A feiura não assusta, o que assusta é a estupidez

Feia
Reprodução: YouTube

Hoje uma jovem blogueira estava reclamando na Folha de São Paulo/UOL que pelas razões mais banais do mundo as pessoas se referem às mulheres chamando-as de “feias”.

Ela anotou ainda que a prática se disseminou muito pelas redes sociais.

Aos homens normalmente nos referimos chamando-os de filhos-da-puta, veados e de outras delicadezas do gênero.

Mas se você quer saber: dói mais chamar uma mulher de “feia” do que um homem de filho-da-puta ou veado.

Isso é bastante estranho, mas é assim mesmo.

Qual mulher aceita de bom grado ser chamada de feia? Nem as notoriamente feias (e mulher feia é que não nos faltam).

A esperança da jovem blogueira reside no fato (notório) de ainda estarmos na puberdade das redes sociais o que nos levaria a saber que quando chegarmos à maturidade (das redes) seremos, com quase absoluta certeza, civilizados, e não mais venhamos a chamar as mulheres de feias e nem os homens de filhos-da-puta e de veados.

Pode até ser que isso aconteça, mas com isso eu não me preocuparia tanto.

Acho que em tempos de redes sociais há uma outra bizarrice bastante pior e, creio, de resolução impossível.

Estou falando daquela prática corriqueira de “seguir” gente famosa nas redes sociais.

A cantora Annita, por exemplo, deve ter alguns milhões de seguidores.

Um jogador de futebol que disputou ou ainda está disputando a copa da Rússia tem mais seguidores do que a população de seu país (somando-se aí gente que no país do craque sequer tem acesso à internet).

O que explica isso?

Para mim é um fenômeno sui generis, irracional – portanto sem explicação.

Mas há ainda algo pior nesse descalabro todo.

As redes sociais foram criadas para unir as pessoas, juntá-las, seja em diálogos difusos e à distância, seja nas trocas de ideias e de informações, mesmo que essas trocas não passem de receitas de bolos.

Pois então, as redes sociais realmente nos unem, certo!

Errado! Elas nos separam, como todos nós já estamos carecas de saber, mesmo quem não é careca!

Mas espere que tem mais ainda!

Ok! Eu e você seguimos a Annita e o tal jogador de futebol.

E daí?

Eles sabem ao menos que nós existimos?

Em algum momento de suas carreiras, quando a decadência chegar (e vai chegar!), eles vão manter contato com você e comigo?

Márcio Tadeu dos Santos

“A sociedade dos empregos de merda”

Trabalho
Reprodução

[Em 1930, o economista britânico John Maynard Keynes previu que, no final do século 20, países como os Estados Unidos teriam – ou deveriam ter – jornadas de trabalho de 15 horas semanais. Por que? Em grande medida, a tecnologia tiraria de nossas mãos tarefas sem sentido. Claro, isso nunca ocorreu. Ao contrário, muitíssimas pessoas, em todo o mundo, estão submetidas a longas jornadas como advogados corporativos, consultores, operadores de telemarketing e outras ocupações.

Mas enquanto muitos de nós julgamos nossos trabalhos muito aborrecidos, algumas ocupações não fazem sentido algum, segundo o escritor anarquista David Graeber. Em seu novo livro, “Bullshit Jobs: A Theory” [“Trabalhos de Merda: Uma Teoria”], o autor argumenta que os seres humanos consomem suas vidas, muito frequentemente, em atividades assalariadas inúteis. Graeber, que nasceu nos EUA e que já havia escrito, entre outras obras, Dívida: Os Primeiros 5000 anos e The Utopia of Rules [ainda sem edição em português] é professor de Antropologia na London School of Economics e uma das vozes mais conhecidas do movimento Occupy Wall Street (atribui-se a ele a frase “Somos os 99%”).

A “Vice” encontrou-se há pouco com Graeber para conversar sobre o que ele define como “emprego de merda”; por que os trabalhos socialmente úteis são tão mal pagos, e como uma renda básica assegurada a todos poderia resolver esta enorme injustiça.

Em primeiro lugar, o que são empregos de merda e por que existem?

David Graeber: Basicamente, um emprego de merda é aquele cujo executor pensa secretamente que sua atividade ou é completamente sem sentido, ou não produz nada. E também considera que se aquele emprego desaparecesse, o mundo poderia inclusive converter-se num lugar melhor. Mas o trabalhador não pode admitir isso – daí o elemento de merda. Trata-se, portanto, em essência, de fingir que se está fazendo algo útil, só que não.

