidade permanente, em vários sentidos), mas nesse acontecimento de Junho de 2013 isso muda, porque todos os poderes constituídos passam a ter medo — lembrando do livro Agora eles têm medo de nós: uma coletânea de textos sobre as revoltas populares em Mozambique (2008-2012), organizado por Luís de Brito. Com isso, os donos da Globo e da mídia, dos bancos, os políticos graúdos, os juízes, militares, os industriais e o agronegócio, ou seja, todos os poderosos sentiram medo, e isso revela, de certa forma, uma verdade da democracia, a de que o poder é da população e a população cede esse poder ao Estado, que seria o contrato social. Nesses momentos de disrupção — que são muito preciosos e cujos efeitos são duradouros —, mostra-se de quem é o verdadeiro poder que não é exercido, e naquele momento passa a ser exercido. Daí que vem a grande força desses acontecimentos.
Outro ponto forte de Junho e em geral pouco enfatizado: o número de greves estoura segundo o Dieese: de 877 em 2012 para 2050 em 2013 (maior número desde o início da contagem nos anos 1980) e também tocando setores geralmente menos propensos às greves: indústria da alimentação, segurança, limpeza urbana… Assim como os aumentos nos transportes foram revogados em mais de cem cidades, era possível reivindicar e ganhar em outros setores e pautas. As comportas se abriram, ou melhor, foram abertas. Não podemos esquecer dos “loucos dias” de Junho, quando tudo parecia fugir – e fugia – de qualquer controle: tomada do Congresso em Brasília, da ALERJ no Rio, o apoio aos protestos com vandalismo por parte dos espectadores do programa do Datena…
IHU On-Line — Quais diria que são as principais consequências políticas e sociais de Junho de 2013?
Jean Tible — Tem um paralelo interessante de Junho de 2013 com 1968, no sentido de entender 1968 como uma revolução global que se deu com distintas intensidades em vários pontos do planeta. 68 foi muito forte no México, em Senegal, em Paris, no Vietnã e na China e também se espalhou pelos Estados Unidos e chegou ao Brasil e à Argentina. Foi uma revolução global, talvez a primeira nesse sentido. As revoluções têm impactos internacionais, porém, como coletivamente dizemos em outro contexto, “Junho está sendo” e por isso as consequências ainda estão se dando, o que também dificulta a nossa leitura de tudo isso.
Mas acredito que existem alguns pontos que poderíamos destacar: primeiro, para o bem ou para o mal — depende dos atores que analisarem isso — é o fim da estabilidade que o país estava vivendo, ou seja, vivia-se um recorde de eleições presidenciais seguidas e com isso uma certa estabilidade política. Além disso, vínhamos de um momento econômico no governo Lula que conseguiu crescimento com distribuição de renda e, talvez, de riqueza. Havia ainda mecanismos de participação, embora muito limitados, mas que não deixam de ser importantes. Existia ainda uma política externa, nas palavras de [Celso] Amorim, “ativa e altiva” e uma ativação do mercado interno e micropolíticas econômicas com incentivos a vários setores não habituais (cultura, por exemplo). Portanto, o primeiro ponto parece ser o fim da estabilidade, o que trouxe oportunidades e riscos.
O segundo ponto é que novas questões, que não eram nenhum pouco inéditas, ganharam força. A própria questão do transporte, que á a ativação inicial do 13 de Junho, tem toda uma história — inclusive a proposta da tarifa zero tem uma formulação de origem no PT, na gestão da Erundina com o Lúcio Gregori. Essa questão do transporte foi um aspecto fundamental para os trabalhadores — é uma questão de classe —, mas também entram em pauta questões muito caras, por exemplo, ao movimento negro, questões que eram ignoradas em geral pela sociedade como um todo e também em boa parte pela esquerda. Desse modo, houve questões também vinculadas à violência policial, e nesse sentido as mobilizações “Cadê o Amarildo?” que foram precedidas por atos organizados na Rocinha e manifestações morro-asfalto são fundamentais. E sabemos o quanto isso assusta — lembremos da repressão violentíssima na Maré na noite do 24 de junho.
Depois vimos um protagonismo feminista muito forte: houve várias mobilizações no período posterior e que continuam. Também a marcha da maconha (puxada pelo DAR – desentorpecendo a razão) é um dos movimentos atuantes antes de Junho de 2013 que se fortaleceu e conseguiu ter uma presença periférica muito forte nos últimos anos. Também uma série de Questões LGBTQI ganharam mais força e contundência, inclusive com tentativas de captura por parte de forças como a Globo, sempre hábil e alerta.
Um terceiro ponto é que Junho de 2013 abriu um novo ciclo político. A partir daí todos os atores da sociedade brasileira são obrigados, de alguma forma, a se reposicionar — isso vale para a direita, a esquerda e o centro, para as empresas como a Globo, a Fiesp, o agronegócio, para os movimentos indígenas, o movimento negro, ou seja, todos os atores da sociedade brasileira foram interpelados por Junho de 2013 e mudaram ou tentaram levar em conta esse acontecimento. A turma da Lava Jato e seus aliados nacionais e internacionais foi um dos setores que melhor se posicionou para fazer prevalecer seus objetivos.
