‘Belluzzo: Um manifesto “luterano” para a economia’

Lutero

[Na celebração dos 500 anos do repto lançado por Martinho Lutero à hierarquia da Igreja Católica, o New Weather Institute e o movimento Rethinking Economics, com o apoio de um largo espectro de economistas, acadêmicos e cidadãos, lançam um desafio ao ensino de economia baseada na visão dominante e convocam a mobilização por uma Nova Reforma consubstanciada nas 33 Teses para a Reforma da Economia.

O lançamento das Teses foi realizado no University College London em associação com a The Economists Society of University College London e o Institute for Innovation and Public Purpose.

Participaram do lançamento, entre outros, Victoria Chick (UCL), David King (assessor científico do governo britânico), Andrew Simms (University of Sussex) e Kate Raworth (Oxford University).

Lei a seguir o manifesto:

33 teses para uma reforma da economia

O mundo enfrenta pobreza, desigualdade, crise ecológica e instabilidade financeira.

Tememos que a economia faça muito menos do que poderia para oferecer ideias que ajudariam a solucionar esses problemas. Isto ocorre por três motivos:

Primeiro, na economia se desenvolveu um monopólio intelectual insalubre. A perspectiva neoclássica domina avassaladoramente o ensino, a pesquisa, os conselhos de políticas e o debate público. Muitas outras perspectivas que poderiam oferecer ideias valiosas são marginalizadas e excluídas. Isto não se refere a uma teoria ser melhor que outra, mas à ideia de que o progresso científico só avança com um debate. Na economia, esse debate morreu. Segundo, enquanto a economia neoclássica fez uma contribuição histórica e ainda é útil, há amplas oportunidades de melhora, discussão e aprendizado a partir de outras disciplinas e perspectivas.

Terceiro, a economia da corrente dominante parece ter se tornado incapaz de autocorreção, desenvolvendo-se mais como uma religião do que como uma ciência. Com demasiada frequência, quando teorias e evidências entraram em conflito, as teorias foram mantidas e as evidências, descartadas.

Propomos estas teses como um desafio ao monopólio intelectual insalubre da economia da corrente dominante. Estes são exemplos das falhas nas teorias da corrente dominante, das ideias que as perspectivas alternativas têm a oferecer e das maneiras como uma abordagem mais pluralista pode ajudar a economia a se tornar ao mesmo tempo mais eficaz e mais democrática. Esta é a afirmação de que uma economia melhor é possível, e um convite ao debate.

O objetivo da economia

  1. O objetivo da economia deve ser decidido pela sociedade. Nenhuma meta econômica pode ser separada da política. Os indicadores de sucesso representam opções políticas.
  2. A distribuição da riqueza e da renda são fundamentais para a realidade econômica e também o devem ser na teoria econômica.
  3. A economia não é isenta de valor, e os economistas devem ser transparentes sobre os julgamentos de valor que fazem. Isto se aplica especialmente àqueles julgamentos de valor que podem não ser visíveis ao olhar destreinado.
  4. A política não “nivela” o campo de jogo, mas o inclina em uma direção. Precisamos de uma discussão mais explícita de que tipo de economia queremos, e como chegar lá.

O mundo natural

  1. A natureza da economia é que ela é um subconjunto da natureza, e das sociedades em que ela surge. Ela não existe como identidade independente. As instituições sociais e os sistemas ecológicos são, portanto, centrais, e não externos, ao seu funcionamento.
  2. A economia não pode sobreviver ou prosperar sem insumos do mundo natural, ou sem os muitos sistemas de suporte à vida que o mundo natural oferece. Ela depende de um contínuo fluxo de energia e matéria, e opera em uma biosfera de equilíbrio delicado. Uma teoria econômica que trate o mundo natural como externo a seu modelo não pode compreender plenamente como a degradação do mundo natural pode prejudicar suas próprias perspectivas.
  3. A economia deve reconhecer que a disponibilidade de energia e recursos não renováveis não é infinita, e o uso desses bens para acessar a energia que eles contêm modifica os equilíbrios de energia agregada do planeta, gerando consequências como catástrofes climáticas.
  4. A retroalimentação entre a economia e a ecologia não pode ser ignorada. Ignorá-la até hoje levou a uma economia global que opera muito fora dos limites viáveis da ecologia que a contém, no entanto exige maior crescimento para funcionar. Mas a economia deve se basear nas restrições objetivas da ecologia planetária.

Instituições e mercados

  1. Todos os mercados são criados e moldados por leis, costumes e cultura, e são influenciados pelo que os governos fazem e pelo que eles não fazem.
  2. Os mercados resultam das interações entre diferentes tipos de público e organizações privadas (assim como as do setor voluntário e da sociedade civil). Mais estudos deveriam ser feitos sobre como essas organizações são organizadas de fato, e como as inter-relações entre elas funcionam e poderiam funcionar.
  3. Os mercados também são mais complexos e menos previsíveis do que pode estar implícito em simples relações de oferta e demanda. A economia precisa de uma compreensão mais profunda sobre como os mercados se comportam, e poderia aprender com a ciência de sistemas complexos, como é usada na física, na biologia e na computação.
  4. As instituições moldam os mercados e influenciam o comportamento de todos os agentes econômicos. A economia deve, portanto, considerar as instituições como uma parte central de seu modelo.
  5. Já que economias diferentes têm instituições diferentes, uma política que funcione bem em uma economia pode funcionar mal em outra. Por esse motivo, dentre muitos outros, é improvável que seja útil propor um conjunto universalmente aplicável de políticas econômicas baseadas somente na teoria econômica abstrata.

Mão de obra e capital

  1. Salários, lucros e retornos sobre ativos podem ser atribuídos a um amplo leque de fatores, incluindo o poder relativo de trabalhadores, empresas e proprietários de ativos, não apenas a suas contribuições relativas à produção. A economia precisa de uma compreensão mais ampla desses fatores, de modo a melhor informar as opções que afetam a parcela de renda recebida pelos diferentes grupos na sociedade.

A natureza da tomada de decisões

  1. Erro, preconceito, reconhecimento de padrões, aprendizado, interação social e contexto são influências importantes no comportamento que não são reconhecidas pela teoria econômica. A economia da corrente dominante precisa, portanto, de uma compreensão mais ampla do comportamento humano, e pode aprender com a sociologia, a psicologia, a filosofia e outras escolas de pensamento.
  2. Os indivíduos não são perfeitos, e a tomada de decisões econômicas “perfeitamente racional” não é possível. Qualquer decisão econômica que tenha algo a ver com o futuro envolve um grau de incerteza inquantificável, e, portanto exige julgamento. A teoria e prática econômica da corrente dominante devem reconhecer o papel da incerteza.

Desigualdade

  1. Em uma economia de mercado, os indivíduos com as mesmas capacidades, preferências e dotes não tendem a acabar com o mesmo nível de riqueza, sujeita apenas a certa variação aleatória. Os efeitos de pequenas diferenças de sorte ou de circunstâncias podem conduzir a resultados enormemente diferentes para cidadãos semelhantes.
  2. Os mercados muitas vezes mostram uma tendência a aumentar a desigualdade. Por sua vez, as sociedades desiguais se saem pior em uma série de indicadores de bem estar social. A teoria econômica da corrente dominante poderia fazer muito mais para compreender como e por que isso acontece, e como pode ser evitado.
  3. A proposição de que conforme um país enriquece a desigualdade deve inevitavelmente aumentar antes de diminuir é falsa, como foi demonstrado. Qualquer combinação de crescimento do PIB e desigualdade é possível.

Crescimento do PIB, inovação e dívida

  1. O crescimento é uma opção tão política quanto econômica. Se escolhermos buscar o “crescimento”, as perguntas (“crescimento do quê, por que, para quem, por quanto tempo e o quanto é suficiente?”) devem ser respondidas de forma explícita ou implícita.
  2. A inovação não é externa à economia. É uma parte inerente da atividade econômica. Nossa compreensão do crescimento do PIB pode ser melhorada se virmos a inovação como parte de um ecossistema de desequilíbrio, em constante evolução, moldado pelo desígnio dos mercados e pelas interações entre todos os agentes no interior deles.
  3. A inovação tem um ritmo e uma direção. Uma discussão da “direção” da inovação exige uma compreensão do “objetivo” na elaboração de políticas.
  4. A dívida privada também influencia profundamente o ritmo de crescimento econômico, no entanto é excluída da teoria econômica. A geração de dívida aumenta a demanda financiada por dívida e afeta os mercados de bens e de ativos. As finanças e a economia não podem ser separadas.

Dinheiro, bancos e crises

  1. A maior parte do dinheiro novo que circula na economia é criada pelos bancos comerciais, a cada vez que concedem um novo empréstimo.
  2. O modo como o dinheiro é criado afeta a distribuição da riqueza na sociedade. Consequentemente, o método de geração de dinheiro deveria ser entendido como uma questão política, e não meramente técnica.
  3. Como os bancos geram dinheiro e dívida, eles são agentes importantes na economia, e deveriam ser incluídos nos modelos macroeconômicos. Os modelos econômicos que não incluem os bancos não serão capazes de prever as crises bancárias.
  4. A economia precisa de uma melhor compreensão de como a instabilidade e as crises podem ser criadas internamente nos mercados, em vez de tratá-las como “choques” que afetam os mercados a partir de fora.
  5. A financeirização tem duas dimensões: finanças em curto prazo e especulativas, e uma economia real financeirizadas. Os dois problemas devem ser estudados juntos.

O ensino de economia

  1. Uma boa educação em economia deve oferecer uma pluralidade de abordagens teóricas aos estudantes. Isto deve incluir não apenas a história e a filosofia do pensamento econômico, mas também um amplo leque de perspectivas atuais, como institucional, austríaca, marxista, pós-keynesiana, feminista, ecológica e complexidade.
  2. A economia em si não deve ser um monopólio. Cursos interdisciplinares são chaves para a compreensão das realidades econômicas das crises financeiras, pobreza e mudança climática. Política, sociologia, psicologia e ciências ambientais devem, portanto, ser integradas ao currículo, sem ser tratadas como acréscimos inferiores à teoria econômica existente.
  3. A economia não deve ser ensinada como um estudo de valor neutro de modelos e indivíduos. Os economistas devem ser versados em ética e política, assim como capazes de se envolver de maneira significativa com o público.
  4. Um enfoque predominante em estatísticas e modelos quantitativos pode deixar os economistas cegos para outras abordagens metodológicas, incluindo pesquisa qualitativa, entrevistas, trabalho em campo e argumentação teórica.
  5. Acima de tudo, a economia deve fazer mais para incentivar o pensamento crítico, e não simplesmente recompensar a memorização de teorias e a implementação de modelos. Os estudantes devem ser incentivados a comparar, contrastar e combinar teorias, e aplicá-las criticamente a estudos de caso em profundidade do mundo real.”

Retirado do Portal Vermelho, publicado originalmente na  CartaCapital.

Outras leituras

”Conheci seis papas e tive duas namoradas. Nós, monges, somos peritos em ateísmo.” Entrevista com Enzo Bianchi – Revista IHU On-Line

Natal pós-capital? – Revista IHU On-Line

Fim da neutralidade da rede rompe com a democratização dos direitos digitais e favorece disputas econômicas e políticas. Entrevista especial com Marcelo Barreira – Revista IHU On-Line

A economia global à espera de outra crise – Outras Palavras

O nazismo voltou a assombrar o mundo – Twitter

“O topo do topo – Quem é a classe média e quem é quem nas estratificações do Brasil”

Rafael
Rafael Georges | Foto: Arquivo Pessoal/Twitter

[“Em geral os brasileiros percebem a existência de uma desigualdade grande. Isso se dá pelo nível de concordância de uma afirmação simples de que muitas pessoas ganham pouco, enquanto poucas pessoas ganham muito dinheiro. O nível de concordância, nesse caso, é de 91%”, diz Rafael Georges [1] à IHU On-Line, na entrevista por telefone, ao comentar a pesquisa Nós e as desigualdades. Percepções sobre desigualdades no Brasil, realizada recentemente pela Oxfam e o Datafolha.