Uma série de fatores contribuiu para criar esta situação estranha. Um deles é a filosofia geral de que o trabalho – não importa qual – é sempre bom. Se há algo em que a esquerda e a direita clássicas frequentemente estão de acordo é no fato de ambas concordarem que mais empregos são uma solução para qualquer problema. Não se fala em “bons” trabalhos, que de fato signifiquem algo. Um conservador, para o qual precisamos reduzir impostos para estimular os “criadores de emprego”, não falará sobre que tipo de ocupações quer criar. Mas há também partidários da esquerda insistindo em como precisamos de mais ocupações para apoiar as famílias que trabalham duro. Mas e as famílias que desejam trabalhar moderadamente? Quem as apoiará?

Até mesmo os empregos de merda garantem a renda necessária para que as pessoas sobrevivam. No fim das contas, por que isso é ruim?

Mas a questão é: se a sociedade tem os meios para sustentar todo mundo – o que é verdade – por que insistimos em que os trabalhadores passem sua vida cavando e em seguida tapando buracos? Não faz muito sentido, certo? Em termos sociais, parece sadismo.

Em termos individuais, isso pode ser visto como uma boa troca. Mas, na verdade, as pessoas obrigadas a tais trabalhos estão em situação miserável. Podem considerar: “estou ganhando algo por nada”. Bem, as pessoas que recebem salários bons, muitas vezes de nível executivo, certamente de classe média, quase sempre passam o dia em jogos de computador ou atualizando seus perfis de Facebook. Quem sabe, atendendo o telefone duas vezes por dia. Deveriam estar felizes por ser malandros, certo? Mas não são.

As pessoas contratadas para tais trabalhos relatam, regularmente, que estão deprimidas. E se lamentarão, e praticarão bullying umas contra as outras, e se apavorarão com prazos finais porque são de fato muito raras. Porém, se pudessem buscar uma razão social no trabalho, uma boa parte de suas atividades desapareceria. As doenças psicossomáticas de que as pessoas padecem simplesmente somem, no momento em que elas precisam realizar uma tarefa real, ou em que se demitem e partem para um trabalho de verdade.

Segundo seu livro, a sociedade pressiona os jovens estudantes para buscar alguma experiência de emprego, com o único objetivo de ensiná-los a fingir que trabalham

É interessante. Chamo de trabalho real aquele em que o trabalhador realiza alguma coisa. Se você é estudante, trata-se de escrever. Preparar projetos. Se você é um estudante de Ciências, faz atividades de laboratório. Presta exames. É condicionado pelos resultados e precisa organizar sua atividade da maneira mais efetiva possível para chegar a eles.

Porém, os empregos oferecidos aos estudantes frequentemente implicam não fazer nada. Muitas vezes, são funções administrativas onde eles simplesmente rearranjam papéis o dia inteiro. Na verdade, estão sendo ensinados a não se queixar e a compreender que, assim que terminarem os estudos, não serão mais julgados pelos resultados – mas, essencialmente, pela habilidade em cumprir ordens.

E os empregos tecnológicos ou na mídia. Seriam, também, de merda?

Certamente. Por meio do Twitter, pedi às pessoas que me relatassem seus empregos mais sem sentido. Obtive centenas de respostas. Havia um rapaz, por exemplo, que desenhava bâners publicitários para páginas web. Disse que havia dados demonstrando que ninguém nunca clica nestes anúncios. Mas era preciso manipular os dados para “demonstrar” aos clientes que havia visualizações – para que as pessoas julgassem o trabalho importante.

Na mídia, ha um exemplo interessante: revistas e jornais internos, para grandes corporações. Há bastante gente envolvida na produção deste material, que existe principalmente para que os executivos sintam-se bem a respeito de si próprios. Ninguém mais lê estas publicações.

A automação é vista, muitas vezes, como algo negativo. Você discorda deste ponto de vista, não?

Certamente. Não o compreendo. Por que não deveríamos eliminar os trabalhos desagradáveis? Em 1900 ou 1950, quando se imaginava o futuro, pensava-se: “As pessoas estarão trabalhando 15 horas por semana. É ótimo, porque os robôs farão o trabalho por nós”. Hoje, este futuro chegou e dizemos: ”Oh, não. Os robôs estão chegando para roubar nossos trabalhos”. Em parte, é porque não podemos mais imaginar o que faríamos conosco mesmo se tivéssemos um tempo razoável de lazer.

Como antropólogo, sei perfeitamente que tempo abundante de lazer não irá levar a maioria das pessoas à depressão. As pessoas encontram o que fazer. Apenas não sabemos que tipo de atividade seria, porque não temos tempo de lazer suficiente para imaginar.

Pergunto: por que as pessoas agem como se a perspectiva de eliminar o trabalho desnecessário fosse um problema? Deveríamos pensar que um sistema eficiente é aquele em que se pode dizer: “Bem, temos menos necessidade de trabalho. Vamos redistribuir o trabalho necessário de maneira equitativa”. Por que isso é difícil? Se as pessoas simplesmente assumem que é algo completamente impossível, parece-me claro que não estamos em um sistema eficiente.