Podemos ver, por exemplo, a criação do Movimento Brasil Livre — MBL, que copia, inclusive a sonoridade do Movimento Passe Livre — MPL, que rouba, de alguma forma, uma sigla, uma sonoridade e certo símbolo, assim como o Vem Pra Rua, no âmbito da direita. Nesse sentido, existe uma reação que tenta corresponder a esse anseio. Na medida em que o sistema político não leva em conta o evento de Junho e a crise política que Junho aguça — a qual talvez já existisse —, ele vai aguçando essa crise e assim chegamos ao cenário de hoje, onde tem uma crise total de legitimidade das instituições políticas.
Os dois eventos recentes e trágicos que ocorreram no país — assassinato de Marielle e a perseguição política e prisão do Lula —, embora sejam acontecimentos envolvendo gerações diferentes, causas específicas e distintas, se conectam porque o recado que o país dá para a população é o seguinte: que os maus nascidos não têm lugar na política. Vemos, progressivamente, se aprofundar essa crise que já era grande, tanto que estamos nessa situação que é, inclusive, muito perigosa, porque os atores não cabem mais nas instituições e não se vê nenhuma possibilidade imediata de transformação dessas instituições.
IHU On-Line — Como você interpreta Junho de 2013 à luz do conceito de multidão de Negri?
Jean Tible — O Conceito de multidão nos ajuda a compreender uma questão que mencionei antes: o medo dos poderes constituídos. Nesse sentido, Junho é a manifestação de um poder constituinte, mas faltou fôlego para chegar a uma questão que é muito importante para Negri e Hardt, que é a criação de novas instituições. Se falava muito da nova classe média e da nova classe trabalhadora naquele momento, o que foi muito interessante, porque a “rua” encarnou essas pessoas, que estavam expressando novos desejos. Esse aspecto de Junho de 2013 é muito relevante porque, de novo, tem um paralelo com 1968 (Tlatelolco, Dakar, Berkeley, Nanterre, Córdoba), no papel dos estudantes universitários (no Brasil seu número explode nos anos anteriores, constituindo um fermento para a revolta — novas possibilidades existenciais para esses jovens trabalhadores se confrontando com um mundo que muda devagar demais).
Outros aspectos que o conceito de multidão nos coloca para pensar são as tensões, confluências e conexões entre classe e diferença. No Brasil, em outros contextos, parte da esquerda tentava opor classe e diferença e isso está muito preso no debate político nacional. O que, a meu ver, nos ajuda a pensar é o seguinte: a classe sempre foi preta, a classe sempre foi mulher, a classe sempre foi indígena. O conceito de multidão pode nos ajudar a entender justamente isto: como essas questões se colocam, ou seja, muitas vezes ficamos nos opondo a questões que estão muito mais conectadas. Inclusive, os adversários dos “de baixo” percebem isso. Se observarmos aquela famosa citação depois de 68 de Samuel Huntington e outros, segundo a qual o problema era que havia democracia e demandas sociais demais e não tinha dinheiro para isso, e a conectarmos com a declaração do deputado gaúcho da Frente Parlamentar do Agronegócio, quando ele diz que no gabinete do Gilberto Carvalho estavam aninhados tudo o que não prestava, como lésbicas, índios, gays e tudo mais, veremos que os adversários dos “de baixo” entendem essas conexões e, às vezes, a própria classe em suas diferenças, não tanto.
É interessante observar ainda que as pautas de classe em relação ao transporte, à questão da violência policial, à questão do feminismo, trans, ficaram mais fortes depois de Junho de 2013. Não por acaso essas questões estão se colocando até hoje no Brasil. A constituição da multidão envolve isso tudo.
Outro ponto de Hardt e Negri que pode nos interpelar é o que os autores discutem em Assembly, ao inverterem a apreensão habitual da esquerda na qual a tática seria tarefa dos movimentos e a estratégia do partido: agora, os movimentos indicariam a estratégia e aos partidos caberia a tática. Em Junho, a estratégia aberta pelos movimentos não encontrou a virtude tática dos partidos.
IHU On-Line — Passados cinco anos de Junho de 2013, como avalia que a esquerda recepcionou as manifestações à época e que leituras a esquerda faz das manifestações hoje, cinco anos depois?
Jean Tible — A esquerda divide-se em dois polos: quem celebra e quem detesta Junho. Claro que isso é um pouco simplista, mas nos ajuda a pensar. É interessante pensarmos a esquerda em outros dois polos: um mais institucional, hegemonizado, conduzido mais pelo PT, mas que abrange outros setores como a CUT, o MST e os movimentos feminista e negro mais vinculados ao ciclo de lutas que se inicia no fim dos anos 1970 e início dos 1980; e outro representando a esquerda mais autônoma, que inclui dezenas de organizações, sensibilidades e movimentos.