Segundo ele, a maioria dos 2025 entrevistados associa desigualdades sociais a fatores socioeconômicos, mais especificamente à renda das famílias. Além disso, de acordo com Georges, as pessoas se auto classificaram como sendo mais pobres do que realmente são. “Quase 90% dos respondentes se colocaram na metade mais pobre numa escala que vai de zero a cem. Mas boa parte deles, 67%, tem renda superior a R$ 4.600 reais. Embora essas pessoas se coloquem na metade mais pobre, na verdade elas estão dentro dos 10% mais ricos. Não é que as pessoas se vitimizem, mas isso faz com que elas não consigam entender o tamanho do fosso existente no Brasil entre as pessoas que têm uma renda muito baixa e aquelas pouquíssimas que têm uma renda relativamente confortável e, ainda, entre uma parcela muito menor de pessoas que são aquelas que têm uma super-renda. Esses três macrogrupos não conseguem ser percebidos pela maioria da população, e isso faz com que as pessoas se posicionem sempre numa escala mais pobre do que realmente são”, pontua. E adverte: “As pessoas projetam que, para fazer parte dos 10% mais ricos, precisam de muito dinheiro, quando no Brasil não é necessário ter muito dinheiro, porque no país uma renda per capita de três salários mínimos já faz com que a pessoa pertença ao grupo dos 10% mais ricos, o que não é muito”.

Para ele, a percepção das pessoas sobre o que é ser rico ou pobre no país suscita um debate a ser feito sobre quem de fato é a classe média brasileira e como ela se diferencia entre si. “Há um debate a ser feito no Brasil acerca de quem é a classe média. Em nosso relatório de setembro, a Oxfam classifica como classe média quem tem renda de 3 a 20 salários mínimos. Muitos economistas acham que isso é um exagero, porque quem ganha 20 salários mínimos já estaria no topo da pirâmide. Mas esse é um topo que, apesar de ter altos rendimentos, paga muito imposto e não utiliza serviços públicos de saúde e educação, porque paga por saúde e educação privadas, e a renda dessas pessoas, no fim do mês, não é muito alta. Elas sentem o peso da alta tributação, sabem que estão acima da média brasileira e sabem que existe um topo muito distante ao qual elas não chegaram e nunca vão chegar, de pessoas que são muito ricas”.

Na avaliação dele, quando ficar claro quem de fato é a classe média, a sociedade vai perceber que “existe um grupo muito pequeno da sociedade que é o topo do topo da pirâmide social, que tem um papel central na redução das desigualdades. É importante que as pessoas percebam isso, porque a percepção de que existe um topo do topo é importante para gerarmos mudanças. Aliás, esse topo do topo não são as pessoas que estavam na avenida Paulista vestidas de amarelo e pedindo para não pagar o pato”.]

Leia a íntegra da entrevista IHU On-Line.

Nota

[1] Rafael Georges é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB, onde atualmente cursa o doutorado em Ciência Política. Foi coordenador de campanhas no Greenpeace, assessor parlamentar na Câmara Federal, assessor político na Oxfam Internacional. Atualmente é coordenador de campanhas da Oxfam Brasil.

“O mal da conciliação e o pacto progressista”

Direitas
Fotomontagem GGN

[As elites brasileiras, em suas diferentes facções, usam dois métodos prioritários para operar o poder: a conciliação e o golpe. Oscilam de um ao outro segundo as circunstâncias e conforme as necessidades de fazer valer os seus interesses. Os dois métodos funcionam também como forma de cobertura ideológica para manter um véu sobre a natureza e as consequências de seu modo de agir: manter o controle sobre um Estado particularista, usando-o de forma alargada como instrumento de concentração de capital, de renda e de riqueza e como perpetuação do estatuto da desigualdade social e econômica, exclusão de direitos, sonegação da educação, da saúde e da cultura para o povo. O uso de instrumentos fiscais regressivos, subsídios, incentivos, sonegação e corrupção são as armas usadas para bloquear um Estado universalizante, mantendo-o preso aos ditames particularistas dos grupos de assalto aos Orçamentos públicos.

Os dois métodos – conciliação e golpe – não são usados apenas nas relações com a oposição, mas também nas relações intra grupos de elites e no interior dos próprios partidos. Veja-se o que aconteceu no PSDB, nesta última convenção: acobertou-se uma profunda crise interna em nome da unidade. Uma falsa unidade, pois as divergências não se explicitaram até as últimas consequências, na forma de embates, disputas, formulações de teses e programas produzindo daí uma unidade superior, verdadeira. Esse método representa a morte do espírito e de todo o conteúdo e a manutenção de uma forma caiada.

A conciliação se expressa como apaziguamento, como uma acomodação de interesses, que por não se explicitarem de forma programática, se tornam escusos. Até mesmo os partidos de esquerda têm enveredado por caminhos da conciliação interna, matando aos poucos o espírito vivo dos partidos. E se são menos propensos a golpes internos, são muito afoitos nas divisões sectárias e nas exclusões.

Assim, as acomodações evitam prévias, evitam o aprofundamento do debate, evitam a crítica e a autocrítica e terminam por sufocar a própria democracia como prática constituinte da política e dos programas de partidos e governos. Os acordos de cúpula terminam por prevalecer, sem que as bases e as massas tenham clara compreensão do seu significado. Este é um dos fatores que vem minando a credibilidade dos partidos e dos políticos, alastrando a crise de legitimidade.

Quando essa crise foge do controle dos partidos, ela produz fenômenos extemporâneos ou inoportunos a exemplo de Collor de Mello, Dória, Bolsonaro ou Trump. Esses forasteiros aparecem sempre com uma face anti-sistêmica, dado que uma parcela da sociedade os acolhe por não se reconhecer mais na direita e na esquerda que operam em determinado sistema. Tendem a ser fenômenos passageiros, é verdade, mas provocam uma série de anomalias e, quase sempre, agravam a crise de funcionamento da democracia e das instituições.

Na sua essência, a conciliação enquanto método, é uma forma antidemocrática do agir político. Os acordos que ela produz, por serem acomodações e falsos apaziguamentos, nunca são públicos e se traduzem em troca de favores, no fisiologismo, num conluio onde todos se tornam cúmplices e prisioneiros de todos. Frequentemente, as conciliações criam uma solidariedade criminosa entre as partes.

Um dos fundamentos da democracia consiste em que ela é conflito, enfrentamento oratório público de ideias e propostas, pois é através desse debate e desse enfrentamento que se pressupõe, surjam, racionalmente, as boas leis, as boas normas e a boa educação, como já notara Maquiavel ao referir-se à construção da grandeza da República de Roma. No Brasil, ao mesmo tempo em que se desvaloriza o conflito político se valoriza o conflito do Estado contra os pobres e o conflito interpessoal, fator que nos transformou no país onde mais ocorrem mortes violentas no mundo, superando os países em guerra.

Por um pacto progressista

É sabido e aceito de forma generalizada a tese de que as esquerdas vivem a síndrome de Caim e Abel. Mesmo sendo subpartidos ou subgrupos de um mesmo partido, de uma mesma matriz e até de um mesmo ideário, preferem a derrota e a morte um dos outro do que a unidade. Mas nem tudo é terra arrasada. Seja porque alguns agrupamentos aprenderam as lições da história ou seja porque se faz uma leitura correta do atual momento histórico, o fato é que, em alguns países, as esquerdas e os progressistas conseguem se unir e ter êxito nos governos. Destaque-se o Uruguai, Portugal, Grécia, governos de províncias e comunidades autônomas no interior da Espanha.

O que há de comum nas democracias em todos os continentes é que elas estão capturadas pelo capital que usa os instrumentos estatais para operar políticas de regressão de direitos, de aumento das desigualdades e de concentração da riqueza. Nos países pobres, como o Brasil, esses males das democracias sequestradas se agravam, pois são herdeiros de injustiças, exclusões e opressões centenárias, nunca tendo alcançado o estatuto de um Estado de bem estar social.

Neste momento em que, no Brasil, as elites operam o poder pelo modo do golpe, a violência destrutiva de direitos e a sanha concentradora de riqueza se manifestam de forma mais cruenta, semeando a descrença, a desesperança e o medo quanto ao futuro. Para uma imensa parte da população brasileira, o medo de uma vida sem dignidade, de uma vida de sacrifícios e de privações se tornou uma certeza. As aflições com o alimento, com a moradia, com o vestir, com o emprego e com as necessidades básicas se tornaram um tormento permanente, que bloqueia os sonhos, a alegria de viver, a felicidade familiar. Não há como ter esperanças.

Barrar esta fúria destruidora de direitos, de esperanças e de futuro não é apenas uma questão de leitura da conjuntura, mas uma demanda ética, um dever moral. Claro que será preciso propor um programa que vá além disso, que distribua o poder, a riqueza e as oportunidades e que garanta direitos. Construir uma força unitária e potente para barrar essa destruição é a tarefa que se impõe para todos aqueles que se intitulam democratas, progressistas, socialistas e de esquerda. Se quisermos ser responsáveis, precisamos dimensionar bem os fins, não só possíveis, mas necessários neste momento. Precisamos promover um acordo entre meios e fins.

Multiplicar candidaturas do campo democrático é progressista, como vem se indicando, não é um bom caminho. Fazer um acordo, um pacto, que tenha por base uma negociação, na qual fiquem explícitos os pontos de convergência e as divergências, é algo bem diferente do que uma conciliação. Trata-se de fazer um pacto do possível, sendo que um dos principais objetivos consiste em barrar esse processo de destruição de direitos e da democracia. Num pacto programático, todos precisam abrir mão de determinados objetivos, de determinados interesses. Cabe às maiores forças fazer as maiores concessões. E se um eventual governo progressista precisar buscar apoios ao centro para governar, há que se produzir um acordo em torno de pontos programáticos e não uma conciliação que dilui a fisionomia de qualquer governo.

As forças democráticas e progressistas estão cometendo dois erros graves neste momento: 1) pressupor que é o memento de maximizar alternativas com candidaturas próprias e com programas ideais; 2) supor que as eleições serão facilmente vencidas por Lula por falta de candidato competitivo dos setores conservadores. O cenário das eleições ainda não está constituído. Poderosas forças se mobilizarão para impedir a vitória de Lula.

Por outro lado, todas as proclamações grandiloquentes dos líderes políticos e sindicais das esquerdas fracassaram. Aconteceu tudo o que se disse que não aconteceria. Não se viram trincheiras, nem exércitos e nem grandes paralisações, capazes de bloquear reformas nefastas. Parece ser necessário aterrissar e lidar com o senso de realidade. O ufanismo e o triunfalismo são os alimentos da indolência e da irresponsabilidade, coveiros das vitórias.]

Aldo Fornazieri. Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

No site GGN.

“Robótica eliminará até 800 milhões de empregos até 2030”

Interrogacao [O impacto das novas tecnologias na vida dos trabalhadores será sentido sobretudo nas economias mais desenvolvidas. Segundo o relatório, até um terço da força de trabalho de Estados Unidos e Alemanha terá de aprender novas habilidades e encontrar outra ocupação. No Japão, a porcentagem de afetados poderá chegar a quase a metade dos trabalhadores.

Os efeitos do fenômeno calculados pela consultoria variam segundo a projeção que se leve em consideração: se a automatização das economias avança a um ritmo intenso ou gradual.

Os responsáveis pelo documento da McKinsey afirmam que os baixos salários no México, por exemplo, levarão a um impacto menos intenso da automatização no país latino-americano: do total de 68 milhões de pessoas que comporão a força de trabalho mexicana em 2030, cerca de 9 milhões serão afetados.

“O México tem uma população jovem e uma força de trabalho que está crescendo. O nível dos salários pode diminuir a implementação da automatização no país”, destaca a consultoria.

A McKinsey analisou o efeito da robotização em 46 economias que representam quase 90% do PIB mundial. Além disso, fez projeções detalhadas do impacto da automatização em seis países: Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, México e Índia. A consultoria destaca que os países têm de encontrar formas de realocar os trabalhadores substituídos pela automatização. “Nos cenários em que alguns dos substituídos levam anos para encontrar um novo trabalho, o desemprego cresce em curto e médio prazo. Em longo prazo, se reduz o desemprego e o mercado de trabalho se ajusta, mas com um crescimento menor dos salários”, afirmam.

Além disso, as mudanças tecnológicas atingirão com mais força os trabalhadores com menos estudo. As pessoas com formação universitária e pós-graduação serão menos afetadas. Entre as atividades mais prejudicadas destacadas pela consultoria estão os operadores de máquinas e os funcionários de redes de fast food, além de trabalhadores que fazem coleta e processamento de dados.

“As profissões altamente dependentes das atividades que identificamos como mais suscetíveis à automatização — trabalhos físicos ou processamento de dados — serão provavelmente as mais afetadas”, afirmam os responsáveis pelo relatório. “Ocupações que exigem alto nível de especialização ou uma alta exigência de interação social e emocional serão menos suscetíveis à automatização até 2030”, dizem.