Um dos pontos mais interessantes do livro são suas observações sobre como os empregos socialmente valiosos são quase sempre menos bem pagos que os empregos de merda.

Foi uma das coisas que, pessoalmente, mais me chocou na fase da pesquisa. Comecei a tentar descobrir se algum economista havia observado o fenômeno e tentado explicá-lo. Houve antecedentes, na verdade. Alguns eram economistas de esquerda; outros, não. Alguns eram totalmente mainstream.

Mas todos chegaram à mesma conclusão. Segundo eles, há uma tendência: quanto mais benefícios sociais um emprego produz, menor tende a ser a remuneração – e também a dignidade, o respeito e os benefícios. É curioso. Há poucas exceções e não são tão excepcionais como se poderia pensar. Os médicos, é claro, são um caso notório: é evidente que são pagos com justiça e oferecem benefícios sociais.

Porém, há um argumento recorrente: “Não seria bom que pessoas interessadas apenas em dinheiro ensinassem as crianças. Não se deve pagar demais aos professores. Se o fizéssemos, teríamos gente gananciosa na profissão, em vez de professores que se sacrificam”. Há também a ideia de que se um trabalhador sabe que sua atividade produz benefícios, isso pode ser o bastante. “Como, você quer dinheiro, além de tudo?” As pessoas tendem a discriminar qualquer um que tenha escolhido um emprego altruísta, sacrificante ou apenas útil.

Aparentemente, você é pouco favorável à ideia de garantia de trabalho, defendida entre outros por Bernie Sanders [candidato de esquerda à presidência dos EUA], por preferir a garantia de renda cidadã.

Sim. Sou alguém que não quer criar mais burocracia e mais empregos de merda. Há um debate sobre garantia de trabalho – que Sanders, de fato, propõe, nos EUA. Significa que os governos deveriam assegurar que todos tenham acesso ao menos a algum tipo de trabalho. Mas a ideia por trás da renda universal da cidadania é outra: simplesmente assegurar às pessoas meios suficientes para viver com dignidade. Além desse patamar, cada um pode definir quanto mais deseja.

Acredito que a garantia de trabalho certamente criaria mais empregos de merda. Historicamente, é o que sempre acontece. E por que deveríamos querer que os governos decidissem o que podemos fazer? Liberdade implica em nossa capacidade de decidir por nós mesmos o que queremos e como queremos contribuir para a sociedade. Mas vivemos como se tivéssemos nos condicionado a pensar que, embora vejamos na liberdade o valor mais alto, na verdade não a desejamos. A renda básica da cidadania ajudaria a garantir exatamente isso. Não seria ótimo dizer: “Você não tem mais que se preocupar com a sobrevivência. Vá e decida o que quer fazer consigo mesmo”?]

David Graeber, entrevistado por Eric Allen Been, na Vice,  tradução: Antonio Martins, para Outras Palavras.

Siga sempre o líder e seja infeliz para sempre

Desobedeca
A Luz é Invencível – WordPress.com

Nós todos conhecemos aquele sujeito que não tem ideias próprias.

Ele está sempre seguindo aquilo que alguém disse, muitas vezes discretamente, mas noutras tantas com uma fidelidade canina, a ponto de transformar o dizer do outro num dogma.

Claro está que o ser humano construiu, desde os primórdios da criação, um saber (conhecimento) que nos é muito útil, especialmente para saber que rumo poderemos tomar.

Perceba: o verbo não é “dever” (tomar), mas sim “poder” tomar.

É claro que não há problema algum em seguir aquilo que já foi dito e ensinado anteriormente.

Mas a questão não é exatamente essa, mas sim que há certo tipo de pessoa que molda toda a sua existência em “verdades” que já passaram há muito tempo para o campo da obsolescência.

Moldar toda a vida dessa forma é, além de tudo, um perigo, posto que esteja no senso comum a sedimentação das ideias arraigadas das quais se originam os preconceitos e as intolerâncias.

Fico a imaginar o desconforto pelo qual passou o escritor e filósofo norte-americano Henry Thoreau com a mesmice que se apossou do mundo, o que poderíamos classificar de uma pandemia.

Entre os muitos escritos do Thoreau há alguns muito importantes e essenciais: “Walden” e “Desobediência Civil”, por exemplo – ambos estão também em suas versões e-book e podem ser encontrados facilmente na internet (são gratuitos).

Para quem não é familiarizado com a leitura ou não gosta ler (“porque ela dá sono” – muita gente dá essa desculpa bastante esfarrapada) recomendo no YouTubeWalden; ou, A Vida nos Bosques” e “Thoreau por Daniel Puglia”.