Na verdade, nenhum desses dois polos acabou, infelizmente, dando conta das aberturas de Junho. Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada).
Retomando, Belo Horizonte é uma cidade muito interessante para pensar Junho, pois essa cidade tem ocupações urbanas fortes, a Assembleia Popular Horizontal, a ocupação da Câmara dos Vereadores, praia da estação, carnaval de rua voltando e tudo mais. Essa efervescência, de alguma forma, continua e tem até um desdobramento institucional. De todos esses grupos que propuseram uma nova política e tentaram entrar nas instituições, o único que realmente produziu um processo mais contundente foi o das Muitas, que teve como consequência a eleição de duas vereadoras. Tudo isso ainda está em curso, por isso acredito que veremos nesses próximos meses e anos novas articulações da esquerda, e é esse um dos sentidos de que Junho “está sendo”.
IHU On-Line — A leitura que o PT fez acerca de Junho de 2013 à época e a reação do governo ao movimento naquele período contribuíram para aumentar a crise do partido ou a reação negativa de uma parcela da população ao partido? Quais diria que são as consequências de Junho de 2013 para o PT em particular?
Jean Tible — O PT é múltiplo e, portanto, não existe somente um PT. Nesse sentido é possível ver a posição de alguns setores e figuras do PT e ver também que a posição do partido se desdobrou ou mudou. De um lado, o ex-prefeito Fernando Haddad se opôs a Junho e viu esse movimento como a chegada dos novos bárbaros, como ouvi dele. É curioso, pois sua campanha à Prefeitura no ano anterior falava de um tempo novo. Esse tempo novo poderia se conectar com o que emergiu com mais força em Junho, mas o espírito não reconheceu o corpo encarnando nas ruas e o rejeitou. De outro lado, Dilma, como presidente, fez um gesto interessante e recebeu os manifestantes no Palácio, mas as respostas dela foram muito tímidas e insuficientes. Não se teve um entendimento mais concreto de que o milagre lulista não era mais possível no sentido de deixar todo mundo feliz, ou seja, de os de baixo conquistarem mais sem os de cima terem que pagar mais por isso — daí as insuficiências de combinar ajuste fiscal e Mais Médicos e royalties do pré-sal para educação; a disrupção exigia muito mais, outras pautas e o fortalecimento de outros sujeitos.
O caso do Lula em relação a Junho é interessante porque vejo uma mudança de posição. No início ouvi dele uma análise de que o povo tinha conquistado o pão e agora queria manteiga. Mas sobretudo a partir do momento em que o movimento pró-impeachment cresceu, ele fez uma releitura e disse que a classe média tradicional teria predominado naquelas manifestações de 2013 e que teria também o dedo da CIA, como o alertaram na época Putin e Erdogan. Essa mudança de postura do Lula tentou justificar a derrocada do governo Dilma, que era o governo do PT. Foi isso que de alguma forma disse Gilberto Carvalho, num ato falho, que havia uma ingratidão por conta de todas as conquistas sociais que o governo do PT tinha possibilitado.
Mas havia e há um conflito geracional aí, porque uma nova geração de militância e ativismo surgiu com mais força e ela não era contra o PT, mas o PT não levou a sério o que aconteceu e nem buscou se transformar. O próprio Lula disse reiteradamente, de Junho de 2013 até a pauta do impedimento ficar forte, que o PT tinha que mudar, mas ao mesmo tempo o PT não foi capaz de mudar e nem Lula de impulsionar essa transformação.
Tem outro capítulo nesta questão, que é importante citar: trata-se da questão da repressão. Embora os casos de repressão sejam uma questão sobretudo estadual, o governo federal teve um papel nisso tudo quando, no bojo das manifestações contra a Copa ou mesmo em 2013, a Força Nacional de Segurança foi oferecida aos estados. Essas são ações absurdas por parte de um partido de esquerda. Eu estava muito preocupado com a repressão antes da Copa e, estando em Brasília, solicitei uma conversa no Ministério da Justiça para entender por que o governo estava agindo daquela forma, não se opondo claramente às várias táticas repressivas estaduais que estavam se manifestando: qual não foi minha surpresa quando o alto funcionário foi ainda mais crítico do que eu em relação à atuação do ministro nesse tema — uma máquina repressiva estava se fortalecendo. O que se reforçou com a lei antiterrorismo. Não brecar essa máquina foi um tremendo erro.
Sabemos que o Brasil fica nas primeiras posições nos dados de assassinato de militantes, numa certa política de assassinatos seletivos de pessoas fundamentais para termos um país mais digno (sobretudo nas questões ligadas à Terra, povos indígenas e grupos mais vulneráveis). Sabemos também da repressão permanente que sofrem os que se levantam, secundaristas e outros. Desmontar essa máquina repressiva deveria ser uma tarefa fundamental de qualquer governo que busque transformações. Isso se articula com o fundamental direito de se manifestar — recordo aqui da não resposta de Dilma quando o MPL pautou na reunião no Palácio do Planalto a questão da regulamentação das armas menos letais: silêncio.