Apesar dos efeitos esperados no mercado de trabalho, os pesquisadores destacam que a inovação, o crescimento econômico adequado e os investimentos podem gerar empregos suficientes para compensar os postos de que serão perdidos pela automatização.]

A reportagem é de Ricardo Della Coletta e publicada por El País, 02-12-2017. Publicado no Brasil em http://www.ihu.unisinos.br/574292-robotica-eliminara-ate-800-milhoes-de-empregos-ate-2030

Leia mais

Revolução 4.0. O futuro da vida e da Inteligência Artificial. Medium IHU

60% dos jovens estão aprendendo profissões que a AI vai ocupar em menos de 20 anos

2017 pode registrar aumento significativo do trabalho automatizado

Da tecnologia, da Renda Básica e da extinção do trabalho

Mundo perde 62 milhões de empregos

Você corre risco de perder o emprego para um robô?

Revolução 4.0. O mundo está mudando para melhor ou para pior?

Cada vez mais barato, robô já substitui até trabalhador chinês

Indústria instala 1,5 mil robôs por ano

A nova onda de automação e suas consequências

Quem são os mais propensos a sofrer com a automação do trabalho?

Os robôs acabarão com os empregos?

Os países da ASEAN se preparam para a Revolução 4.0

Revolução 4.0? Uma coisa é a máquina técnica, outra é a máquina social, a máquina de guerra que utiliza essa tecnologia. Entrevista especial com Maurizio Lazzarato

Revolução 4.0. “Há muito mais promessa do que realidade. Mas mudanças importantes estão à vista”. Entrevista especial com Mario Sergio Salerno

É importante pensar política industrial e competitividade para o Brasil não perder a revolução 4.0

Revolução 4.0 e a necessidade de reinvenção do mundo do trabalho na América Latina

Revolução 4.0 e a lição de Marx

Robôs, Revolução 4.0 e Renda Básica de Cidadania

Revolução 4.0. “O trabalho será diferente, mas deverá ser trabalho, não pensão”, afirma Francisco

A marcha do mundo em direção às inescapáveis transformações da Revolução 4.0

O impacto das novas tecnologias nas sociedades tradicionais. Entrevista especial com Carlos Frederico Marés de Souza Filho

Chineses abrirão fábrica automatizada nos EUA para produzir 800.000 camisetas da Adidas diariamente

O emprego ameaçado por robôs

Quarta revolução industrial, tecnologias e impactos

Fórum Econômico Mundial: os desafios da “Quarta Revolução Industrial”

“Estudo resgata a história do Movimento do Custo de Vida”

Comunidades
Em oposição à política econômica da ditadura civil-militar, o movimento, que atuou de 1973 a 1982, promoveu as primeiras grandes manifestações populares do Brasil depois de 1968 (detalhe da capa do livro Como pode um povo vivo viver nesta carestia).

[Criado em 1973, a partir dos Clubes de Mães e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica na periferia sul de São Paulo, o Movimento do Custo de Vida (MCV) incorporou outras forças políticas; cresceu em número e articulação; e, em 1978, colocou nas ruas mais de 20 mil pessoas, em um ato público realizado na Praça da Sé, em plena ditadura civil-militar.

Contornando as barreiras policiais, que procuraram impedir o acesso dos manifestantes ao local, e contrariando a ordem de que o ato fosse realizado apenas no interior da catedral, a manifestação transbordou pelas escadarias.

No mesmo evento, foi apresentado um abaixo-assinado de âmbito nacional, com 1,3 milhão de assinaturas, a ser entregue à Presidência da República, reivindicando o congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade; o aumento dos salários acima do aumento do custo de vida; e um abono salarial de emergência imediato e sem desconto para todas as categorias de trabalhadores.

A história do MCV, praticamente desconhecida pelas novas gerações, é o objeto do livro Como pode um povo vivo viver nesta carestia: o Movimento do Custo de Vida em São Paulo (1973-1982), de Thiago Nunes Monteiro. Resultado de trabalho de mestrado feito na Universidade de São Paulo, com orientação da professora Maria Aparecida de Aquino, o livro foi publicado com apoio da Fapesp.

“Monteiro pesquisou nos principais arquivos do Estado de São Paulo. Ele consultou material produzido pelo próprio MCV e sobre o movimento, como discursos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e no Congresso Nacional, artigos de imprensa da época e documentos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP). Com base nessa documentação extensa, fez um trabalho de mestrado com nível de doutorado. Por isso, sem que fosse apresentada qualquer solicitação nesse sentido, sua dissertação foi selecionada, pelos pareceristas da USP, para publicação em livro”, disse Aquino à Agência Fapesp.

Conforme explicou a orientadora, o MCV foi a resposta a um processo inflacionário, que corroía o poder aquisitivo das camadas populares, sem que houvesse a contrapartida de elevações salariais. Com uma linguagem acessível às pessoas menos instruídas, os folhetos produzidos pelo movimento recorriam a imagens marcantes como a de que os salários subiam pela escada, enquanto o custo de vida disparava pelo elevador.

O livro cobre uma década de atividade do MCV e acompanha seu nascimento, ascensão, apogeu, declínio e fim. “Adotei como balizas temporais os anos 1973 e 1982. Em 1973, o MCV foi criado, com base nos Clubes de Mães, já atuantes na periferia de São Paulo. Em 1982, o movimento já havia esgotado sua capacidade de mobilização em São Paulo, e a última manifestação agendada acabou não ocorrendo, por falta de público”, disse Monteiro.

Segundo o autor, a maior força no início do movimento – e a própria condição para que ele ocorresse – foi a Igreja Católica, liderada pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo.

“Por meio dos Clubes de Mães e das CEBs, a Igreja mobilizou grande número de participantes, residentes nos bairros populares da periferia. Além disso, foi a Igreja que proporcionou a infraestrutura material necessária, como espaços para reuniões ou mimeógrafos para a produção de folhetos. Mas, desde o começo, houve também a participação de pessoas ligadas à luta sindical e à oposição ao regime ditatorial, incluindo agrupamentos de esquerda, especialmente militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B)”, disse.

À medida que o MCV cresceu, criou-se uma coordenação central; outros militantes de esquerda, que não moravam anteriormente nos bairros onde o movimento atuava, se incorporaram a ele; e chegou-se ao auge com o abaixo-assinado de 1,3 milhão de assinaturas. A partir de 1978, a capacidade de mobilização foi, gradualmente, reduzida.

As causas do declínio foram objeto de outros estudos, que enfatizaram a influência prejudicial das disputas por hegemonia entre as várias forças políticas. Monteiro reconhece que essas disputas contribuíram para a desmobilização, mas considera que esta não pode ser atribuída a uma única causa.

“Movimentos populares com objetivos limitados, como a construção de creches ou o asfaltamento de ruas, são capazes de proporcionar pequenas vitórias concretas, que retroalimentam a mobilização. O MCV, porém, tinha um objetivo de escala nacional, que só poderia ser alcançado com a revisão de toda a política econômica do regime. A incapacidade de obter uma vitória desse porte pode ser apontada como uma das causas para o seu progressivo esvaziamento. Além disso, surgiram outras pautas e espaços de atuação, que atraíram parte dos militantes”, disse Monteiro.

Para Aquino, é preciso contextualizar o declínio do MCV. “O fim da década de 1970 foi caracterizado pelo eclipse do regime ditatorial. Houve crise econômica, a emergência de um novo sindicalismo com as greves do ABC paulista em 1978, mobilizações dos estudantes e de outros setores da população por liberdades democráticas. Tudo isso sinalizou que não havia mais condições de sobrevivência para a ditadura no longo prazo. O MCV foi a resposta possível em um contexto anterior. Mas o novo contexto gerou outras oportunidades de enfrentamento do regime ditatorial”, disse.

Perguntado sobre as lideranças que se destacaram no movimento, Monteiro citou três: Aurélio Peres, operário metalúrgico, e Irma Passoni, freira que abandonou a vida religiosa para se engajar nas lutas da periferia sul; em 1978, os dois foram eleitos, respectivamente, como deputados federal e estadual.

“Além deles, Ana Dias teve um papel muito importante no MCV desde o início, embora seja mais lembrada como a companheira do operário metalúrgico Santo Dias da Silva, que também atuou no MCV e foi assassinado por um soldado da Polícia Militar, durante repressão à greve dos metalúrgicos de São Paulo”, disse.

Em 31 de outubro de 1979, 30 mil pessoas saíram às ruas do centro de São Paulo para acompanhar o cortejo fúnebre e protestar contra o assassinato de Santo Dias. O policial responsável por sua morte, condenado em primeira instância, foi unanimemente absolvido pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.

Há 38 anos, familiares e companheiros de militância de Santo se dirigem, todos os anos, ao local onde Santo foi morto e escrevem, com tinta vermelha, a frase “Aqui foi assassinado o operário Santo Dias da Silva, no dia 30-10-1979, pela Polícia Militar”.]

Como pode um povo vivo viver nesta carestia: o Movimento do Custo de Vida em São Paulo (1973-1982)
Autor: Thiago Nunes Monteiro
Editora: Humanitas
Ano: 2017
Páginas: 274
Preço: R$ 42
Mais informações: https://editorahumanitas.commercesuite.com.br/lancamentos/como-pode-um-povo-vivo-viver-nesta-carestia.

José Tadeu Arantes,  Agência Fapesp.

“Civilização: uma boa ideia”

Capitalismo
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

[É atribuída ao Mahatma Gandhi uma resposta irônica ao jornalista que o questionou sobre a Civilização Ocidental. Gandhi disparou: “Teria sido uma boa ideia”.

Na esteira do Iluminismo e da Revolução Francesa, a dita Civilização, a boa ideia, entre dores e contradições, busca sobreviver às muitas agressões dos que proclamam sua defesa. O século XX testemunhou a dura peregrinação da “boa ideia”, sempre atormentada pela tensão permanente entre os desejos despóticos da concupiscência capitalista e os anseios da autonomia do indivíduo. Autonomia que reivindica a singularidade e a diferença ancoradas nas solidariedades da pertinência cívica e republicana.]

Leia a íntegra do texto de Luiz Gonzaga Belluzzo na Carta Capital.

‘História da “austeridade”, uma ideologia fracassada’

Os homens concordaram com [uma] posse desigual da terra (John Locke)

Por Mark Blyth,  in Outras Palavras

Austeridade 01
Recessão, desemprego, privatizações e desequilíbrio fiscal. Livro disseca a verdadeira consequência dos planos liberais em tempos de crise

[John Locke foi um dos mais famosos filósofos de Inglaterra. Escrevendo no rescaldo das guerras civis inglesas do século XVII, preocupou-se com a fundamentação apropriada do governo civil. Em vez de exercícios de cátedra, os escritos de Locke eram uma propaganda essencial das classes mercantis emergentes que pouco a pouco estavam tomando o poder das elites aristocráticas britânicas. Fez parte de um movimento que culminou na Revolução Gloriosa de 1688, que retirou o poder do rei e o deu — e muito bem — a pessoas como Locke.

Além de filosofar sobre os direitos dos cidadãos em uma comunidade e sobre os limites do poder dos reis que procuram governá-los, Locke foi um revolucionário econômico. Baseou a sua noção do que constitui um governo legítimo em direitos individuais de propriedade, sem os quais não pode haver liberalismo econômico, separação
entre Estado e mercado, ou capitalismo tal como o conhecemos hoje. A visão de Locke é delineada em seu Segundo Tratado do Governo (1690). Para criar a separação entre Estado e mercado, Locke teve de fazer várias coisas: explicar naturalmente a desigualdade do rendimento e da riqueza, legitimar a propriedade privada da terra, explicar a emergência dos mercados de trabalho e despolitizar a invenção do recurso chamado “dinheiro” que tornava todas essas coisas possíveis. Na base, o liberalismo de Locke é um liberalismo econômico que coloca o indivíduo contra o Estado. A história intelectual da austeridade começa aqui.

John Locke Imagina o Mercado

Locke começa por se interrogar sobre como é possível “Deus, que deu o mundo aos homens por igual”, permitir a acumulação desigual, ou até ilimitada, da riqueza. A resposta está na concepção de propriedade de Locke. Para Locke, a propriedade reside em todos nós, em nossas pessoas, mas só é importante porque é alienável com o nosso trabalho. Isto é, quando trabalhamos em qualquer coisa, como a terra, o nosso trabalho torna-a nossa. Como Locke defendia,
“então, seja o que for que ele retire do estado natural [e] misture com o seu trabalho, [ele] torna-o, assim, sua propriedade”. Ora, talvez você pense que outras pessoas à época objetariam que alguém tomasse posse da terra comum desta maneira. Mas Locke insiste em que “a tomada desta ou daquela parte [da terra] não depende do consentimento
expresso de todo o povo” porque “ainda ficava bastante e igualmente boa [para todos]”.