Uma dica: ao pesquisar, fuja daqueles vídeos de gente jovem, especialmente aqueles que começam a falar em “minimalismo”.

Uma lembrança (referência) importante: Thoreau influenciou profundamente Martin Luther King e Mahatma Ghandi, e, obviamente, toda contra-cultura norte-americana (hippie) que transformou o lago Walden num santuário, o que certamente teria irritado o filósofo – caso fosse vivo na época.

Trechos

“Aceito com entusiasmo o lema “O melhor governo é o que menos governa”; e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente. Levado às últimas conseqüências, este lema significa o seguinte, no que também creio: “O melhor governo é o que não governa de modo algum”; e, quando os homens estiverem preparados, será esse o tipo de governo que terão. O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes uma inconveniência, e todo o governo algum dia acaba por ser inconveniente. As objeções que têm sido levantadas contra a existência de um exército permanente, numerosas e substantivas, e que merecem prevalecer, podem também, no fim das contas, servir para protestar contra um governo permanente. O exército permanente é apenas um braço do governo permanente. O próprio governo, que é simplesmente uma forma que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente sujeito a abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir através dele. Prova disso é a atual guerra contra o México, obra de um número relativamente pequeno de indivíduos que usam o governo permanente como um instrumento particular; isso porque o povo não teria consentido, de início, uma iniciativa dessas.”

Primeiro Parágrafo de “Desobediência Civil” (Henry Thoreau)

= = = = =

“Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida.”

Walden – A vida nos bosques (Henry Thoreau)

Alguns exemplos de como o respeito e a solidariedade costumam andar ausentes no Brasil

Desert
Deserto / Reprodução

Apesar da baixa temperatura e de um chuvisco fui pela manhã a uma padaria próxima de casa.

É uma boa descida e depois, voltando, uma subida razoavelmente íngreme, frente à qual muita gente encontra dificuldades, inclusive eu.

Sei que não posso abusar do “menu”, mas vez ou outra vou à padaria tomar café com leite e comer “pão (francês) com ovo”.

Aqui em São Paulo se fala “pão francês”. Em outras regiões brasileiras se dão outros nomes ao pão, e o mais comum deles é “pão de sal”.

“Pão de sal” é um nome tão impróprio para identificar o produto quanto “pão francês”, que não existe e nunca existiu na França.

No portal Vila Mariana diz-se que : “A receita desse pão, branquinho e fofo, que cabe na palma da mão, surgiu no Brasil no começo do século XX e antes de 1914, data de início da Primeira Guerra Mundial… O nosso pão francês não tem muito a ver com os pães da França. Sua receita foi criada na tentativa de reproduzir um pão popular na cidade de Paris da época, curto, cilíndrico, com miolo branco e casca dourada, mas acabou por tornar-se bem diferente dele por conter um pouco de açúcar e gordura na massa”.

Só não está claro onde exatamente “nasceu” o “pão francês” brasileiro

O pão com ovo me reservou um incômodo: na hora de a atendente de balcão entregar  o pedido ela me deu um pão com manteiga na chapa e o “como ovo”, que era meu, a um sujeito que estava ao lado.

Reclamei imediatamente da troca mas não deu tempo para que a moça reagisse, pois o sujeito ao lado já tinha abocanhado a metade do “sanduba”

Ao lado da desatenção nada profissional da atendente, é de se perguntar como o sujeito ao lado não percebeu que o “sanduba”  era de ovo e não o que ele havia pedido?

Talvez, por que não, ele estivesse tentando aplicar aquela velha malandragem de “levar vantagem em tudo” – afinal “pão com ovo” custa mais que o pão com manteiga na chapa.

Resolvida a questão sanduíche saí e encontrei um jovem morador de rua que fica nas proximidades.

A história que conta é que seria de Sorocaba (interior de São Paulo) e fora cabeleireiro, mas que, ao longo da jornada de sua vida, que não é das maiores, passou a usar droga e foi parar nas ruas, provavelmente expulso pela família – o que, aliás, é uma história bem  recorrente.

Apesar dos percalços que a vida lhe impôs ele se mostrou muito preocupado comigo, que estava com uma alpercata e de bermuda “com esse frio”.

Não sei se o glutão  do “sanduba”, além de se apropriar do sanduíche alheio, teria um olhar condescendente para com o morador de rua.

Acho pouco provável.

Marcio Tadeu dos Santos

Tento vencer meus medos, mas não sei se dará tempo de vencê-los todos

Ressonancia
Foto: SalomãoZoppi Diagnósticos (obviamente não sou eu na foto, mas uma jovem mulher, mas vale a título de lustração)

Sou bastante lento e lerdo para vencer os meus medos e as minhas paranóias.

