“A história na visão de anarquistas”

anarch

[Objetiva-se analisar como foi abordada a História por alguns pensadores e “teóricos” do anarquismo.[1] Para atingir este objetivo, foi feita uma revisão de alguns textos de anarquistas “clássicos”, que se destacaram como pensadores e filósofos do movimento anarquista internacional: Proudhon, Bakunin, Kropótkine e o historiador Rudolf Rocker. Parte-se do princípio de que uma das funções da História é servir de instrumento para a transformação da sociedade, e que é utilizada pelos mais variados “agentes sociais” como “guia para ação”. O trabalho inicia com uma definição de passado ontológico e epistemologia do passado. Logo se apresentam as discussões atualizadas sobre a produção do conhecimento histórico, sua “evolução”. Em seguida, constrói-se o cenário, como os historiadores vinham pensando e discutiam sobre seu oficio, ou seja, o cenário em que se inserem os escritos anarquistas sobre a história. Faz-se uma “analise de conteúdo” destacando trechos em que os autores citados acima dedicaram algumas linhas para escrever sobre a História. Para concluir, compara-se a analise com o contexto histórico e as discussões atualizadas.

  1. Introdução

É difícil saber se este trabalho é uma história da História a partir do pensamento anarquista ou se é uma história do pensamento anarquista e suas concepções de História. Talvez seja um pouco de cada. O que se pretende saber é como os anarquistas entendiam a História, tanto no sentido ontológico quanto no epistemológico. É importante destacar como e por que se faz o estudo da História no pensamento anarquista.

A história ontológica é o passado real e concreto, a História epistemológica significa a construção de um saber, uma disciplina, uma ciência (teoria e método) compreendendo também seu discurso (historiografia). Os procedimentos da analise seguirão a técnica da “comparação” dos modelos, e a relação ao contexto da produção literária.

Rodrigo Quesada Monge diz que, com o fim do projeto do Capitalismo de Estado (monopoliza), ocorre, principalmente após 1989, um crescente descrédito na teoria marxista para interpretação da história. Muitos historiadores utopistas e sonhadores ficam, assim, órfãos de um projeto teórico de uma filosofia da história. O historiador afirma que, se forem revisados os trabalhos investigativos dos grandes historiadores anarquistas como Nettlau, Paul Avrich, Rudolf Rocker, Murria Bookchin y Howard Zinn, somente para recordar alguns exemplos, aparece um exaustivo levantamento documental unido a um desmedido compromisso político e social com as implicações morais e políticas do seu ofício. (MONGE, 2006) Para saber no aspecto teórico e metodológico a prática historiográfica dos anarquistas, correto seria analisar as produções historiográficas destes. Escolher um período e conjuntura e estudar esta produção. Porém esta tarefa não é obra para nenhum pesquisador solitário. A intenção deste artigo é bem mais modesta e limitada ao discurso, ao que se afirma sobre “como deve ser” e não necessariamente ao que realmente é.

José Carlos Reis escreve que a história, assim como toda cultura ocidental, passou por uma transição entre o século XVIII e o século XX. Esta transição caracteriza-se pelo iluminismo (racionalista, globalizante e moderno), o estruturalismo e o pós-estruturalismo.

O projeto iluminista vê a história como “espírito universal”, que progressivamente vai “tomando consciência de si”. O projeto moderno e iluminista é extremamente otimista, crê no poder da razão. A hipótese iluminista é hegeliana, não pode não ter sentido. A história seria então governada pela razão. A história, segundo Carlos Reis, é a busca de sentido e não vontade de potência. O projeto iluminista legitima toda violência contra o passado-presente, que é considerado um entrave para o progresso e evolução. (REIS, 2000:178s)