Despachado o problema da distribuição presumindo a abundância infinita, Locke mantém que o único argumento verdadeiro contra a propriedade privada é a questão do desperdício, de que se tome mais do que o que pode ser usado, coisa que Deus não gostaria. Felizmente, o tempo e os hábitos deram-nos um recurso chamado “dinheiro” que nos permite ultrapassar o problema do desperdício, porque podemos guarda-lo e trocá-lo por produtos a qualquer momento. Isto também tem o cômodo efeito colateral de criar um mercado de trabalho, uma vez que se pode colocar as pessoas a trabalhar para nós em nossa propriedade e depois, através do recurso dinheiro, levá-las a alienar (dar) os frutos do seu trabalho em nosso favor como uma troca livre. Isto permite a Locke concluir que “os homens concordaram com uma posse desproporcionada e desigual da terra (…) por consentimento voluntário descobriram um modo de o homem possuir justamente mais terra do que o respectivo produto que consegue usar, recebendo (…) o excedente em ouro e prata, que se podem entesourar sem prejuízo para ninguém”.

No contexto de um país assolado pela guerra, pelo regicídio e pela rebelião, este ponto de vista pode parecer algo sanguinário: desigualdade ilimitada da propriedade explicada naturalmente pela falta de visão de Deus na questão do desperdício. Mas permite que Locke explique como inevitável, e por isso boa, a criação de mercados na terra, no trabalho e no capital, que era exatamente o projeto político em que as pessoas da sua classe estavam empenhadas naquele momento. O seu passo seguinte foi proteger essas novas instituições do mercado de sua nêmeses emergente do capitalismo: o Estado.

John Locke Imagina o Estado

O famoso direito de rebelião de Locke, bem como sua profunda suspeita contra o governo apenas faz sentido se relacionado com a violação dos direitos de propriedade privada que acabara de atribuir a si próprio. No mundo de Locke, o poder da legislatura é “limitado ao bem público da sociedade” que se define como estar livre da intervenção do governo nos assuntos privados, especialmente no que diz respeito à propriedade, a menos que os cidadãos concordem. Como diz Locke em relação aos impostos, “lançar e criar impostos (…) sem [o] consentimento do povo (…) invade a lei fundamental da propriedade”. Tendo feito isso, os legisladores “põem-se num estado de guerra com o povo” de tal modo que é o governo, e não o povo ,o “culpado de rebelião”, perdendo o direito de governar.

Lembre-se que estes argumentos estão sendo desenvolvidos na Inglaterra do século XVII, onde a dívida pública é a dívida dos reis, que invocam os direitos dados por Deus para se apropriarem compulsivamente da propriedade dos outros. O fato de Locke empregar igualmente raciocínios especiosos para explicar a razão pela qual ele e os seus confrades da comunidade haviam de ter a parte do mundo que queriam é irrelevante. O que ele pretende é defender do Estado, a todo o custo, esses ganhos e minimizar a capacidade do Estado de extrair mais recursos. É nesta fundamentação minimalista de que o Estado pode e deve fazer, deixada em testamento por Locke, que os liberais posteriores se baseiam. Essa fundamentação tem dificuldades, devido à sua arquitetura, em apoiar qualquer visão do Estado que se estenda para além da proteção da propriedade. Mas até essa estreita atividade custa dinheiro, e isso exige que o Estado o arranje. Assim, nasceu o dilema liberal que gera a austeridade. O Estado: não se pode viver com ele, não se pode viver sem ele, não se quer pagar por ele.

David Hume: “O Crédito Público Destruirá a Nação”

Assentando os seus tijolos intelectuais nas estreitas fundações de Locke estão os dois gigantes gêmeos do Iluminismo escocês: Adam Smith e David Hume. Voltando-nos primeiro para Hume, as suas contribuições para a economia política são numerosas. A ideia de que um incentivo monetário pode, em curto prazo, estimular a atividade econômica, mas, em longo prazo, ou tem de aparecer como inflação ou se dissipar sem afetar verdadeiras variáveis, é o aspecto principal do seu ensaio On Money. Esta é a linha padrão da teoria macroeconômica contemporânea, em que é conhecida como “tese da neutralidade monetária de longo prazo”. Também lhe devem os pormenores das ideias sobre balança comercial de Richard Cantillon através do seu mecanismo de “fluxo de preço-espécie”, o mecanismo subjacente ao padrão-ouro do século XIX. Nós, porém, estamos interessados em Hume por conta de seus textos sobre “crédito público” — aquilo a que chamamos “dívida governamental”.

Hume, tal como Locke, vê o dinheiro como um instrumento, como “apenas a representação de mão de obra e mercadorias (…) um método de as classificar ou calcular”. Na versão de Hume dos acontecimentos, porém, o dinheiro não existe para ultrapassar o problema do desperdício ou os problemas contabilísticos de Deus. Antes, o dinheiro segue o comércio, que coloca as classes mercantis de Locke, e não o Estado, no centro de tudo. Para Hume, os comerciantes são o catalisador do comércio e os criadores de riqueza. São, segundo Hume, “uma das raças humanas mais úteis, que serve de agente entre (…) partes do Estado”. Como consequência, “é necessário, e razoável, que uma parte considerável das mercadorias e do trabalho [produzido] pertença ao comerciante, para com quem, em grande medida, estão em dívida”. Enquanto “advogados e médicos não geram indústria”, só os comerciantes podem “aumentar a indústria e, também aumentando a frugalidade, dar um grande controle dessa indústria a membros particulares da sociedade”. Esses “membros particulares da sociedade” seriam, claro, Hume e outros como ele: as classes mercantis.

O que poderia ameaçar uma situação tão feliz em que o crescimento natural do comércio é ao mesmo tempo causado e catalisado pelas classes mercantis? Seriam, com certeza, as exigências de receita do Estado, especialmente na forma de dívida. Hume não põe panos quentes na questão da dívida governamental. É uma coisa má. Se a razão que aponta parece hoje familiar é porque, como Hirschman nos avisou, os mesmos argumentos andaram no ar nos últimos séculos, com poucas modificações.

David Hume se Desespera com a Dívida

O problema básico de Hume com a dívida pública é sua falta de limite, pelo menos até as taxas de juros da dívida se tornarem esmagadoras. Além disso, a dívida é fácil de cobrar uma vez que os custos são ocultos e intergeracionais, o que faz com que os Estados adorem a dívida. Como diz Hume, “é muito tentador para um ministro empregar esse expediente, na medida em que lhe permite fazer uma grande figura durante a sua administração, sem sobrecarregar o povo com impostos (…) Abusar-se-á, por isso (…) quase inevitavelmente dessa prática, em todos os governos”. Nessa medida, o governo emitirá a dívida a uma taxa que excede a taxa de juros que poderia obter em qualquer outro lugar, encontrando assim compradores disponíveis à custa de desviar fundos da indústria. Como consequência, o capital ficará concentrado em títulos de dívida que “banem ouro e prata do comércio do Estado (…) e por esse meio tornam todos os fornecimentos e a mão de obra mais caros do que seriam de outro modo”.

Quando essa emissão de dívida acabar atingindo um teto, os governos precisarão vender mais dívida aos estrangeiros, e isso resultará em estrangeiros possuindo “uma grande quota dos nossos fundos nacionais [o que] tornará o público (…) tributário deles”. E se tudo isto acabar por se passar, como inevitavelmente tem de acontecer, segundo Hume, desfaz-se a liberdade. Com os impostos nos seus limites a pagarem juros sobre a dívida, não há espaço para absorver qualquer espécie de choque financeiro. Consequentemente, será emitida ainda mais dívida, “uma tributação contínua dos que recebem anuidades”, o que resulta em um governo que “hipotecou todas as suas receitas [e que] se afundará em um estado de languidez, inatividade e impotência”.

Se tudo isso parece familiar é porque é familiar. As afirmações de Hume não são um eco das de hoje — as afirmações de hoje são réplicas diretas das de Hume. Quanto à dívida ser politicamente mais fácil do que impostos, basta ver as críticas da Europa do Norte às políticas orçamentárias da Grécia e da Itália. Quanto à dívida governamental tirar o lugar de outros investimentos, ver o tsunami de críticas aos incentivos de Obama. Quanto à dívida subir os preços e comprometer a capacidade do Estado de amortecer outros choques, ver as volumosas críticas à flexibilização quantitativa e os receios de que um pico das taxas de juros dos EUA provoque exatamente isso. Quanto ao medo de que os estrangeiros se tornem donos dos Estados Unidos, basta pesquisar no Google “China owns USA”. A pesquisa dá 25 milhões de resultados ainda que a afirmação pura e simplesmente não seja verdadeira — os estrangeiros detêm menos de um terço da dívida extraordinária dos EUA.

A despeito deste ataque violento de críticas familiares, devemos recordar que Hume previu o fim da Grã-Bretanha devido à emissão excessiva de dívida no momento em que o país estava para dominar o mundo durante um século. É difícil estar mais errado; mesmo assim, os argumentos contra a dívida, essencialmente na mesma forma, continuam a ser usados hoje, três séculos depois. Ao que parece, os fatos raramente triunfam sobre uma boa ideologia liberal e, quando se trata de uma boa ideologia liberal, não se pode bater Adam Smith.

Adam Smith: A Prática de Financiamento [Dívida] Debilitou Gradualmente Todos os Estados que a Adotaram

Contemporâneo de Hume, o ainda mais famoso Adam Smith também foi perturbado pelo problema da dívida pública. A diferença entre Hume e Smith é que, apesar de identificar o problema, Hume não apresenta solução, considerando inevitável a escorregadela para a insolvência e o enfraquecimento. Smith vai um passo mais longe: identifica tanto o problema como a solução. Para resolver o problema da dívida, devíamos adotar o princípio da austeridade — também conhecido como a avareza dos escoceses.

A economia de Smith é um pouco como Shakespeare — muitas vezes citada, raramente lida. Das suas notas acerca da divisão do trabalho na afamada fábrica de alfinetes até à “mão invisível” que guia ações egoístas para fins comuns, são bem conhecidos as citações de Smith. Os pormenores do que Smith disse sobre a economia são de longe menos conhecidos e muito surpreendentes. Smith reuniu grande parte da obra dispersa de economistas sobre a natureza do dinheiro, do crescimento econômico, do papel do capital e do trabalho, e de uma quantidade de outros assuntos, e depois teve o bom senso de pôr tudo num local acessível: A Riqueza das Nações. Como observou Albert Hirschman, este livro não era um projeto acadêmico; era uma defesa do capitalismo antes do seu triunfo, e também uma defesa muito bem-sucedida.

Para o que aqui nos interessa, encontramos em Smith uma sensibilidade particular ao Estado e à sua dívida que nos aproxima da ideia moderna de austeridade, mas de um ângulo surpreendente: a importância do hábito e da parcimônia pessoal como motor do crescimento capitalista. Mine-se essa sensibilidade e é o próprio capitalismo que treme. Para compreender totalmente o que Smith tinha a dizer acerca de dívida e parcimônia, precisamos começar pelo que ele disse acerca da atividade bancária, e daí passar às poupanças, ao investimento, ao crescimento e, o que talvez seja mais surpreendente, à necessidade do Estado engendrada pelos problemas da desigualdade e da política de classes, e ao problema do modo de como pagar.

A Parcimônia Produtiva de Adam Smith

Para Smith, a atividade bancária tem tudo a ver com a confiança no banqueiro. Se os clientes tiverem confiança nas promissórias de um banqueiro (o seu papel-moeda), este conseguirá emprestar mais em papel do que o que guarda em reservas de ouro para cobrir os seus depósitos. Hoje, isso é chamado de “sistema bancário de reservas fracionárias”. Todavia, Smith, tal como Hume, considera o dinheiro incapaz de afetar variáveis reais em longo prazo, porque adicionar papel-moeda à economia não levará ao crescimento. Porém, se muitos banqueiros de confiança produzirem mais papel-moeda do que a economia consegue absorver e, o que é crucial, se esse papel-moeda for considerado “tão bom como ouro” — para usar a expressão no seu contexto apropriado —, o ouro que está apoiando esse papel- -moeda no cofre do banco será desprovido de função internamente. Felizmente, pode ser mandado para o estrangeiro, permitindo assim que o país de origem importe mais.