Já adulto e com filhas, me envergonhava por não conseguir colocar minha cabeça sob a água enquanto nadava (hidrofobia).

Isso me parecia patético e irreal, fantasioso, mas era isso mesmo que acontecia comigo.

E olha que morei em cidades praianas; também próximo a rios, e aprendi a nadar bastante cedo nas piscinas de Morro Grande, em Cotia, e num “tanque” razoavelmente grande que havia mais ou menos nas proximidades de casa.

Sempre me intrigou essa história de eu buscar avidamente, como uma quase ginástica, nunca submergir ou, pelo menos, colocar minha cabeça sob as águas.

Quando eu era ainda bem criança (provavelmente tinha 2 ou 3 anos) cai na banheira da casa de minha avó, que, àquela época, paupérrima, “fazia” roupas para filhos e netos de sacas de farinha de milho.

As sacas eram colocadas na banheira para “soltar” aquela farinha toda, antes da costura.

E foi aí que cai; submergi e fiquei apenas batendo minhas gorduchas perninhas, até que uma de minha prima viesse me socorrer.

Talvez ela estivesse com vontade de “ir ao banheiro”.

Creio que fui salvo por uma mijada – mais isso me marcou um bocado.

Identificado meu pavor por água, resolvi tomar coragem e, pelo menos, colocar minha cabeça em uma onda.

Pronto! Estava resolvida a questão!

O mais intrigante para mim, porém, era que em minha infância sonhava em ser marinheiro.

Não pensava muito no mar; preferia devanear pelos portos e pelas amantes.

Mas há uma outra passagem interessante.

Estávamos eu e um amigo, do qual não lembro sequer o nome, numa pequena balsa em um pequeno lago (aqueles formados pelas várzeas) quando lhe perguntei se sabia nadar.

Ele disse que não.

Chacoalhei a pequena balsa até ele cair na água, e fui “remando com as mãos” até a margem do lago, divertindo-me com seu desespero.

O amigo não morreu, mas me vi um psicopata.

Essa história ilustra outra.

Tenho um razoável medo de altura (acrofobia).

Certa vez tomei coragem e me equilibrei nos escombros de uma velha igreja até seu limite.

Fui, mas quem disse que conseguia voltar?

Pateticamente tive de retornar “de cavalinho” até um lugar seguro.

Ainda bem que ninguém estava presente para presenciar o meu pavor.

Mas nestes casos também depende da situação.

Quando posso me apoiar em alguma coisa o medo desaparece.

Já escalei íngremes encostas marinhas e já subi uma morraria bastante acentuada sem problema algum.

Desde que tenha onde me apoiar tudo vai bem.

Lugares fechados e de pouco espaço também me causam temores.

Várias vezes hesitei em tomar um avião.

Há algum tempo tive de fazer alguns testes por conta de uma falta de ar que supunha crônica.

Colocaram-me numa redoma de vidro bastante apertada.

Não consegui terminar o teste e pedi a sua interrupção.

Mas como nos dois casos anteriores tento evoluir e busco saídas para superar minha paúra.

Hoje fui ao Hospital do Coração, aqui em São Paulo, para uma ressonância magnética.

A coisa é mais ou menos assim: o colocam num tubo de espaço exíguo por 40 minutos, até que todo o exame termine.

Achei que deveria vencer mais este medo, mas fui logo avisando que sofro de claustrofobia.

Aconselharam-me a “entrar no tubo” de olhos fechados.

Até fiz isso, mas achei a alternativa (apesar de bem intencionada) um bocado ridícula, e acabei abrindo os olhos lá dentro, no interior do tubo.

Não aconteceu nada.

Creio que venci mais este medo, mas acho que eles poderiam colocar uma musiquinha para nos distrair.

Marcio Tadeu dos Santos

As razões que levam às razões custosas de entender

MundaoJá deu para perceber que greve não faz sucesso entre os meus parcos leitores.

Política faz um pouco, mas não muito.

Meus parcos leitores também não estão muito interessados nessas histórias ascensionais e de superações.

Pelo que pude apreender até agora, espero não estar muito enganado (só um pouco, aceito isso) eles gostam  das minhas historinhas, daquelas reminiscências – nem sempre verazes.

Gostam, também, creio eu, quando o assunto é linguagem, acho, principalmente os deslizes e os desvios que nós os jornalistas e comunicadores[1] (sic) cometemos.

Às vezes me aventuro pelas religiões (gostaria de me dedicar mais ao assunto, e talvez apenas dele tratar – mas esta não é uma tarefa das mais fáceis) e, aparentemente, a aceitação, neste caso,  é bastante boa.