IHU On-Line — Como avalia que, à esquerda e à direita, partidos, movimentos e possíveis candidatos à presidência têm lidado com a insatisfação política de Junho ao longo desses cinco anos?
Jean Tible — Alguns sentidos de Junho que se destacam: a questão da participação contra a representação, a questão da corrupção, uma rebelião contra o inadequado uso do dinheiro público, especialmente por conta dos gastos feitos para a Copa, a questão da violência policial e a pauta de uma nova subjetividade indígena, negra, feminista, LGBTQI. É por esse prisma que podemos olhar para os candidatos e ver como a política institucional tem tentado responder a isso.
Nesse cenário temos na extrema direita e na direita duas candidaturas que dialogam com essas questões: de um lado, Álvaro Dias, que é um fruto desse sistema político brasileiro mas está com um discurso antissistêmico e, de outro, Bolsonaro, que representa muito o anti-Junho (basta ver a escolha que Bolsonaro fez ao nomear o ultraliberal Paulo Guedes como seu chefe de programa de governo — dificilmente uma pauta será tão antipopular, de fazer os de baixo pagarem a crise, aliada à mano dura), embora ele tenha aproveitado o ciclo político aberto em Junho.
No centro tem a Marina, que tem um certo diálogo com Junho, embora suas opções recentes a colocam como aliada dos poderes conservadores (opções de política econômica, abandono da ecologia dos pobres, posições concretas no segundo turno da eleição presidencial passada, no processo do impedimento e na intervenção militar no Rio).
No amplo bloco da esquerda existe a candidatura, de um lado, do Lula, que como disse antes, mudou sua perspectiva sobre o que aconteceu em Junho e, de outro lado, a candidatura de Ciro Gomes, que dialoga muito pouco com Junho — ela é pré-Junho. A Manuela é uma candidata que tem diálogo com as pautas feministas e LGBT: teria sido ela candidata pelo PCdoB antes de Junho?
Dos nomes postos, talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha da Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado.
IHU On-Line — Que balanço faz da greve dos caminhoneiros que aconteceu recentemente no Brasil? É possível estabelecer alguma relação entre essa greve e as manifestações de Junho de 2013?
Jean Tible — O polo que existe entre uma esquerda anti-Junho e uma pró-Junho também se manifestou, de algum modo, na greve dos caminhoneiros. A pauta dos setores de baixo da sociedade brasileira foi sendo interpretada como locaute, mas quem conhece esse setor mostrou que não se tratava disso, mas de uma demanda derivada das aplicações das políticas ultraliberais do governo, sem a mínima sensibilidade social. Foi essa política que causou esse efeito de prejudicar a população, seja no aumento do gás de cozinha ou dos combustíveis.
Isso indica um debate sobre o capitalismo contemporâneo e as revoluções. Curzio Malaparte conta que na noite da insurreição em outubro de 1917, Trotsky estava tranquilo, porque a revolução já tinha ocorrido, porque toda a infraestrutura (energia, comunicações, transportes) já tinha sido tomada pelos bolcheviques. A tomada do palácio de inverno teria sido, nessa perspectiva, mais uma performance de tomada do poder que já havia ocorrido.
Para entender o capitalismo contemporâneo, muitos como Negri e Sandro Mezzadra ou o comitê invisível, insistem que a logística é fundamental, o bloqueio é muito importante e, nesse sentido, os caminhoneiros mostraram como alguns setores são capazes de bloquear o sistema. Isso é um elemento muito interessante.
Mas retomando, é curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação.
Junho mostrou uma série de caminhos e abriu espaço para novas práticas e alianças políticas. Vimos, depois de Junho, as manifestações dos garis, as conexões entre jovens e professores no Rio de Janeiro, e uma série de lutas que se reforçaram, como os secundaristas que ocuparam escolas no Brasil. Foram alianças surpreendentes, não habituais, de auto-organização, de autogestão; as pessoas tomaram o controle das suas próprias vidas. Isso é inspirador para lutarmos e transformarmos. Vejam a peça Quando Quebra Queima da ColetivA Ocupação, dirigida por Martha Kiss Perrone, na Casa do Povo e no Teatro Oficina e sintam Junho vivo e pulsando.
Existe um potencial importante para essas lutas num encontro entre um ciclo de lutas que surgiu nos anos 1970 e 1980 e esse de Junho de 2013. Se os movimentos e organizações desses ciclos anteriores conseguissem se renovar, ajudariam bastante essa nova geração que surge com força, mas também com fragilidades; poderia haver um bom encontro entre eles para enfrentar a extrema direita, assanhada no Brasil e no mundo.