Smith sustenta que as importações podem ser de dois tipos: “bens (…) provavelmente para serem consumidos por pessoas ociosas que não produzem nada” ou bens que “podem comprar uma quantidade adicional de materiais (…) e empregar (…) pessoas das indústrias”. “Na medida em que for empregue da primeira maneira, promove a prosperidade (…) Na medida em que for empregue da segunda maneira, promove a indústria”. É, então, a frugalidade inerente aos Escoceses — a sua avareza — que parece ser a chave do crescimento (indústria). Por que ser parcimonioso e comprar bens de investimento em vez de vinhos estrangeiros? Fazemo-lo, segundo Smith, por causa de um sentimento que vem “conosco do útero e nunca nos deixa até irmos para a sepultura” — um sentimento que leva ao crescimento econômico.

Para Smith, o ato de poupar promove investimento, e não consumo. Por quê? Porque a riqueza da nação é o seu rendimento total. Retire-se desse rendimento o que é utilizado para a reprodução do trabalho (salários) e o que fica é lucro. Os lucros são então reinvestidos na economia através das poupanças dos comerciantes, que são emprestadas aos membros produtivos da sociedade (outros comerciantes) para investir. Hoje isto é chamado de “economia do lado da oferta”. O investimento promove o consumo e torna-o possível — e não o contrário. Por causa disso, “a maior parte [do investimento] destinar-se-á naturalmente ao emprego da indústria”. Subjacente a esta visão global está uma psicologia particularmente escocesa que vale a pena desembrulhar porque sugere a razão pela qual a ideia de austeridade tem tal força moral, ainda hoje.

Para Smith, porque a poupança leva ao investimento, não há defasagens nem perdas de rendimento; nem é possível a acumulação ou a incerteza. Consequentemente, a dívida não tem papel no seu sistema enquanto a poupança é ao mesmo tempo boa e natural para nós. Como diz Smith: “A parcimônia, e não a indústria, é a causa imediata do aumento do capital (…) seja o que for que a indústria compre, se a parcimônia não poupasse e guardasse, o capital nunca seria maior”. A frugalidade torna-se assim uma virtude, enquanto a prodigalidade se torna um vício tal que, “se a prodigalidade de uns não fosse compensada pela frugalidade de outros, a conduta de todos os pródigos, ao alimentar os ociosos com o pão dos industriosos… empobreceria todo o país”.

O que nos salva da pobreza e do enfraquecimento do Estado é, então, este sentimento: de que as pessoas são por natureza poupadoras parcimoniosas estruturadas para investir. O capitalismo de Smith está assentado em uma predisposição psicológica para poupar em vez de gastar. Como Smith diz de algo esperançoso, embora “alguns homens aumentem muito consideravelmente a sua despesa conquanto a sua receita não aumente, podemos estar certos de que nenhuma classe ou ordem de homens alguma vez o faz (…) porque os princípios da prudência comum (…) influenciam sempre (…) a maioria de cada classe”. Claramente, Smith não imaginava o devedor hipotecário norte-americano do século XXI nem o Banco Central Europeu. Mas o que ele viu, e receou, foi algo que transtornaria esse desejo natural de poupar e investir: dinheiro fácil, que é o que os mercados de crédito (dívida) oferecem. Em suma, desvirtuando a sensibilidade de poupar através dos empréstimos ao governo, “grandes nações são (…) empobrecidas pela (…) prodigalidade e má conduta pública”. Mais uma vez, o mercado não pode errar, então a culpa tem de ficar com o Estado.

Smith (Relutantemente) Traz o Estado de Volta…

Smith reconhece inteiramente que o mercado não pode existir sem o Estado. Na verdade, o livro A Riqueza das Nações detalha a necessidade do Estado fornecer defesa externa, justiça interna, e até o treino e formação de trabalhadores. O mais interessante é que é irresistivelmente honesto em relação aos efeitos políticos do capitalismo, assinalando que “onde houver propriedade há grande desigualdade”, de tal modo que “a aquisição de propriedade valiosa e extensa (…) exige necessariamente o estabelecimento de um governo civil”. Um governo civil que, “se é instituído para segurança da propriedade, é na realidade instituído para defesa dos ricos contra os pobres, ou daqueles que têm alguma propriedade contra os que não têm nada”. Esta aceitação coloca Smith a uma grande distância do contrato voluntário de Locke entre homens e de novo perto do dilema liberal sobre o Estado: não se pode viver com ele, não se pode viver sem ele, mas o pior é que não se quer pagá-lo, e é isso que mina o próprio capitalismo.

Tendo admitido que precise do Estado, Smith tem de encontrar agora uma maneira de paga-lo, o que necessita impostos. O primeiro princípio da tributação de Smith é a progressividade. Isto é, “os súditos de todos os Estados deveriam contribuir (…) em proporção para a receita de que gozam respectivamente sob a proteção do governo”. Isso parece implicar que os ricos deveriam suportar uma parte maior do fardo fiscal, uma vez que gozam de mais receitas protegidas pelo Estado. Porém, o exame feito por Smith de diferentes formas de tributação leva-o a minimizar a importância da progressividade, recomendando impostos sobre consumos de luxos — tudo o que vá além do meramente essencial — como a melhor maneira de financiar o Estado. Todavia, os impostos sobre o consumo talvez sejam a forma mais regressiva de imposto. Portanto, como é que isso convive com a sua ideia de proporcionalidade?

Convive bem se começarmos pela observação de que “a totalidade do consumo das classes inferiores da população… é em todos os países muito maior… do que o da classe média… e superior”. Por isso, tributar qualquer coisa exceto artigos luxuosos “recairia totalmente sobre as classes superiores da população”, o que diminuiria a sua parcimônia e, assim, baixaria o crescimento. Mas não há maneira de um imposto sobre consumo não essencial bastar para financiar um Estado do tamanho imaginado por Smith. Então, como é que se pode financiar o governo? A resposta é dívida governamental, e Smith não gosta dessa resposta.

O problema de Smith com a dívida é que os Estados, ao contrário dos comerciantes, não são poupadores por natureza. Na verdade, para seu desgosto, “a parcimônia que leva à acumulação tornou-se quase tão rara nos governos republicanos (dirigidos por comerciantes) como nos monárquicos”. Como consequência, os comerciantes são indiretamente sobrecarregados com “enormes dívidas que presentemente oprimem e provavelmente arruinarão em longo prazo todos os grandes Estados da Europa”. De modo semelhante ao que afirma Hume, essa ruína ocorrerá porque os “grandes Estados” estão cheios de comerciantes com muito dinheiro que podem emprestar ao governo; e emprestarão dadas as boas condições que recebem. Este dinheiro fácil abala o incentivo para poupar tanto na classe mercantil como no Estado, e enfraquece o incentivo do Estado para tributar, tal como Hume sugeriu.

Como resultado, emite-se mais dívida. Finalmente, esta estratégia atinge um teto, e “os impostos [são] então lançados com o único objetivo de pagar o juro do dinheiro que se pediu emprestado com base neles”. Quando isto se passa, toda a classe mercantil deve vender e sair do país, deixando-o na bancarrota, uma vez que a única opção possível que o governo tem é dar um calote na dívida que contraiu.

O que torna a dívida governamental insuportável para Smith não é só o calote a que leva inevitavelmente: ele receia ainda mais as consequências distributivas dessa inadimplência. Para protelar o calote inevitável do fundo soberano, os credores serão pagos com moeda desvalorizada. Esses credores são, claro, “pessoas ricas, mais em posição de credoras do que de devedoras” e, como consequência desse financiamento inflacionário, as suas fortunas, e daí a sua capacidade de investir através da poupança, serão destruídas. Como resultado, “os devedores ociosos e esbanjadores [ganharão] à custa do credor frugal (…) transportando capital (…) para aqueles que têm probabilidades de (…) destrui-lo”. Em suma, o dinheiro fácil oferecido por meio da compra de dívida governamental subverte a poupança, a máquina de crescimento e o progresso. É por isso que se deve resistir à dívida governamental e se deve abraçar a austeridade, para poupar.

Locke, Hume e Smith: Produzindo a Austeridade por Padrão

Austeridade 02
Adquira o seu exemplar com desconto em nossa livraria caso seja um colaborador do Outros Quinhentos

Perceba que nenhum destes teóricos faz uma defesa direta da austeridade, daí o nosso foco na ausência de um projeto austeridade. Locke, Hume e Smith estão muito ocupados com a construção e a contenção dos Estados, Estados que ainda não estão gastando o suficiente para garantirem uma política de cortes na despesa, mas cujas dívidas são, ainda assim, profundamente perturbadoras. Encontramos a gênese da austeridade aqui no receio patológico da dívida governamental que está no cerne do liberalismo econômico. A dívida governamental perverte os poupadores, distrai os comerciantes e arruína a riqueza acumulada.

Locke põe o liberalismo a limitar todos os custos do Estado. Hume não vê uma verdadeira necessidade do Estado uma vez que os comerciantes são a classe produtiva para quem o dinheiro deveria fluir. Smith considera que o Estado tem um papel, mas depois sente grande dificuldade em financiá-lo. Quer pagar o mínimo possível de impostos possível, mas reconhece que sem esse apoio o capitalismo que defende não pode ser politicamente sustentado. A parcimônia (poupança) de Smith e não a prodigalidade (consumo) comanda tudo, e ainda assim a dívida governamental, uma dívida que será emitida, sendo os impostos insuficientes e os Estados pródigos, abala a nossa propensão natural para poupar, ameaçando assim todo o esquema de Smith, tão familiar que o vemos repetido sem modificações hoje em dia. Mas é Smith quem transforma a dívida em uma moralidade. Nos dá os argumentos morais contra a dívida que ainda hoje ressoam.

Hoje ressoam. Para ser justo, não é que Smith e Hume faziam isso tudo apenas pela vontade de se esquivarem dos impostos. Muito antes do tempo de Locke, os Estados acumulavam dívida e faliam com uma regularidade monótona, empobrecendo, no caminho, quem lhes emprestava. Em sua própria vida, tanto Hume como Smith viram exemplos de financiamento da dívida que correram mal. No entanto, Smith viveu o trauma do colapso do Ayr Bank, um banco escocês financiado por dívida que ameaçou a solvência do principal benfeitor de Smith, o duque de Buccleuch. Nos seus escritos, Hume refletiu sobre a tentativa anterior de John Law, outro escocês, de pagar a dívida nacional da França, emitindo ações em uma companhia gigantesca de trading que usava o Banco de França como seu agente fiscal. Em 1721, quando a bolha daí resultante estourou, a França foi à bancarrota — outra vez.

Contudo, em termos do modo como vemos hoje a austeridade, a crítica moral que Smith faz da dívida parece tão familiar quanto a crítica econômica de Hume. Poupar é uma virtude, gastar é um vício. Os países que poupam devem estar fazendo o que é correto, enquanto os gastadores devem estar arranjando problemas. Na crise do euro, vemos países poupadores do norte da Europa lado a lado com libertinos do sul da Europa, apesar do fato de ser manifestadamente impossível obter demasiado dinheiro emprestado sem haver muitos empréstimos. Note-se, de igual modo, que as afirmações dos países ocidentais de que os seus problemas de dívida estão nos países asiáticos merecem pouca simpatia. A moralidade não está do lado dos pródigos. Dentro da zona do euro, os países com excedentes não têm problemas em manter um excedente comercial permanente, mas criticam os outros por terem déficits, como se pudesse existir um sem o outro.

Finalmente, as preocupações de Smith acerca da poupança contra a dívida e da parcimônia contra o consumo encontram eco imediato na invocação pela chanceler Merkel dos valores de uma dona de casa da Suábia como cura para os problemas da zona do euro, sendo poupar, ser parcimonioso e evitar dívidas a chave do êxito. Trezentos anos mais tarde, o mantra continua a ser a mesma. A austeridade tal como a conhecemos hoje, enquanto política ativa de cortes orçamentários e de deflação, pode não ser imediatamente evidente na história do início do pensamento econômico. Mas as condições de seu aparecimento — parcimônia, frugalidade, moralidade e um medo patológico das consequências da dívida governamental — estão bem enraizadas no registo fóssil do liberalismo econômico desde o início.