No século XX, o movimento estruturalista veio desconfiar deste sujeito consciente em busca da liberdade. A convicção de que a razão governa o mundo foi posta sob suspeita. Passou-se a duvidar do progresso, do evolucionismo, do eurocentrismo, da razão racionalista. O homem não é totalmente sujeito e livre, e a sociedade não é guiada por uma teleologia. De acordo com José Carlos Reis, a história deveria dedicar-se mais ao repetitivo, cíclico, resistente, inerte e estrutural. Deveria dedicar-se à realidade empírica, produzindo um saber objetivo e conceitual. O estruturalismo ainda se diz racionalista, porém procura a razão a contrapelo, onde ela se esconde, acaba adotando um determinismo inconsciente. Os estruturalistas são contrários às utopias, pois discordam do fato de misturar a filosofia com a ciência. A utopia só faz sentido dentro de um raciocínio típico-ideal, uma abstração que permite conhecer a realidade. (Ibidem:182)

A segunda fase do estruturalismo, o pós-estruturalismo, não duvida da razão, isto é, não acredita na própria existência da razão. Não procuram mais verdades históricas, nem essenciais, nem aparentes, nem manifestas e nem ocultas. O universal não é pensável, a unificação é impossível. O conhecimento histórico pós-estrutural é antiestrutural, parcial, limitado, individual, em migalhas. Não se quer neutralidade, passividade, serenidade e universalidade. Não existe uma razão, moral, verdade universal. A partir dos anos 80, o homem não é mais o horizonte do historiador, a história deixou de ser análise do passado para produzir mudanças no presente etc.(Ibidem:183)

Acima foi transcrito como Carlos Reis descreve a relação e influencia da cultura ocidental na concepção de história e na prática historiográfica. Esta trajetória que ocorreu aproximadamente entre os anos 30 e 80 do século XX. Carlos Reis diz que uma bandeira que vem ganhando adeptos entre os historiadores é a proposta defendida pelo historiador francês F. Dosse. Este autor defende um retorno ao projeto inicial da Escola dos Annales, que se pode destacar: a mesma relação interdisciplinar com as ciências sociais, a mesma referencia à história problema, a mesma resistência e substituição do marxismo. (Ibidem: 187) A compreensão e o aprimoramento do saber histórico, absorvendo todo o avanço possível das ciências humanas e sociais, esta em gestação. Para Dosse:

A lógica mesma da ação mantém aberto o campo dos possíveis, em uma reabertura das potencialidades do presente alimentada pelos possíveis não averiguados do passado. A função da história continua, portanto, viva, e o luto das visões teleológicas pode se tornar uma chance para se repensar o mundo do amanhã. (DOSSE, 2003:16)

Enfim, procura-se entender como os anarquistas viam a história, enquanto o que ficou para trás, em que medida e como esta história influencia o presente e o futuro dos indivíduos e da sociedade. Também se procura saber em que medida a História, enquanto saber, se constitui em ciência e, se para os anarquistas, é possível uma previsibilidade e o estabelecimento de leis históricas.

  1. Historia e historiografia (de 1840 a 1940)

A delimitação temporal para trabalhar deveu-se ao fato de ser o período que abrange a produção dos “teóricos” que serão analisados. As produções de Proudhon que iniciam por volta de 1840 e a de Rudolf Rocker, em 1937. As discussões sobre filosofia e teoria da história da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, serão o contraponto para análise e comparação da produção dos teóricos anarquistas. Cenário habitado por discussões de historiadores historicistas e a Escola Metódica como Leopold von Ranke, Taine e Fustel de Coulanges, Gabriel Monod, Charles Seignobos, Charles Langlois. Aparece a concepção de história enquanto ciência social com a transição entre Henri Berr e o movimento dos Annales com Lucien Febvre e Bloch.