As manifestações de 68 foram derrotadas por um lado, mas, por outro, também foram vitoriosas em uma série de questões, como no surgimento da nova subjetividade e das novas políticas que ganharam força a partir daquele período. Do mesmo modo, embora o ímpeto de Junho tenha sido em parte derrotado, a partida segue em curso. As revoltas têm essa característica: elas vão maturando, vão sendo reconvocadas e com isso surge um mapa e uma cartografia de um outro Brasil. Junho indica essa desobediência imprescindível para a criatividade política. A desobediência é fundamental para buscar e encontrar novos caminhos.]
Creio que nós todos saibamos que o futebol é o único esporte mundial.
Outros esportes tentam e continuam tentando se ombrear com este esporte, mas apenas com relativo ou pouco sucesso.
Frente a esse fato evidente não soa estranho que a copa do mundo tenha essa repercussão toda e esse prestígio todo e que o esporte seja aquele de maior rentabilidade financeira e de interesse pelo mundo todo.
Na nossa natural lentidão, muita gente não deve ter percebido (ou talvez não tenha conhecimento mesmo) as “mudanças profundas” pelas quais passou o esporte, especialmente após o advento e a democratização da televisão.
Há, obviamente, quem aponte (e com relativa razão) os “malefícios” que a televisão levou ao esporte e prefira o “futebol de antigamente” (inclusive jovens que não o testemunharam) sem se dar conta dos ganhos na preparação física, na medicina esportiva, na profissionalização de técnicos e dirigentes que necessariamente levaram os atletas a adotarem uma postura “mais responsável”, a despeito de algumas defecções que ainda encontramos por aqui e acolá.
A despeito dos escândalos que sempre cercaram a Fifa (e talvez por conta deles), a federação internacional executou um trabalho brilhante de não apenas levar o esporte-futebol a todos os recantos do planeta como, e principalmente, nesse caso, criou escolas de futebol ao redor do mundo, o que nos permite assistir às antigas “zebras” (como é o caso dos países africanos, por exemplo) “fazendo bonito” no “esporte bretão”.
Vulgarizou-se, por aqui, pelo Brasil, que a atual copa do mundo que está sendo disputada na Rússia, não está despertando o interesse dos brasileiros.
Reconheçamos que o Brasil passa por um momento delicado da sua vida política e está imerso numa crise econômica sem precedentes, o que, naturalmente, altera o humor e a condição dos nacionais frente a copa russa, especialmente pensando-se, também, no enorme vexame patrocinado pelo selecionado nacional há quatro anos, aqui mesmo no Brasil.
No entanto, o decantado desinteresse dos brasileiros pela atual copa de mundo, como assim está posto, pelo menos até agora, destoa da realidade que se vive no país com os “feriados forçados “ e a ausência do povo circulando pelas ruas em dias de jogos do Brasil, como mais uma vez estamos presenciando.
E recordemos, também, que à medida em que o selecionado nacional for avançando na copa do mundo mais crescerá o interesse por sua performance.
E não será surpresa alguma que se o selecionado nacional chegar à final e ainda vencê-la venha a ocorrer uma explosão de júbilo e alegria, inclusive entre aqueles que esperam, por qualquer motivo que seja, pelo fracasso do selecionado nacional.
Neymar Júnior, ex-jogador de futebol do Santos, com passagem pelo Barcelona e (agora) atuando no PSG (França) não sai da mídia, pelo menos por daqui, mas não só, reconheçamos, seja por conta de seu cabelo, seja por sua namoradinha insossa e atriz de capacidade duvidosa, seja pelo seu futebol exuberante, futebol no qual a maioria dos nacionais leva fé para o país ganhar mais uma copa do mundo; fé que todos parecem ter, mesmo aqueles que dizem detestá-lo, odiá-lo, despreza-lo (ou perto disso).
Igualmente, então, “botam a maior fé” em Neymar Júnior aqueles que o identificam como o cara (favor não confundir o cara do Lula, na infelicidade precipitada de Osama, depois da enxurrada de denúncias que o cercam).
Todos, em uníssono, esperam ansiosamente pela redenção do futebol brasileiro, mesmo aqueles que teimam em menosprezar o esporte e o jogador nacional.
Neymar Júnior não é apenas o cara (pelo menos para nós, brasileiros) como teve a cara e a coragem (minha mãe diria “a pachorra”) de desprezar o Barcelona em meio a um contrato e se mandar para o França.
Os argumentos dos sem-argumentos são variados: Neymar Júnior foi pela grana do PSG; Neymar Júnior não queria permanecer à sombra do argentino Messi.
Pode ser qualquer uma dessa coisas juntas ou separadas, como igualmente pode ser pura birra de moleque (“muleke”) ou as três coisas juntas ou nenhuma dela.
Vai saber o que passa pela cabeça e pelas vontades do “muleke”?