Sofrimento crescente: a austeridade se encontra com o Estado moderno

Os economistas liberais do século XIX trabalharam sobre as bases lançadas por Locke, Hume e Smith, e, ao fazê-lo, replicaram e ampliaram o problema do Estado do “não se pode viver com ele, não se pode viver sem ele, não se quer pagar por ele” que assombra o liberalismo econômico. Liberais posteriores, como David Ricardo, colocaram-se firmemente ao lado do “não se pode viver com ele” da barreira quando tratou do Estado. Ricardo foi precursor do estudo dos agregados (terra, trabalho e capital) como atores coletivos cujos interesses eram de soma zero uns em relação aos outros. Ricardo imaginou uma economia altamente competitiva de pequenas empresas em que os lucros inicialmente elevados dos primeiros a entrar num mercado convergiam para uma taxa média de lucro muito baixa quando mais pessoas entravam e a tecnologia se difundia pelo setor. Nesse ponto baixo, o capital e o trabalho sairiam do mercado, procurando novas áreas de lucro, iniciando assim outra vez o ciclo de investimento.

Não havia papel positivo para o Estado na visão de Ricardo. Na verdade, a única coisa que tinha de ser evitada era qualquer tentativa do Estado em amortecer ajustamentos do mercado, por mais construtivos que esses ajustamentos pudessem ser. Segundo a opinião de Ricardo, mesmo que “as condições dos trabalhadores sejam muito miseráveis”, o governo não deve tentar compensar a sua sorte. Tentativas de “corrigir a situação dos pobres (…) em vez de tornar os pobres ricos (…) tornam o rico pobre”. Como tal, o papel adequado do Estado é ensinar aos pobres o “valor da independência” em vez de alterar a distribuição do mercado. O Estado deve policiar as fronteiras da propriedade, mas não deve alterar a distribuição dessa propriedade. O sotaque lockiano de Ricardo continua a ser pronunciado.

Todavia, o Estado alterou o seu papel ao longo do século XIX, apesar das advertências de Ricardo. As próprias atividades do nacionalismo e construção do Estado no século XIX exigiam um Estado de longe mais intervencionista até do que Smith imaginara. Além disso, o próprio êxito do capitalismo trouxe uma variedade de movimentos sociais que exigia representação política, compensação econômica e proteção social, coisas que custavam dinheiro e ameaçavam a propriedade privada. Economistas como John Stuart Mill, que estavam do lado oposto da barreira, o do “não se pode viver sem ele”, esforçavam-se para lidar com este novo mundo à medida que o século XIX avançava.

O mais famoso tratado filosófico de Mill, Sobre a Liberdade, tentou encontrar um caminho entre as reivindicações abusivas das massas e a proteção dos direitos individuais liberais, enquanto os seus Princípios de Economia Política demarcavam de forma cada vez mais precisa as áreas de legítima ação do Estado, mesmo na área da dívida governamental. Isto é, em vez de repetir a tese do “inevitável enfraquecimento do Estado através da dívida” de Hume e de Smith, Mill defendia que desde que os pedidos de empréstimo do governo não concorressem por capital, fazendo assim subir as taxas de juros, a emissão de dívida era aceitável, ainda que os impostos fossem preferíveis. Mais uma vez, tal como Hume e Smith, vemos que um lado do liberalismo rejeita o Estado enquanto o outro aceita que ele tenha um papel limitado.

Um lado do liberalismo, como vimos com Locke e Hume, nega um papel ao Estado e depois, em Smith, reconhece a sua existência. Ricardo exemplificou esta tradição em que o mercado é colocado como o oposto do Estado. Os escritos de Mill mostram-nos outro lado do liberalismo do século XIX que se adapta ao crescimento do Estado e à sua exigência de receitas. A tensão entre Ricardo e Mill relativamente ao papel do Estado não era única. Antes, era e continua a ser endêmica no liberalismo econômico. O resultado foi fazer o pensamento liberal seguir dois caminhos muito diferentes durante o fim do século XIX e o início do século XX. Um caminho levou ao novo liberalismo, movimento inicialmente britânico que conduziu o liberalismo para além de Ricardo e de Mill, em uma direção mais intervencionista. O outro caminho levou à Áustria, onde o liberalismo fez uma virada mais fundamentalista.

Novo Liberalismo e Neoliberalismos

O novo liberalismo da Grã-Bretanha nasceu quando as elites do Partido Liberal britânico se puseram essencialmente ao lado de Mill em relação a Ricardo. Assim procuraram desenvolver o papel do Estado como defensor do capitalismo e como instrumento de reforma social em um tempo de conflito de classes e de democracia de massas incipiente. Em suma, para manter o primado da iniciativa privada e das instituições liberais de mercado, a pobreza e a desigualdade que Ricardo encarava como naturais e inevitáveis não podiam continuar a ser toleradas. Além disso, os novos liberais britânicos não viam necessariamente este abraço ao Estado como um mal, como uma maquiagem para evitar a revolução. Pelo contrário, o novo liberalismo reconhecia a responsabilidade do Estado na gestão corrente e na reforma das instituições capitalistas.

As consequências em longo prazo desta transformação do liberalismo britânico foram dramáticas. Pensões universais, seguro desemprego e a intensificação da regulação industrial, tudo se seguiu no século XX. Vinte anos mais tarde, os herdeiros deste movimento foram os grandes reformadores sociais e econômicos das décadas de 1930 e 1940, como T. H. Marshall, John Meynard Keynes e William Beveridge. Eles, por sua vez, levaram o novo liberalismo ainda mais longe, lançando as fundações de um Estado de Bem-Estar social abrangente.

Se o novo liberalismo foi aquilo a que podíamos chamar “a modificação de Mill” — uma adaptação pragmática às complexidades da economia moderna —, a economia austríaca foi a “rejeição de Ricardo” — uma reação fundamentalista contra a economia moderna. Os economistas austríacos acreditavam que o liberalismo se defendia melhor não através de mais redistribuição e gestão estatal, mas através da completa retirada do Estado de seu papel na economia. Recorrendo a um termo que hoje é um lugar-comum, os economistas austríacos foram os neoliberais originais. Discuto mais profundamente as ideias austríacas no capítulo 5. Em suma, os economistas austríacos atacaram as novas ideias intervencionistas em duas frentes.

Primeiro, puseram em questão a afirmação dos novos liberais de que as operações do mercado livre não adulterado punham em perigo o capitalismo, usando o contra-argumento de que o mercado tinha uma estrutura evolutiva em longo prazo que a intervenção governamental não podia alterar nem prever. Como tal, a intervenção é sempre prejudicial, seja onde for. Além disso, por produzirem distorções de mercado e maus investimentos, as intervenções governamentais eram a fonte das explosões de crédito e falências.

Os mercados eram estáveis a menos que sofressem interferências. O capitalismo não era inerentemente instável: o governo é que o fazia assim. Segundo, os economistas austríacos nunca perderam o medo do Estado Leviatã, que continuavam a considerar o inimigo supremo dos valores liberais. Especificamente, faziam a acusação de que, uma vez que fossem autorizados a intervir, os governos usariam sempre as impressoras para financiar as suas atividades. Onde os novos liberais britânicos começaram a ver que as recessões eram passíveis de melhora através de mais despesa, os economistas austríacos viam nas recessões a dor necessária da austeridade após a “festa” intervencionista. Em suma, enquanto os novos liberais e os seus herdeiros de meados do século XX abraçavam o Estado e a intervenção, os economistas austríacos, em particular Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Joseph Schumpeter, rejeitavam inteiramente essas noções.

John Maynard Keynes assinalou uma vez que:

as ideias de economistas e de filósofos políticos, tanto quando têm razão como quando não a têm, são mais poderosas do que normalmente se pensa. Na verdade, o mundo é governado por pouco mais: homens práticos, que se creem bastante isentos de quaisquer influências intelectuais, são normalmente escravos de algum economista defunto.

As ideias de hoje acerca da austeridade não são exceção a esta regra. Os herdeiros de meados do século do novo liberalismo e da Escola Austríaca ainda definem as condições básicas do debate da austeridade oitenta anos depois. Agora, seguimos essas ideias através da Grande Depressão e do período entre guerras, usando as obras de Keynes e de Schumpeter como nossos modelos.]

Mark Blyth –  Professor de política internacional na Brown University. Doutorou-se em ciência política na Columbia University. É autor de “Great Transformations: Economic Ideas and Institutional Change in the Twentieth Century”.

Outras Palavras

Sobre o mesmo tema:

Para compreender a falência dos Estados brasileiros

Boulos: a Desconstituinte de 2016

Na ONU, cabisbaixo e de mãos vazias

O mar está para monstros

Joseph Stiglitz: por que é preciso negar as patentes

Patentes
Reprodução

Um Nobel de Economia explica: imposto a pretexto de estimular a ciência, sistema de propriedade intelectual (PI) favoreceu apenas as grandes corporações. Em favor da pesquisa, há alternativas

Ao longo das últimas duas décadas, houve uma grave reação do mundo em desenvolvimento contra o atual regime de PI. Em grande medida, isso se deve a que os países ricos quiseram impor um modelo único para todos os países no mundo, influenciando o processo de definição de regras na Organização Mundial do Comércio (OMC) e forçando sua vontade por meio de acordos de comércio.

Os padrões de PI defendidos pelos países desenvolvidos são tipicamente projetados não para maximizar a inovação e o progresso científico, mas para maximizar os lucros de grandes empresas farmacêuticas e outros atores capazes de influenciar negociações comerciais. Não surpreende, portanto, que grandes países em desenvolvimento, com bases industriais substanciais – como África do Sul, Índia e Brasil  – estejam liderando o contra-ataque.

Esses países colocaram na mira principalmente a manifestação mais visível da injustiça da PI: a acessibilidade a medicamentos essenciais.

Por Joseph Stiglitz, Dean Baker e Arjun Jayadev, em Project Syndicate  –  tradução: Maurício Ayer.

Leia texto na integra em Outras Palavras.

“Entrevista a Noam Chomsky sobre la actualidad en Estados Unidos”

Chomski(George Yancy – entrevista aparecida originalmente en el diario New York Times del miércoles 5 de julio de 2017.) [En los últimos meses, a medida que la perturbadora perspectiva de una administración de Trump se convertía en perturbadora realidad, decidí ponerme en contacto con Noam Chomsky, el filósofo cuyos escritos, intervenciones y activismo han proporcionado un entendimiento y desafíos sin parangón del sistema político norteamericano y del sistema global desde hace más de cincuenta años. Nuestra conversación, tal como aquí aparece, se llevó a cabo mediante el intercambio de una serie de correos electrónicos en los dos últimos meses. Aunque el profesor Chomsky se encontraba  extremadamente ocupado, gracias a nuestros intercambios intelectuales del pasado, tuvo la gentileza de sacar tiempo para esta entrevista.

El profesor Chomsky es autor de numerosas obras políticas de gran éxito de ventas, traducidas a decenas de lenguas. Entre sus libros más recientes se encuentran Hegemony or Survival [Hegemonía o supervivencia, Ediciones B, Barcelona, 2004], Failed States [Estados fallidos, Zeta Bolsillo, Barcelona, 2017] Hopes and Prospects, Masters of Mankind y Who Rules the World? [¿Quién domina el mundo?, Ediciones B, Barcelona, 2016]. Es profesor emérito del Massachusetts Institute of Technology. — George Yancy.

– G.Y.: Considerando nuestro momento político de “post-verdad” y el creciente autoritarismo del que estamos siendo testigos con el presidente Trump, ¿qué papel público cree que podría desempeñar la Filosofía a la hora de encarar de manera crítica esta situación?

N.Ch.: Tenemos que ser un poco precavidos en lo que respecta a no matar mosquitos a cañonazos atómicos. Los comportamientos son tan completamente absurdos por lo que toca al momento de “post-verdad” que la respuesta más adecuada podría ser la mofa. Por ejemplo, resulta pertinente el reciente comentario de Stephen Colbert: cuando la asamblea legislativa de Carolina del Norte respondió a un estudio científico que preveía un aumento del nivel del mar prohibiendo a los organismos municipales y del estado que desarrollaran una regulación o planificaran documentos para arrostrar el problema. Y respondía Colbert: “Brillante solución ésta. Si tu ciencia te da un resultado que no te gusta, apruebas una ley declarando ilegal el resultado. Y problema resuelto”.

De modo bastante general, así es cómo se enfrenta la administración de Trump a una verdadera amenaza existencial a la supervivencia de la vida humana organizada: prohibamos las formas de regulación y hasta la investigación y discusión de las amenazas medioambientales y corramos hacia el  precipicio todo lo rápido que podamos (en interés del poder y el beneficio a corto plazo).