Os principais historiadores antes de 1840 eram conhecidos como românticos. Produziam uma história com comprometimento político, como Michelet e Tocqueville. São eles que estão publicando suas histórias neste período, em defesa das experiências republicanas e democráticas liberais. Até aproximadamente 1860 vai a hegemonia dos historiadores românticos com forte ligação com a filosofia. O historicismo, ou a “Escola Metódica” e positiva, pretende elevar a história à categoria de ciência. Leopold von Rank defende a separação da filosofia da história, ele critica a metafísica hegeliana e acredita que a história constitui um saber cientifico na medida em que se detém no empírico, nos fatos e na individualidade histórica.(COLLIOT-THÉLENE, 1995:20) Emana um espírito positivo que abrange a história, e passa a predominar entre os historiadores, inicia-se uma luta contra a influência da filosofia da história na ciência da história. A ciência histórica quer ser objetiva, quer formular enunciados adequados ao seu objeto e que sejam válidos para todo tempo e lugar, como estimavam que faziam as ciências naturais. (REIS, 1996:07) A história procura encontrar fatos e descobrir verdades, a história é a ciência da observação. No final da década de 70 do século XIX, Gabriel Monod inicia uma produção voltada para o método histórico, empreitada levada adiante também por Charles Langlois e Seignobos. No final do século XIX, este esforço de criar uma história cientifica, dividiu-se em três proposições: A proposição rankiana, que aproxima a história das ciências naturais; a orientação de Dithey, que quer descobrir o que há de especifico no conhecimento histórico e cria a concepção de ciência social, lugar onde se destaca a história; e o marxismo.

Ao iniciar o século XX, ocorre um período transitório entre a “Escola Metódica” e a “Escola dos Annales”, onde Charles Péguy, F. Simiand, Dithey e Henrii Berr constroem uma concepção de história relacionada às ciências sociais. A história esta, então, entre as ciências sociais e não entre as ciências naturais. O objeto de estudo do historiador é o próprio homem, a sociedade humana. Dosse escreve que o projeto da Escola dos Annales é um projeto de espírito de “Frente Popular”, e para demonstrar isto ele traça o itinerário de alguns membros fundadores da Escola. No inicio da vida intelectual, Lucien Febvre era socialista fervoroso; segundo Dosse, ele escreve, entre 1907 e 1909, no Lê Socialiste Comtois, órgão semanal da federação do Doubs da SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária). No dia 21 de março de 1909, redige mais da metade da primeira página do jornal com quatro artigos: “Viva a vida! Abaixo a autoridade”. Em 1909, ele escreve em um artigo: “Ah querido velho Proudhon¹ E há pessoas que dizem que você está morto! Vai, esteja tranquilo: a personalidade humana se empertigará, enfim, ela que há tantos séculos vinha se corrompendo, imutável nessa degradação. Ela solta com uma voz ainda fraca, mas que não é mais tímida, o grito libertador que você mesmo soltava: nenhuma autoridade!” (DOSSE, 2003:92) François Dosse diz que Lucien Febvre vê no discurso marxista ao mesmo tempo uma concepção tão voluntarista e factual quanto à da história tradicional e também sua forma de espiritualismo econômico. (Ibidem:98) Portanto, a Escola dos Annales procura se constituir, por seus fundadores em 1929, numa alternativa à história tradicional e à história marxista, com a emergência do econômico e do social na História. Lucien Febvre e Marc Bloch veem na teoria das probabilidades, na teoria da relatividade da medida temporal e espacial, a possibilidade de a história aspirar, ao estatuto de ciência, contanto que critique os testemunhos do passado, elabore fichas de leitura, teste as hipóteses, passe do dado ao criado. Segundo Dosse, eles acreditam que a pesquisa histórica pode tomar emprestada a via das pesquisas causais a partir da crítica dos documentos, mesmo se aos olhos dos promotores dos Annales ela deva se precaver contra toda metafísica, contra todo monismo de causalidade. (Ibidem:55) Dosse escreve que o projeto dos Annales é indissociável de sua dimensão estratégica: Todo projeto cientifico é inseparável de um projeto de poder /…/. Vontade de convencer e vontade de poder estão unidas como a luz e a sombra. (Ibidem: 71)

  1. Anarquismo

O anarquismo pode ser entendido como uma ideologia, matriz de pensamento e teoria revolucionária. Como movimento político e social, com propósitos revolucionários aparece entre os operários na Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T), também conhecida como “Primeira Internancional” (1864) e nos grupos de conspiradores revolucionários organizados por Bakunin, que seguiam as ideias federalistas e mutualistas de Proudhon.