A única coisa com concreta para se dizer a respeito é que há muito despeito e mágoa nessa parada, especialmente recordando-se que Neymar Júnior apoiou, na eleição presidencial de há quatro anos, um candidato preterindo a outra candidata.
Esse barril de pólvora no qual o Brasil foi lançado explode continuamente e antecipa a grande explosão (o nosso big bang) e nos jogou num denso lamaçal de banalidades, ignorâncias, intolerâncias capaz de destilar um liquido fedido, uma mistura nauseabunda e horrenda de política com futebol.
Blog Vinicius de Santana: Maradona beija Pelé ao lado de Putim, em cerimônia da copa da Rússia.
Alguém estava-se referindo a uma fábula, da qual eu já ouvira falar, mas nunca lhe dei muita importância, sobre um sujeito que jogava cascas de banana para que ele mesmo escorregasse.
Não sei exatamente por que se proliferou a ideia de que apenas cascas de bananas possam provocar tombos. A rigor, boa parte das frutas (tropicais) tem essa capacidade e destaco aqui a casca da manga.
Mas, enfim, a história não é sobre cascas, mas sim sobre as armadilhas que criamos para nós mesmo e que no futuro nos parecerão ridículas e de difícil sustentação e alvo de escárnio de outras pessoas.
Não posso esquecer aqui (embora já esteja parcialmente esquecida) a história inverossímil do terço do papa “destinado a Lula” e uma historieta mais recente dando conta de que Maradona puxou, na estreia da Argentina na copa de Rússia, um coro de “olé, olá, Lula, Lula”.
Fôssemos um pouco mais atentos estaríamos nos perguntando que razões levariam o papa Francisco a se indispor com a justiça brasileira e com o próprio Estado nacional, Francisco que é chefe de Estado (Vaticano), a menos que ele quisesse mandar seus exército de cruzados invadir o Brasil e libertar o Lula.
Raciocínio semelhante deveria também nos levar a perguntar as razões que moveriam Maradona, por que “todos” os argentinos o seguiram nesse “olê, olá” e, ambos, acabariam por contaminar “todo o estádio” nessa gritaria pró-Lula.
Ver alguma lógica nesses dois acontecimentos é como buscar agulha em palheiro.
Futebol, a caixinha
Quando a seleção brasileira foi ao México para ganhar a terceira copa do Mundo saiu daqui debaixo de pedradas (não literal, mas irada e irônica).
As críticas eram ferozes e previam que o selecionado nacional dificilmente passaria pela fase de grupos.
Tratava-se de uma mistura de provincianismo/bairrismo com um ódio visceral à ditadura militar, aliás, ódio bastante justificado.
O que resultou da jornada brasileira no México é história bastante conhecida.
O Brasil chegou à Rússia, em 2018, segundo nós mesmos (ou pelo menos a maioria de nós), com um técnico inteligente e moderno e com o melhor elenco (quiçá o melhor de todos os tempo), prontos para, num piscar de olhos, “trazer mais um caneco para casa”.
Um empate na primeira rodada fez desmoronar o sonho e trouxe sérias dúvidas a respeito da inteligência do treinador e da capacidade do elenco.
Claro que tudo isso pode mudar na segunda partida ou pode aprofundar a desconfiança, desmentindo, porém, o clima de euforia que cercou o selecionado antes do embarque.
Ou seja, mais uma vez estamos nos precipitando, reféns que somos, nós, brasileiros, das aparências apressadas, precipitadas e quase sempre enganosas.
O Brasil vai à copa da Rússia, que se inicia daqui a pouco, dividido.
Na verdade não dividido – o que, a rigor, pressupõe partido em dois, em dois pedaços – mas fraturado ou trincado em três pedaços disformes.
De um lado estão aqueles que irão torcer pelo selecionado, desbragada ou discretamente.
Esse povo eufórico com os feitos da seleção tem diminuído bastante – e não é de hoje – na medida contrária em que cresce o número dos discretos, que muitas vezes, porém, se cansam e deixam de torcer para “Neymar e Cia”.
O que nós estamos presenciando nos últimos tempos – e não é apenas após os eventos de junho de 2013 – é um brasileiro, embora ainda perdido, sem saber que rumo irá tomar mais crítico, mais cético e mais cínico.
Creio que em algum momento do passado recente nós perdemos a nossa inocência.
Quem sabe tenha sido durante a ditadura militar, mas isso é impossível de se saber sem que se façam estudos profundos sobre nosso comportamento, o que me parece ninguém tenha ainda feito, pelo menos que eu saiba.
A outra banda dessa fissura é formada por aqueles que garantem não torcer – de jeito nenhum – e até torcer contra pelo selecionado nacional.
É fácil perceber quem é essa gente, até porque ela faz questão de afirmar-se.
Trata-se de esquerdistas(e)petistas humilhados pelas ofensas dirigidas a então presidente Dilma Rousseff momentos antes do início da copa disputada no Brasil em 2014.
Mais há mais outra razão mais severa e mais impactante: as acachapantes derrotas para a Alemanha (7 a 1) e para a Holanda (3 a 0).