– A este respecto, me parece que el “trumpismo” resulta un tanto suicida.

Por supuesto, no basta con ridiculizarlo. Hace falta enfrentarse a las preocupaciones y creencias de los que se tragan el engaño, o que no reconocen la naturaleza y significado de los problemas por otras razones. Si por Filosofía entendemos análisis razonado y reflexivo, entonces puedes encarar el momento, aunque no enfrentándote a los “hechos alternativos” sino analizando y clarificando lo que está en juego, cualquiera que sea la cuestión. Más allá de eso, lo que se necesita es actuar, de modo urgente y entregado, de acuerdo con las muchas formas que nos están abiertas.

– Cuando yo era estudiante de Filosofía en la Universidad de Pittsburgh, donde me formaron en la tradición analítica, no me quedaba claro qué quería decir Filosofía más allá de la clarificación de conceptos. Pero me he mantenido en la posición marxiana de que la Filosofía puede cambiar el mundo. ¿Alguna reflexión acerca de la de la filosofía para cambiar el mundo?

No estoy seguro de en qué estaba pensando Marx cuando escribió que “los filósofos sólo han interpretado hasta ahora el mundo de diversas formas; la cuestión estriba en transformarlo.” ¿Quería decir que la Filosofía podía cambiar el mundo, o bien que los filósofos debían volverse hacia la prioridad superior de cambiar el mundo? Si se trata de lo primero, entonces quería decir presumiblemente la Filosofía en un sentido amplio del término, incluido el análisis del orden social y las ideas acerca de por qué habría que transformarlo. En ese sentido amplio, la Filosofía puede cumplir un papel, en realidad un papel esencial, a la hora de cambiar el mundo, y los filósofos, incluidos los de  tradición analítica, han llevado a cabo ese esfuerzo, en su labor filosófica lo mismo que en su vida de activistas: Bertrand Russell, por mencionar un ejemplo destacado.

Sí. Russell era filósofo e intelectual público. En esos términos, ¿cómo se describiría usted mismo?

La verdad es que no pienso en eso, francamente. Me comprometo con el género de trabajo y las actividades que me parecen importantes y que me plantean un desafío. Algunas de ellas entran en esta categoría, tal como se entiende generalmente.

– Hay veces en que la pura magnitud del sufrimiento humano resulta insoportable. Como alguien que habla de tanto sufrimiento como hay en el mundo, ¿cómo se da testimonio de ello y se mantiene a la vez la fuerza para seguir? 

Dar testimonio es suficiente para que proporcione una motivación para seguir. Y nada resulta más inspirador que ver cómo los pobres y la gente que sufre, que vive en condiciones incomparablemente peores que las que nosotros soportamos, continúa tranquila y humildemente su lucha comprometida y valerosa en favor de la justicia y la dignidad.

– Si tuvieras que hacer una lista de dos o tres formas de actuación política que sean necesarias bajo el régimen de Trump, ¿cuáles serían? Te lo pregunto porque este momento nuestro parece tan increíblemente desesperanzado y represivo.

Yo no creo que las cosas sean tan sombrías. Mira el caso de la campaña de Bernie Sanders, el rasgo más notable de las elecciones de 2016. Al fin y al cabo, no tiene nada de sorprendente que un “showman” con amplio respaldo mediático (incluyendo a los medios liberales, embelesados por sus payasadas y los ingresos publicitarios que eso permitía) consiguiera la designación como candidato del ultrarreacionario Partido Republicano…

La campaña de Sanders, no obstante, rompió espectacularmente con un siglo de historia política norteamericana. Exhaustivas investigaciones de ciencia política, sobre todo las del trabajo de Thomas Ferguson, han demostrado de modo convincente que las elecciones están en buena medida compradas. Así por ejemplo, ya sólo el gasto en las campañas constituye un pronosticador bastante bueno del éxito electoral, y el apoyo del poder empresarial y la riqueza de particulares es prácticamente requisito previo hasta de la participación en la escena política.

La campaña de Sanders demostró que un candidato con programas moderamente progresistas (básicamente del New Deal) podía alcanzar la designación como candidato, y acaso haber ganado las elecciones, aun careciendo del respaldo de financiadores de envergadura o de cualquier apoyo mediático. Hay buenas razones para suponer que Sanders habría logrado la designación como candidato de no haber sido por los chanchullos de los gestores del partido de Obama-Clinton. Hoy es la figura política más popular del país por un amplio margen.

El activismo generado por la campaña está empezando a hacer progresos en la política electoral. Con Barack Obama, el Partido Demócrata se derrumbó muy mucho a escala local y de los estados, que son cruciales, pero se puede reconstruir y convertir en una fuerza progresista Esto supondría revivir el la herencia del New Deal e ir más allá, en vez de abandonar a la clase trabajadora y convertirse en Nuevos Demócratas del clintonismo, que más o menos se asemejan a los que solían llamarse republicanos moderados, una categoría que ha desaparecido en buena medida con el desplazamiento de ambos partidos a la derecha a lo largo del período neoliberal.

Puede que esas perspectivas no resulten inalcanzables, y los esfuerzos por llegar a ellas se pueden combinar ahora mismo con el activismo directo, que se necesita urgentemente, para contrarrestar las acciones legislativas y ejecutivas de la administración republicana, ocultas a menudo tras las fanfarronadas de la figura nominalmente al mando.

De hecho, hay muchas formas de combatir el proyecto de Trump de crear una Norteamérica minúscula, aislada del mundo, que se encoge de miedo tras los muros a la vez que prosigue con las medidas políticas internas al estilo de Paul Ryan que representan el ala más salvaje del estamento de poder republicano.

– ¿Cuáles son las cuestiones de mayor peso a las que nos enfrentamos?

Las cuestiones más importantes que encarar son las amenazas verdaderamente existenciales a las que nos enfrentamos: el cambio climático y la guerra nuclear. Sobre el primero, los líderes republicanos, en espléndido aislamiento del mundo, se dedican de modo casi unánime a destruit las posibilidades de supervivencia decente; palabras contundentes, pero sin exageración. Se puede hacer mucho a escala local y en los estados para contrarrestar su malévolo proyecto.

Respecto a la guerra nuclear, las acciones en Siria y en la frontera rusa suscitan amenazas muy serias de enfrentamiento que podrían desencadenar una guerra, una perspectiva impensable. Por ende, la prosecución por parte de Trump de los programas de Obama de modernización de las fuerzas nucleares plantea extraordinarios peligros. Tal como hemos sabido recientemente, la fuerza nuclear norteamericana modernizada  está deshilachando gravemente el tenue hilo del que cuelga la supervivencia.El asunto se discute detalladamente en un artículo de importancia crucial en el Bulletin of Atomic Scientists del mes de marzo, que debería haber sido, y seguir siendo, noticia de portada de los medios. Los autores, analistas enormemente respetados, hacen notar que el programa de modernización de armas nucleares ha incrementado “el poder mortífero total de capacidad nuclear de las fuerzas de misiles balísticos norteamericanos hoy existente triplicándolo más o menos, y crea exactamente lo que uno esperaría ver si un Estado dotado de armas nucleares estuviera planeando tener la capacidad de librar y vencer en una guerra nuclear desarmando a los enemigos con un ataque preventivo por sorpresa”.

El significado queda claro. Significa que en un momento de crisis, de los que hay demasiados, los planificadores militares rusos pueden llegar a la conclusión de que, a falta de un disuasor, la única esperanza de supervivencia consiste en un ataque preventivo…lo que supondría el fin de todos nosotros.

En estos casos, la acción ciudadana puede revertir problemas enormemente peligrosos. Puede presionar a Washington para que explore opciones diplomáticas — que las hay  disponibles — en lugar del recurso casi como un reflejo a la fuerza y la coacción en otras zonas, Corea del Norte e Irán incluidos.

– Pero ¿qué es, Noam, puesto que tú continúas mostrando un compromiso crítico frente a un amplio abanico de injusticias, lo que motiva el sentido de justicia social en tu caso? ¿Hay alguna motivación religiosa que encuadre tu trabajo de justicia social? Y si no, ¿por qué no es así? 

No hay motivaciones religiosas, y por razones sólidas. Se puede elaborar una motivación religiosa prácticamente para cualquier forma de actuar, del compromiso con los más elevados ideales a apoyar las más horrendas atrocidades. En los textos sagrados podemos encontrar edificantes invocaciones a la paz, la justicia y la misericordia, junto a los pasajes más genocidas del canon literario. Nuestra guía es la conciencia, sean cuales fueren las trampas con la que optemos por vestirla

– Volviendo a la cuestión de dar testimonio de tanto sufrimiento, ¿qué recomiendas que comparta con mis estudiantes de licenciatura para que desarrollen la capacidad de dar testimonio de formas de sufrimiento que son peores que las que soportamos? A muchos de mis estudiantes solo les preocupa licenciarse y a menudo parecen olvidarse del sufrimiento en el mundo. 

Mi sospecha es que los que parecen olvidarse del sufrimiento, ya sea que esté próximo o en rincones remotos, no son conscientes, cegados acaso por la doctrina y la ideología. Para ellos la respuesta consiste en desarrollar una actitud crítica hacia artículos de fe,  seculares o religiosos; para alentar su capacidad de cuestionar, de explorar, de ver el mundo desde el punto de vista de otros. Exponerse directamente es algo que nunca queda muy lejos, dondequiera que sea que vivamos…quizás sea la persona sin techo que se arrebuja en el frío o que pide unos céntimos para comer, o muchísimos otros.

– Valoro y secundo tu razonamiento acerca de exponerse al sufrimiento de otra gente que no anda lejos de nosotros. Volviendo a Trump, entiendo que le consideras fundamentalmente imprevisible. Yo, desde luego, sí. ¿Deberíamos temer alguna clase de intercambio nuclear en este momento contemporáneo nuestro? 

Yo sí, y apenas sí soy la única persona en albergar esos temores. Quizás la figura más destacada que expresa esos temores y preocupaciones sea William Perry, uno de los principales estrategas nucleares contemporáneos, con muchos años de experiencia en el escalón más elevado de planificación bélica. Es hombre reservado y precavido, nada dado a exageraciones. Ha salido de su semiretiro para declarar enérgica y repetidamente que está aterrado tanto por las amenazas extremas y crecientes como por el fracaso a la hora de preocuparse por ellas. En palabras suyas. “Hoy, el peligro de algún género de catástrofe nuclear es mayor de lo que era durante la Guerra Fría, y la mayoría de la gente vive felizmente inconsciente de este peligro”.

En 1947, el Bulletin of Atomic Scientists estableció su famoso Reloj del Juicio Final (Doomsday Clock), que calculaba a cuánto estamos de la medianoche de la aniquilación. En 1947, los analistas pusieron el reloj a siete minutos de la medianoche. En 1953, movieron la manecilla a dos minutos antes de la medianoche después de que los EE. UU y la URSS hicieran explotar bombas de hidrógeno. Desde entonces, ha oscilado sin llegar nunca a este punto de peligro. En enero, poco después de la toma de posesión de Trump, la manecilla se movió a dos minutos y medio antes de la medianoche, lo más cercano a un desastre terminal desde 1953. A estas alturas los analistas están consideraban no sólo la amenaza en ascenso de guerra nuclear sino también la firme entrega de la organización republicana a la hora de acelerar la carrera hacia la catástrofe medioambiental.

Perry tiene razón en sentirse aterrado. Y aterrados deberíamos estar también todos, en no menor medida por la persona con el dedo en el botón y esos surrealistas socios suyos.

Pero, a pesar de su imprevisibilidad, Trump dispone de una base sólida. ¿Qué produce esta servil deferencia?

No estoy seguro de que “servil deferencia” sea la frase correcta por una serie de razones. Por ejemplo, ¿quién forma esa base?  La mayoría de ellos son relativamente ricos. Tres cuartas partes tenían ingresos por encima de la media. Cerca de un tercio tenía ingresos de más de 100.000 anuales, y se situaban así en el 15% superior de renta personal, en el 6% superior de los que sólo tienen instrucción hasta el instituto. Son en su abrumadora mayoría blancos, sobre todo, gente mayor, y por tanto de sectores históricamente más privilegiados.