Os anarquistas são também conhecidos como socialistas libertários, para distinguir-se dos marxistas, que são denominados de socialistas autoritários. Durante a Primeira Internacional, as teses anarquistas revolucionárias defendiam a proposta de uma revolução social, com a construção do socialismo a partir de bases federalistas, e com autogestão socioeconômica. Acreditavam que o socialismo só é possível com liberdade, e por isso defendiam a abolição do “Estado Moderno”. Os socialistas autoritários (marxistas) eram reformistas, defendiam a conquista do Estado para, através de reformas, irem transformando a sociedade. Enfim, os anarquistas defendem a ideia de uma sociedade sem classes, sem domínio, opressão e exploração. É importante destacar que as concepções de história dos anarquistas, carregam também este componente de disputa, tanto com as concepções conservadoras, quanto com as ideias marxistas. (WOODCOCK, 2002)

3.1. Proudhon: “O movimento da história”

Pierre-Joseph Proudhon, francês, nascido em 1809 e falecido em 1865, foi um dos grandes mestres do pensamento socialista do século XIX. Filho de camponeses, tornou-se gráfico e “livre pensador”; em 1837, conquista uma bolsa na Academia de Besançon para cursar letras ou ciência. O conjunto de sua obra se encontra num horizonte de afirmação da sociedade como realidade plural, dotada de forças coletivas, resultantes da união, da harmonia e da convergência de esforços. Este raciocínio é a arma que esgrime contra o capital e o Estado. (RESENDE, 1986) Para abordar aspectos do pensamento de Proudhon sobre a História, serão utilizados como fontes dois livros: “Proudhon”, de Paulo-Edgar Resende e “Proudhon e Marx”, de Georges Guvitch. Proudhon foi também como o “homem dos paradoxos”, e suas proposições, realmente, muitas vezes eram contraditórias. Para compreender melhor seu pensamento, seria interessante analisá-lo à luz do contexto de produção e encará-los como construção, o que não seria possível nas pretensões deste modesto trabalho.

Na seleção de textos organizada por Paulo Resende e Edson Passeti, a principal referência feita à História, na obra de Proudhon, foi quando Resende e Passeti escrevem: Proudhon afirma não ter um projeto de sociedade, postulando antes um método de análise que possibilite detectar o movimento da história. (Ibidem: 21) Não ficou claro, onde, quando e em que obra Proudhon teria feito esta afirmação, porém se buscou identificar nos textos publicados este “método que detecta o movimento da história”. Segundo os organizadores da obra, o “movimento da história” aponta na seguinte direção: anarquia industrial, feudalismo industrial (referência ao jacobinismo estatizante), império industrial e, finalmente, a república industrial (referente ao mutualismo). (Ibidem: 18) O “movimento da história’ vai na direção da afirmação econômica da autonomia do trabalho, da negação da apropriação do Capital e da “democracia operária”.(Ibidem: 21)

Proudhon escreve que, diante da complexidade do real, o pensamento humano, no início, apela para um principio de unidade transcendente. Aí, surge o dogma, que é a afirmação estática, por cima da diversidade histórica, em que a fé religiosa transparece como passividade. (Ibidem: 14) Segundo o pensamento de Proudhon, a metafísica significa a mesma coisa que Deus para as religiões e a procura por um “motor da história” em certas concepções “científicas”. Ao fazer a crítica a toda tentativa totalizadora, e de unidade dogmática, Proudhon opta por chamar sua busca por uma explicação do “movimento da história” de método e não de teoria (para fugir das Leis da metafísica científica). Ele faz questão de afirmar que sua proposta não é exterior, não é transcendente à pratica social, e que a “teoria da lei serial” é um método de conhecimento assentado no terreno movediço da realidade plural. Segundo o filosofo, este método estabelece-se na relação de revezamento com a prática.