Sem medo de copiar bisonhamente uma ideia velhíssima vinda do século passado, a esquerda(e)petista reconstruiu uma teoria da conspiração (lá na França, contra a França; aqui no Brasil contra a Alemanha e depois contra a Holanda) garantindo que o Brasil “vendeu” a copa do mundo para poder derrubar mais facilmente a Dilma da presidência, como se com “venda” ou “não-venda” a presidente tivesse alguma condição de permanecer no Palácio do Planalto.
A terceira parte, que parece de longe a maior das três, é indiferente não apenas à própria copa do mundo como ao próprio futebol.
Argumentam as esquerdas(e)petistas que esse desinteresse, desencanto, que beiraria os 70%, é o resultado do eles chamam de golpe contra a Dilma e agora contra o principal ídolo das esquerdas(e)petistas, qual seja Luiz Inácio Lula da Silva.
Trata-se de um argumento que não se sustenta, pois historicamente 60% dos brasileiros não “apreciam” futebol.
Se esse índice “cresceu” 10 pontos percentuais não é exatamente uma surpresa, principalmente sabendo-se que muitos dos críticos do selecionado tendem a engrossar esta terceira fatia.
E é anda de se observar duas questões:
(1) parte dessa torcida “contra” deverá passar a torcer pelo Brasil, mesmo que discretamente – aliás, como é de costume;
(2) o índice de indiferentes pela copa (60%? 70%?) tende a cair ao longo do torneio, especialmente se o Brasil for avançando (o que deverá acontecer) até se classificar para a final.
[O ciclo progressista na América do Sul chegou ao fim e está em crescimento uma nova direita, “mais ofensiva e militante que as anteriores”, entende o uruguaio Raúl Zibechi. Ele elenca três fatores para se chegar a esta conjuntura: citando Noam Chomsky, afirma que “os EstadosUnidos já não possuem a força para impulsionar golpes e acabam por apoiar as direitas de cada país”; sob governos progressistas, as direitas se tornaram mais fortes; por fim, a incompreensão da esquerda após a crise de 2008 e a reativação dos movimentos populares, e, conforme Zibechi, “quando a esquerda não compreende, põe a culpa na direita, no império e nos meios de comunicação”.
Ao avaliar as possibilidades para um projeto político de esquerda, aponta que o principal limite é o Estado. “O poder estatal é um problema grave que transforma os revolucionários em uma nova burguesia de gestores, que não são proprietários dos meios de produção, mas, a partir do poder, os administram em benefício da nação e de si mesmos”, avalia em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. No seu entendimento, “as possibilidades da esquerdacomeçariam a surgir se a derrota do1% que está no topo fosse discutida seriamente. Sem isso, não há nada a ser feito”.
Na atual conjuntura, observa que “a esquerda necessita de um projeto de transformação da sociedade que não passe necessariamente pela ocupação do Estado”. Para Zibechi, “ser de esquerda é assentar as bases éticas e organizacionais para que os movimentos populares perdurem no tempo, ainda que sejam derrotados, o que não é algo negativo”. Ele sugere que a esquerda se desfoque “das agendas eleitorais, algo que está muito longe de passar pela mente dos dirigentes sindicais e dos partidos de esquerda”.
Para Zibechi, o ciclo progressista se caracteriza pelos altos preços das commodities, “que permitiu que os governos pudessem melhorar a situação dos pobres, sem tocar nos interesses dos ricos”. Durou pouco tempo. Ele estima que entre 2008 e 2010, “e a partir desse momento, com a queda dos preços das exportações, toda a estrutura começou a ranger, pois, não havendo mais superávits, os recursos para seguir melhorando a situação dos setores populares começam a ficar escassos, e a direita toma a dianteira”.
Na sua visão, uma nova direita está emergindo no mundo e também na América Latina. Ela “tem uma profunda rejeição a negros e pobres, ainda que aceite a maconha e os gays”. Seu projeto é “muito elitista, muito mais do que a direita de 64, porque aquela queria domesticar os pobres e esta – eles não comentam – quer exterminá-los”. De outro lado, “a esquerda não está nada preparada para enfrentá-la, nem no terreno militante, nem no ideológico”.]
Veja entrevista especial na íntegra com Raúl Zibechi em IHU.Unisinos.
Até maio de 1984 conhecia a Amazônia por sua periferia.
Explico: atravessei algumas vezes o hoje Estado de Tocantins; fui ao sul do Pará vez ou outra; nadei e naveguei no Tocantins, no Araguaia e em alguns de seus afluentes, mas nunca havia entrado (adentrado, como gostam de dizer os brasilienses) no interior da floresta, coisa que ocorreu apenas alguns meses após a nossa chegada (a de minha família e minha).
Foi uma experiência singular para um sujeito como eu, que não era da região, e que por lá é conhecido como “paulista”, mesmo não sendo, o que não é o meu caso.