Este público diminuto não é muito de “curtir”  ou de comentar, o que , me parece, uma boa opção, já que a maioria é formada por jovens e por  alguns não-jovens, mas  bastante joviais, de muito frescor, que vive num outro tempo e em um novo espaço.

Sintoma deste “hoje em dia”.

Estamos em tempo niilistas?

Talvez! Mas isso também soa desrespeitoso e, portanto , injusto e acusatório.

Mas, enfim,  que mal há nisso?

São pessoas que, apesar das aparências, gostam e consideram outras pessoas.

E que vagam por  ondas e por grupos não-fixos e nem uniformes e nem coesos, o que é uma marca, também, destes novos tempos.

Gente que não se deixa aprisionar por velhas ideologias, por  arcaicas utopias.

São viajante do tempo.

São viajante no tempo.

Nota

[1] Já que todos nos comunicamos, nunca entendi por que definir uma categoria em separado de comunicadores. Chacrinha dizia “quem não se comunicada, se trumbica” ( e não ‘estrumbica’ como alguns dizem.

A greve dos caminhoneiros está acabando com o Brasil e vai acabar com o mundo

Fim
Ilustração: Jornal Ciência

Talvez seja mania de grandeza, mas temos mesmo essa predisposição para ampliar as coisas.

Certa vez fui à Campinas, com dois amigos, assistir a uma partida de futebol entre o SPFC e a Ponte Preta.

Ao retornarmos ligamos o rádio do carro e um locutor dizia que iríamos encontrar dificuldades para chegar a São Paulo (ainda não existia o Rodoanel) por conta de “um enorme congestionamento” na rodovia.

Não nos preocupamos muito, mas ficamos curiosos para ver a que altura iríamos encontrar o tal congestionamento.

Não havia congestionamento algum.

Pelo que se conta e pelo que somos obrigados a ouvir nesta sexta-feira (25 de maio de 2018), São Paulo está um caos, muito próximo a um colapso, com milhares de quilômetros de congestionamento, com ônibus circulando parcialmente e com uma ruma enorme de pessoas se apertando no metrô.

Quem está em São Paulo pode constatar que não há nem mais, nem menos desses infortúnios à vista.

A própria TV, por exemplo, que está alardeando esse desconforto descomunal (sic) mostra com suas imagens que o trânsito flui normalmente e até com bastante rapidez.

Gostaria, um dia, de descobrir de onde tiramos essa mania por superlativos; por fins de mundo; por catástrofes descomunais.

Sinceramente não sei como ainda estamos vivos.

Tudo isso me parece muito incrível. Quase um milagre. Se não, um milagre inteiro, desses que até Deus duvida.

Talvez eu tenha uma vaga ideia do por que isso ocorre: as pessoas ficam presas demais a seus próprios mundinhos, reféns de seus vícios, de seus pecados, de seus medos, receita perfeita para supervalorizar doenças incuráveis, perigos invencíveis, catástrofe insuperáveis, desgraças inenarráveis. (MTS)

Se você não gosta da seleção brasileira por que irá gostar de política?

Brazil v Argentina - 2018 FIFA World Cup Russia Qualifier
Foto: MdeMulher

Ouço falar (mas não sei se a informação procede, pois não vi nenhuma delas) que pesquisas apontam um grande desinteresse pela copa do mundo na Rússia, e, consequentemente, pelo selecionado brasileiro.

O desinteresse pelo selecionado nacional não é exatamente uma novidade.

Gente mal humorada como eu deixou de “torcer” pelo “escrete nacional” já em 66, e alguns bem antes disso.

Mas tenho notado o crescimento desse desinteresse após a copa do México, em 1970, provavelmente por conta das atrocidades que foram praticadas pela ditadura militar (de 64 a 85).

Muita gente conta uma história difícil de acreditar dando conta de que mesmo presa e torturada torceu avidamente pelo selecionado, mesmo sabendo que Emílio Garrastazu Médici iria usar a Copa “politicamente” e como aval da ditadura.

Creio que essa gente contadora dessas histórias não comprovadas e nem comprováveis tomou–as de empréstimo dos argentinos, que, aliás, naquela copa do mundo não estiveram presentes.

O fato se deu, se é que se deu mesmo, 8 anos mais tarde, durante a copa do mundo disputada na própria Argentina.

Na contramão a esse (suposto?) desinteresse pelo mundial e pelo selecionado nacional haveria um interesse cada vez maior pela política, e, no caso, pelas eleições (gerais) que acontecerão em outubro.

Esta é outra afirmação temerária de se fazer, principalmente sabendo-se que índice superior a 20% (como é de costume) não deverá votar, e índice parecido (ou até maior) deve anular ou votar em branco.