Segundo Proudhon, este método é um processo bem-determinado de conhecimento, que acompanha o movimento da prática. No pensamento dele, quem diz movimento diz série, unidade diversificada. A série é a condição fundamental da ciência, na medida em que a divisão, e não a unidade, é a primeira condição do que existe. (Ibidem:15s) Para o anarquista, o conhecimento serial é um tipo de saber que se processa em decorrência de uma relação prática dos homens com o mundo e suas criações, ensejando o desenvolvimento integrado entre teoria e prática.” (RESENDE, 1986:16) Proudhon escreve que, na teoria serial, não existe continuidade, pois continuidade é sinônimo de identidade absoluta e é análoga à ideia de substância e de causa. Quem diz substância, fala de algo particular, limitado; portanto, não contínuo nem absoluto. Também ocorre que, se é contínuo, não tem início. Se não inicia, não tem causa. Proudhon diz que a continuidade apresenta-se de fato para nós, mas ela é uma ideia verdadeira somente no momento em que ela apresenta-se anterior à diferenciação dos seres e anterior a nós. A ideia de continuidade é legitima porque a hipótese que ela exprime é em virtude das leis de nosso entendimento, que é obtida da própria observação da série, que é sua contraditória. Assim, a coesão dos corpos e a sucessão dos fenômenos nos dão a ideia de continuidade, mas na verdade esta continuidade não existe em parte alguma.(Ibidem:43)

Pierre-Joseph Proudhon escreve que a natureza não faz nada bruscamente e nem procede por saltos, mas opera de maneira sucessiva e progressiva. Essa ideia de continuidade é, na verdade, “progresso seriado”.

As ideias de continuidade e de progressão parecem realmente se excluir: quem diz progresso diz necessariamente sucessão, transporte, crescimento, passagem, adição, multiplicação, diferença, série, enfim; de maneira que a expressão movimento continuo não é mais que uma metáfora. (Idem)

O autor diz que cada série encerra em si mesmo seu princípio, sua lei, sua certeza. Cada uma das séries é independente, e o conhecimento de uma não supõe nem engloba o conhecimento da outra. (RESENDE, 1986:45) O que produz nas ciências a diversidade da série é a diversidade do objeto. Ainda que se possa, por abstração de todo objeto, construir uma teoria geral da seriação, as diversas formas de séries não se explicam umas pelas outras. Não existe ciência universal, porque não há objeto universal. (Idem)

De todas essas considerações, resulta que a metafísica, ou teoria da lei serial, não é ciência, mas método; não é um método especial e objetivo, mas um método sumário e ideal; que ela não prejulga e não exclui nada, acolhe todos os fatos e os nomeia sem temor de ser desmentida por nenhum; que ela não pretende de modo algum produzir por si mesma o conhecimento e não se antecipa à observação: bem diferente dos pretensos sistemas universais, construídos com base na atração, expansão, causação, deificação e outros sistemas ontológicos, monumentos da preguiça e da impotência. (Idem)

Proudhon diz que a série é a antítese da unidade, que se forma pela repetição das combinações diversas da unidade. (Ibidem: 46) A unidade, por sua vez, é considerada elemento da série, se reveste de todas as formas possíveis: (…) Numa roda de engrenagem, a unidade de série é o dente; num tabuleiro de xadrez, essa unidade é a casa; num poliedro, ela é a pirâmide, tendo seu cume no centro do sólido e sua base na superfície. (Idem) Proudhon defende a ideia do “sistema”, que configura o conjunto. O sistema é a roda de engrenagem, o tabuleiro etc. Este sistema deve ser compreendido de maneira progressiva, nos termos que o próprio Proudhon define: Sem unidade, nada de verdade, nada de beleza, nem mesmo de moralidade. Um sistema sem unidade é uma contradição; uma dupla justiça é a própria iniquidade. (Ibidem: 83)