Entrei no interior da floresta em outras ocasiões , mas a “primeira entrada a gente nunca esquece”.
Trilhamos um longo caminho até chegarmos ao destino, um “banho”, um local onde se banha e se diverte, “perdido” no meio da floresta, às margens de um igarapé sem nome, ou pelo menos eu nunca soube que tivesse um.
A Amazônia é uma suntuosidade, mas estamos muito próximo de perdê-la.
Agora se tenta avançar sobre a floresta com o cultivo de cana-de-açúcar, o que deve ser aprovado em breve pelo Senado, e, obviamente, o governo de Michel Temer não mexerá uma palha para deter a insânia.
Quando eu era ainda criança costumava me assustar com duas histórias sobre a Amazônia.
– a Amazônia seria totalmente destruída até no máximo o ano de 2000;
– a hileia é o pulmão do mundo e destruí-la significará a morte de todas as espécies – humanos no meio desse holocausto.
A destruição da Amazônia espera-se para breve, mas a história do pulmão do mundo não passa de uma enorme besteira como se pode ver por aqui [1].
Na segunda oportunidade em que entrei no interior da floresta acabei caindo num enorme buraco (havia chovido muito) e cheguei em casam assustando todo mundo, pois meu corpo todo era uma lama só.
Há histórias e histórias nesses 6 anos e tanto em que vivi na Amazônia, mas essas reminiscências serão contadas (se forem) aos poucos, em conta gotas.
[1] Pulmão do mundo. No que você pensa ao ouvir essa expressão? Ora, só dá para imaginar que a Amazônia é a maior produtora mundial do oxigênio que mantém a Terra viva! Acontece que essa história de “pulmão do mundo” é uma enorme bobagem. Na verdade, são as algas marinhas que fazem a maior parte desse trabalho – elas jogam na atmosfera quase 55% de todo o oxigênio produzido no planeta. E mais: florestas como a Amazônia, segundo os cientistas, são ambientes em clímax ecológico. Isso quer dizer que elas consomem todo – ou quase todo – o oxigênio que produzem.
As estimativas variam, mas todas indicam que a parcela de oxigênio excedente fornecida pela Amazônia para o mundo é bem pequena. Talvez ela nem exista! É que, além de produzir oxigênio na fotossíntese (enquanto sequestram gás carbônico da atmosfera e o transformam em matéria-prima para galhos e folhas), as árvores também respiram – consumindo oxigênio e liberando gás carbônico. No fim, a relação produção/consumo tende a ficar no empate.
Isso não significa, contudo, que derrubar a floresta teria impacto zero sobre o clima do planeta. Ao contrário: quando não alimentam a indústria legal ou ilegal de madeira, árvores derrubadas se decompõem, liberando gás carbônico e agravando o problema do aquecimento global. Além disso, já se sabe que, de várias maneiras, a Amazônia produz sua própria chuva e influencia o regime pluviométrico de outras regiões. Segundo os cientistas, ela lança na atmosfera uma quantidade inimaginável de partículas de origem biológica – de pedacinhos de plantas a fungos e moléculas orgânicas. Levadas pelo vento, essas partículas acabam virando núcleos de condensação de nuvens (em torno dos quais o vapor d’água se transforma em gotículas ou cristais de gelo). É por isso, entre outros fatores, que as chuvas são tão abundantes na Amazônia. Quanto mais o desmatamento avança, mais elas tendem a rarear – colocando em risco o delicado equilíbrio da floresta.
E o que também é provável: ninguém irá decidir coisa alguma, protelando a análise para mais tarde, não se sabe para quando.
Aliás, esta terceira hipótese seria um vexame extraordinário, um constrangimento para o Supremo.
Supremo que na matéria HC, após a segunda instância, já andou variando, ora sendo contra conceder o HC , ora sendo a favor.
Pensando bem, para que precisamos de uma justiça que nem sabe ao certo o que faz, desconhece que caminho tomar, se obedece ou não a constituição federal (no caso, a de 1988)? Então pra que serve a constituição?
Deveríamos voltar aos tempos do fio do bigode?
O ego, sempre ele, o ego
Essa geste toda, de todas as instâncias, de todos os tribunais de justiça (estou generalizando de propósito, embora toda a generalização seja injusta) aparenta estar mais preocupada com os holofotes da mídia, em aparecer (em SP se diz “em se aparecer” – o que é um horror) do que exatamente em cumprir o que reza a CT e dar as satisfações a nós, o público, o povo; às cidadãs e aos cidadãos brasileiras/os.
Um dia vou convencer todo mundo da inutilidade da (in)justiça. Vão aguardando aí.
E antes que esse dia chegue, e para ajudar na reflexão as senhoras juízas e dos senhores juízes, seguem abaixo alguns textos com o quais topei recentemente e que devem ser bastante úteis para amainar os egos deles todos.
Se não servirem para eles, quem sabe sirvam para alguns de vocês.