Então é de se perguntar: onde está esse interesse todo pela política e pelas eleições vindouras?

No mundial passado, aqui no Brasil, boa parte da direita e dos conservadores torceu contra o selecionado nacional (só não se esperava, creio, pelos sete a um da Alemanha), e na inauguração de um dos estádios da copa chegou-se a ofender grotescamente a presidente (de então) Dilma Rousseff.

Estigmatizado junto com seu partido, o ex-presidente Lula sequer deu o ar de sua graça nos estádios, ele que se diz fanático torcedor tanto do Corinthians, quanto do selecionado nacional.

Derrubada Dilma, eis que chegamos a um novo mundial e agora quem parece torcer avidamente contra o selecionado nacional são as esquerdas, pois se teme que Temer venha a tirar proveito de um eventual sucesso do “escrete nacional”.

E como é de se esperar, da mesma forma que se proliferaram varias fake news no sentido de que o Brasil “vendeu” a copa passada para assim derrubar mais facilmente Dilma Rousseff, iremos ver a repetições dessa arenga estúpida e sem sentido.

Só que teremos de esperar para sabe com quais versões ela nos chegará

– se o Brasil ganhar a copa, certamente Temer e a direita compraram todo mundo, para assim solidificar e justificar o “golpe”;

– se o Brasil perder, certamente as esquerdas, via PT e Lula, compraram todos os jogadores brasileiros visando derrubar Temer e vencer as eleições de outubro. (MTS)

“A morte da privacidade”

Rprivazidade
Ilustração: Epoch Times[
[Encontrei um artigo intitulado “A morte da privacidade“, escrito por Alex Preston e publicado no The Guardian (online), há quase quatro anos. Mantendo a sua actualidade e profundidade de análise, merece ser lido.

O resumo é este:

O Google sabe o que você procura, o Facebook sabe o que você gosta. A partilha é a norma e o sigilo não é tido em conta. Quais são as consequências psicológicas e culturais do fim da privacidade?

Eis algumas ideias fortes:

Chegámos ao fim da privacidade, as nossas vidas privadas, ao contrário das dos nossos avós, passaram para o domínio da vergonha e do segredo. 

Através de muitas pequenas concessões que fomos fazendo progressivamente, destruímos direitos e privilégios pelos quais gerações anteriores lutaram, minando, assim, as bases da nossa personalidade. 

Chegámos a um ponto em que a maioria de nós aceita que as interacções sociais, financeiras e, até, sexuais ocorram pela internet e que alguém, em algum lugar, assista. Na verdade, tudo o que fazemos aí é impulsionado por fórmulas matemáticas complexas, que são invisíveis e misteriosas. 

Quando tomamos alguma consciência disto, sentimos uma nova forma de inquietação: estamos a ser investigados, processados e manipulados por via de uma inteligência artificial que tem por trás a inteligência humana.

Um exemplo é o projecto DRIP (Retenção de Dados e Investigações) no Reino Unido, que obriga as empresas que recolhem informações dos seus clientes a retê-las e armazená-las, podendo a polícia e o governo solicitá-las.  

Em geral, a princípio, observamos horrorizados este tipo de iniciativas, mas depressa passamos ao cinismo, pois temos ideia de que qualquer protesto da nossa parte será inútil. 

Importa perguntar: qual é o impacto pessoal e psicológico dessa perda de privacidade? Que protecção legal é oferecida a quem deseja defendê-la? 

Talvez seja tarde demais para fazer essa pergunta, pois chegámos a um momento em que o nosso quotidiano ultrapassou a ficção, ultrapassou as distopias, ultrapassou o “e, se…”. 

Recordemos, Yevgeny Zamyatin que concebeu, no seu romance We, de 1921, um “one state”, uma sociedade transparente sem privacidade. Seguem-se Orwell, Huxley, Bradbury, Atwood e outros que elegeram a usurpação da privacidade como um dos principais “ingredientes” do futuro totalitário. O romance The Circle, de Dave Eggers publicado em 2013, pinta um retrato de uma América sem privacidade: um império assente na internet pesquisa e controla a vida de todos, confiando na adesão ao seu lema: “Segredos são mentiras, compartilhar é cuidar e privacidade é roubo”. A heroína acaba por se desintegrar sob a pressão do escrutínio, tornando-se uma das hordas obedientes e sem rosto. Um outro romance recente – Meatspace, de Nikesh Shukla, publicado em 2014 – que explora a fusão das esferas do privado e do público, começa com as seguintes palavras da personagem principal, um escritor solitário cuja única ligação ao mundo é a internet: “a primeira e última coisa que faço todos os dias é ver o que estranhos estão dizendo sobre mim”. 