Tal como informa Anthony DiMaggio en un cuidadoso estudio de la riqueza de información hoy disponible, los votantes de Trump tienden a ser republicanos típicos, con “una agenda social proempresarial y reaccionaria”, y “un segmento pudiente, privilegiado del país en términos de ingresos, pero que es relativamente menos privilegiado de lo que era en el pasado, antes del derrumbe de la economía en 2008”, de aquí que sienta cierto malestar económico. La renta media ha caído casi un 10% desde  2007. Eso aparte del enorme segmento de los evangélicos y dejando a un lado los factores de supremacía blanca — profundamente enraizada en los Estados Unidos — racismo y sexismo.

Para la mayoría de su base, Trump y el ala más salvaje del estamento de poder republicano no están lejos de sus actitudes comunes y corrientes, aunque cuando nos fijamos en preferencias políticas concretas, surgen preguntas más complejas.

Un segmento de la base de Trump procede del sector industrial al que ambos partidos han dejado en la cuneta desde hace decenios, a menudo de zonas rurales en las que la industria y el empleo estable se han venido abajo.Hubo muchos que votaron a Obama, creyendo en su mensaje de esperanza y cambio, pero se vieron rápidamente desilusionados y se han vuelto desesperados hacia su amargo enemigo de clase, agarrándose a la esperanza de que, de algún modo, su líder formal acudirá a rescatarlos.

Otra consideración es la que tiene que ver con el actual sistema de información, si es que se puede incluso utilizar esta frase. Para buena parte de esa base, las fuentes de información son Fox News, las tertulias radiofónicas y otros profesionales de los “datos alternativos”. La denuncia de las maldades y absurdos que levanta a la opinión liberal se interpreta rápidamente como ataques de una élite corrupta contra el defensor del hombre común que es, de hecho, su cínico enemigo.

¿Cómo opera en esto la ausencia de inteligencia crítica, es decir, del género que el filósofo John Dewey consideraba esencial para una ciudadanía democrática?

Podríamos hacernos otras preguntas sobre la inteligencia crítica. Para la opinión liberal, el crimen político del siglo, tal como a veces se le denomina, es la interferencia rusa en las elecciones norteamericanas. Los efectos de ese delito son indetectables, a diferencia de los efectos masivos de la interferencia del poder empresarial y la riqueza de particulares, que no se considera delito sino el normal funcionasmiento de la democracia. Y eso dejando incluso a un lado el historial de “interferencias” norteamericanas en elecciones extranjeras, Rusia incluida; la palabra“interferencia” entre comillas, porque es tan risiblemente inadecuada, como debe saber cualquiera que tenga la más ligera familiaridad con la historia reciente.

Eso, desde luego, plantea las contradicciones de nuestro país.

¿Es el sabotaje informático ruso de verdad más importante que lo que hemos discutido, por ejemplo, la campaña republicana para destruir las condiciones de la existencia social organizada, desafiando al mundo entero? ¿O incrementar la amenaza ya extrema de una guerra nuclear terminal?   O incluso esos crímenes de verdad, aunque de menor calado, como la iniciativa republicana para privar a decenas de millones de atención sanitaria y sacar a la gente sin amparo de las residencias de ancianos con el fin de enriquecer todavía más a su electorado real de poder empresarial y opulencia? ¿O desmantelar el limitado sistema regulatorio establecido para mitigar las repercusiones de la crisis financiera que es probable que sus preferidos vuelvan a provocar? Y así una tras otra, sucesivamente.

Resulta fácil condenar a quienes situamos al otro lado de cualquier divisoria, pero más importante, corrientemente, es explorar lo que entendemos que nos queda cerca.]

[Tomada de http://www.sinpermiso.info/textos/trump-y-el-estado-de-la-union-entrevista-completa-a-noam-chomsky.]

Em periódico e libetario: http://periodicoellibertario.blogspot.com.br/2017/07/entrevista-noam-chomsky-sobre-la.html

“’Trabalhar para sobreviver não será mais necessário’, diz empreendedor”

Peter
Crédito da foto: Wikipedia

[O empresário Peter Diamandis crê que o avanço tecnológico criará um mundo em que não será preciso trabalhar para sobreviver.

O barateamento da energia, da comida, do transporte e da informação permitirá um mundo em que as necessidades básicas poderão ser supridas por uma renda mínima distribuída a todos. O trabalho estaria assim ligado apenas à busca de realização.

A entrevista é de Felipe Oliveira, publicada por Folha de S. Paulo, 25-06-2017.

Cofundador da Singularity University, escola de negócios do Vale do Silício, Diamandis busca ensinar empreendedores a usar a tecnologia para enfrentar problemas globais. Ele virá ao Brasil participar do 7º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, promovido por CNI e Sebrae, na terça-feira (27).

Eis a entrevista.

O sr. apresenta uma visão muito otimista de nossos tempos. Como ser positivo sem ser ingênuo?

Muitas pessoas tendem a romantizar o passado, acreditando que ele era muito melhor do que foi. Estamos vivendo no que é provavelmente o período mais extraordinário da história.

Se observar o último milênio, verá que ele foi marcado por fome, guerra e pragas. [Mas no século passado] o preço da comida foi reduzido à 13º parte do que era. Hoje, a obesidade mata muito mais do que a desnutrição.

Vivemos no período mais pacífico da história, o número de homicídios é muito mais baixo do que há 50 anos, as chances de você morrer de modo violento são 1/500 do que eram na Idade Média. Antes, um vírus poderia matar milhões de pessoas, dizimar metade de um país. Hoje, mesmo a gripe aviária ou a gripe suína matam menos de uma centena de pessoas. Temos todas as razões para sermos otimistas quando analisamos os dados.

O que move transformações?

O mundo não está mudando por termos melhores políticos ou estarmos ficando mais espertos, mas devido às ferramentas e tecnologias que criamos. Temos melhor capacidade de comunicação, poder computacional, ferramentas no campo da biologia, inteligência artificial, robótica.

Antes, apenas grandes corporações e governos poderiam solucionar problemas. Hoje, indivíduos têm esse poder. E é isso o que empreendedores fazem.

Como ter certeza de que a tecnologia não será para o mal?

Não podemos ter certeza. Mas, se observar a realidade, verá que ela é usada mais para o bem do que para o mal.

O problema é que a mídia está constantemente olhando para as notícias negativas. Ela faz isso porque nós evoluímos para prestar dez vezes mais atenção às notícias negativas do que às positivas.

Não há ninguém do lado de fora do aeroporto de São Paulo noticiando que não ocorreu nenhum acidente hoje. O que se ouve são apenas notícias ruins, o que nos dá a sensação de que vivemos em um mundo que está falling apart. Mas o fato é que existem aplicações extraordinárias de tecnologia sobre as quais nunca desmoronando.

Qual a função de empreendedores e empresas para inovar?

Para mim, para ter um grande avanço de verdade, é preciso tomar muito risco. Antes de se provar realidade, o que existe é uma ideia maluca.

Os empreendedores são quem geralmente está disposto a aceitar esse risco, porque eles têm menos a perder. Por outro lado, as grandes empresas podem encontrar essas ideias criadas por empreendedores e torná-las disponíveis para muito mais pessoas.

Como a inteligência artificial vai afetar os empregos?

Não sei exatamente e acredito que ninguém sabe se ela irá criar desemprego. A verdade é que vai destruir trabalhos, algo que estamos sempre fazendo conforme a tecnologia se torna melhor.

Mas também inventamos novos trabalhos para substituir os que não existem mais. Então a questão é, vamos criar novos empregos para substituir os que serão perdidos? Talvez. Eu acredito que as pessoas vão atuar em parceria com a inteligência artificial de novas maneiras.

O sr. defende uma renda mínima universal. Qual é a importância da medida?

Isso irá separar ganhar dinheiro para sobreviver de trabalhar. Você terá um trabalho que é aquilo de que gosta de fazer e receberá o dinheiro para pagar sua comida, transporte e saúde a partir de uma renda mínima universal. A tecnologia irá prover melhor saúde e educação, reduzir o custo de energia, de água. Vamos desmonetizar o custo de vida substancialmente.

Já há sintomas dessa redução de custoso?

Sim. Por exemplo, há um grande movimento para o desenvolvimento de carros elétricos autônomos. Daqui a dois ou três anos, se locomover a partir de um carro desses em serviços como Uber será 10 vezes mais barato do que ter um carro.

Vimos o preço da informação e telecomunicações chegar a efetivamente nada. Hoje, uma pessoa em país pobre na África pode comprar um celular por US$ 40 e ter, de graça, GPS, câmera de alta definição, biblioteca de livros. Alguém que é muito pobre consegue acessar algo que nós dois, há 200 ou 30 anos, teríamos de pagar milhões de dólares para ter.]

Leia mais

Abundância na sociedade do custo marginal zero de Jeremy Rifkin

A Renda Básica Universal e Incondicional é uma medida tremendamente eficaz na luta contra a pobreza e a exclusão

“A renda básica universal seria a maior conquista do capitalismo”

Renda Básica de Cidadania, universal e incondicional. Um direito. Revista IHU On-Line, Nº. 333

A ‘uberização’ e as encruzilhadas do mundo do trabalho. Revista IHU On-Line, Nº. 503

Condorcet, Thomas Paine e a renda básica de cidadania

Finlândia, laboratório mundial da renda básica universal

A realidade da renda básica no Brasil pós-Lula. As políticas sociais do PT em tempos de desmoronamento do projeto de poder de Lula

Da tecnologia, da Renda Básica e da extinção do trabalho

Por que apoio a Renda Básica Universal

Renda básica: uma proposta que permite desfrutar da igualdade. Entrevista especial com Josué Pereira da Silva

60% dos jovens estão aprendendo profissões que a AI vai ocupar em menos de 20 anos.

47% dos empregos vão desaparecer nos próximos 25 anos, segundo a Universidade de Oxford

Renda mínima universal no México: uma utopia possível

Revolução 4.0. O mundo está mudando para melhor ou para pior?

Quarta revolução industrial, tecnologias e impactos

Bem-vindos à quarta Revolução Industrial

A crise econômica mundial e a quarta Revolução Industrial

Fórum Econômico Mundial: os desafios da “Quarta Revolução Industrial”

A Quarta Revolução Industrial

Para que a internet não devaste a sociedade

Quarta revolução industrial, tecnologias e impactos

O que é a 4ª revolução industrial – e como ela deve afetar nossas vidas

A Internet das coisas ganha vida

Internet das coisas: objetos conectados à internet podem trazer inclusão digital?

Hora de se reconectar: na era da inteligência artificial, é preciso ressaltar as virtudes humanas

Inteligência artificial pode trazer desemprego e fim da privacidade

“A inteligência artificial nos obriga a nos comportarmos como máquinas”. Entrevista com Jean-Michel Besnier

A robótica, a biotecnologia e a nanotecnologia. O redesenho da forma humana e das formas da vida. Entrevista especial com Luiz Alberto Oliveira

Obra exagera cenário distópico, mas explora bem questões futuras

Autor de ‘Homo Deus’ mapeia as graves implicações da tecnologia

Inteligência artificial: “Precisamos mesmo de esperar por um desastre?”

“A inteligência artificial pode significar o fim humanidade”, afirma Hawking

Que inteligência artificial deveria nos preocupar?

A lei da selva no trabalho

2017 pode registrar aumento significativo do trabalho automatizado

Da tecnologia, da Renda Básica e da extinção do trabalho

Mundo perde 62 milhões de empregos

O futuro da humanidade em suas mãos

Quarta revolução industrial, tecnologias e impactos

O que é a 4ª revolução industrial – e como ela deve afetar nossas vidas

Vamos para uma nova revolução industrial: assim será

A organização do mundo do trabalho e a modelagem de novas subjetividades. Revista IHU On-Line N° 416

Expansão da inteligência artificial e novos rumos da economia no mundo

O cristianismo está envolvido com a inteligência artificial, mas do jeito certo

A inteligência artificial é uma ameaça ao cristianismo?

Que inteligência artificial deveria nos preocupar?

Inteligência Artificial entra na lista de ameaças reais à humanidade

Eles treinam robôs que vão substituir os humanos

Bill Gates se une ao cerco contra o capitalismo dos robôs

Experimentamos os robôs chineses que podem limpar suas janelas

Você corre risco de perder o emprego para um robô?

Trump, emprego e robôs

Carro autônomo. Ford prepara corte que atingirá 10% de seus funcionários em todo o mundo

Carro sem motorista chegará a 75% do mercado em 2035

“Temos a tecnologia para viver em uma sociedade na qual não se tenha que trabalhar”. Entrevista com o filósofo Nick Srnicek

Texto publicado em IHU/Unisino.