O nosso pensamento vai no sentido de julgar como suspeita qualquer coisa que se mantenha longe do olhar público, de modo que, menos alguns de nós, não querendo ser vistos como suspeitos, aceitam “partilhar” o que é privado. 

Mas talvez haja a razão mais importante que nos leva a ceder a essa “partilha” não seja, como alguns defendem, sermos  dóceis  ou ignorantes, incapazes de ver a complexa teia de interesses, sobretudo comerciais, que nos enredam; talvez seja porque entendemos perfeitamente a transacção que está em jogo. Ou seja, queremos manter a internet gratuita e sabemos que as empresas ganham dinheiro com algo que estamos dispostos a dar em troca, a nossa privacidade. Trocamos a privacidade pela riqueza de informações que a internet nos oferece, pela conveniência das compras on-line, pela aldeia global dos media. 

Essa troca leva-nos a aceitar o efeito normalizador da vigilância. Há uma auto-verificação do nosso comportamento quando sabemos que estamos sendo vigiados. É o “panóptico” de Jeremy Bentham, um modelo para as cadeia onde um único guarda podia observar uma prisão inteira, não importava se o guarda estava ou não a observar, a mera possibilidade de estar seria suficiente para garantir o cumprimento da norma. 

É neste ponto que nos encontramos, sob uma vigilância que pode parecer benigna, mas que denota um poder sombrio e controlador sobre todos. 

A mensagem subliminar que passa é se queremos mesmo manter algo privado, devemos tratá-lo como um segredo, mas de um modo semelhante ao que a personagem de 1984, Winston Smith, fez: “Se quiser manter um segredo, deve escondê-lo de si mesmo”. 

Aqui reside o maior risco de invasão da privacidade, desvalorizado por aqueles que aceitam alegremente os tentáculos da corporação entre as empresas, os media e os estados. Recorrendo a Don DeLillo, no seu livro de 2010, Point Omega, “você precisa saber de coisas sobre si que os outros não sabem. É o que ninguém sabe sobre você que permite que você se conheça”. 

Negando-nos o acesso aos nossos próprios mundos internos, desistimos daquilo que nos eleva acima da mera sobrevivência, daquilo que nos torna humanos. 

Perguntei a Josh Cohen por que precisamos de privacidade na nossa vida, a sua resposta foi um aviso: “precisamente porque a privacidade garante que nunca somos totalmente conhecidos pelos outros ou por nós mesmos, a privacidade constitui um abrigo para a liberdade, para a imaginação, para a curiosidade e para a auto-reflexão. Portanto, defender o eu privado é defender a própria possibilidade de vida criativa e significativa”.]

Publicado em De Rerum Natura.

Onde estão os coxinhas que não protestam contra os médicos cubanos em Cotia?

Medicocubano
Agenda Capital – Médico cubano sendo vaiado em Fortaleza, no inicio do programa implantado pela presidente Dilma Rousseff

A prefeitura de Cotia está se vangloriando de ter aumentado para 11 o numero de médicos do programa Mais Médicos para “atender melhor” (sic) a comunidade local.

Pelo que entendi, até a semana passada (se tanto) o número de médico do Programa somava 10.

Pela mostra que recolhi, a maioria desses médicos é cubana.

Eu pelo menos fui atendido por dois desses profissionais procedentes da Ilha caribenha.

Cotia é tida, com pouco exagero e muita razão, uma cidade conservadora (hoje, coxinha), que normalmente vota à direita e odeia qualquer coisa que lembre povo, esquerda, comunismo, socialismo e, atualmente, o Partido dos Trabalhadores.

Estamos, como se vê, num feudo medieval, com nossos reis, rainhas, príncipes e princesas, e especialmente com os bobos da corte.

Não vamos, portanto, nos surpreender (isso também deve se repetir em praticamente todos os municípios brasileiros) que Bolsonaro tenha por aqui muito mais votos que, por exemplo, Boulos e Manuela.

Também por aqui se corre o risco de que Bolsonaro tenha mais votos que Ciro Gomes, embora esse paulista-cearense não seja exatamente um sujeito de esquerda.

Se candidato fosse (mas não será) o petista Lula provavelmente dividiria (“pau a pau”) os votos com o direitista fluminense (que assim como Ciro Gomes nasceu no estado de São Paulo).

A questão, porém, não é quem terá ou deixará de ter mais votos que os adversários.

O que chama a atenção é que ao largo das críticas que sempre se fez a esse e a outros programas sociais ditos de esquerda, esta gente cotiana e de outros locais não se vexa de desplugar-se desse arsenal crítico, usufruindo com bastante tranquilidade desses programas como se eles estivessem há tempos implantados e fossem um direito adquirido às duras penas por toda a população brasileira.