Para Proudhon : (…) a história nos apresenta, numa sucessão lógica e cronológica, os dois princípios – Autoridade e Liberdade –, os mesmos de onde procede todo mal “(Ibidem:70) Ele escreve que, durante todos os tempos e em todas as sociedades, quanto mais um organismo ganha em unidade perde em massa. E que, em toda coletividade, a potência orgânica perde em intensidade o que ganha em extensão e reciprocamente. (Ibidem:83) Acrescenta ele: Essa lei é universal, rege o mundo do espírito tanto quanto o dos corpos; ela se encontra na filosofia, na ciência, no direito, na literatura, na arte, na poesia, na história etc. (Idem) O escritor opõe-se a toda filosofia da história, seja a de Bossuet, de Condercet, de Saint-Simon, de Hegel ou de Herder. Para ele, a filosofia da história nega a responsabilidade do homem coletivo ou individual, na orientação do esforço voluntário, seja no sentido do progresso ou do regresso. (GURVITCH:89)

Para Georges Gurvitch, na obra de Proudhon está presente a concepção de saber instrumental. No livro “La Célebration du Dimache”, ele escreve que deve existir uma ciência social (sociologia) que guie a revolução social. (Ibidem:25) Para o anarquista, a ciência deve ser um instrumento para a transformação da sociedade. No livro La Création de l’Ordre, Proudhon escreve: As leis da economia política são as leis da história. (Ibidem:44) Nesta passagem, Proudhon acredita na existência de Leis na “ciência social”, e que, no caso da história, as leis seriam encontradas na economia política. Para Proudhon, a História não é uma ciência, mas matéria de uma ciência. (Idem) Ele recusa confiar na ciência histórica do seu presente, que, segundo ele, é uma reconstrução guiada por ideologias da sociedade existente. (Idem) Em poucas palavras, pode-se perceber que Proudhon acreditava ser possível um ciência social, e que a História não é uma ciência, mas se utiliza das ciências auxiliares e que, na metade do século XIX, a História era utilizada para fins políticos e ideológicos.

Para Proudhon, o progresso é esforço criador e revolução sempre renovada, é visto como a negativa do absoluto. O progresso é a permanente mudança, transformação. (Ibidem:87) Ele defende uma dialética realista e empírica por um lado, e da liberdade coletiva criadora por outro. Os resultados não são previsíveis, no sentido de não serem determinados. (Ibidem:43) A dialética proudhoniana prova que, na realidade social, a liberdade e o determinismo social se interpenetram, se completam, se implicam e se polarizam de diversas maneiras. (Ibidem:142)

A análise sobre a ideia de História no discurso de Proudhon ficou prejudicada na medida em que não se teve acesso às obras de Proudhon, mas a interpretações das mesmas. Boa parte das informações apresentadas aqui são frutos de leituras indiretas. Não é necessariamente o que ele disse, mas o que se disse sobre ele. Pelo exposto no texto, é possível afirmar que Joseph Proudhon não quer construir uma teoria absoluta que explique “toda” a história, mas procura compreender a “Conjuntura” capitalista, a partir da “Revolução Industrial” onde ele fala em quatro tipos de períodos ou estágios da sociedade industrial. Ele procura construir um “método que detecta o movimento da história”. Sua concepção é “progressista” e parte da economia política. O progresso para ele representa a continuidade da ruptura. Os fenômenos desenvolvem-se em unidades arranjadas de forma sistêmica, onde cada parte mantém relativa ou total autonomia em relação ao todo. A base da sociedade, para ele, é a “oficina”, por isso ele defende a economia política. Defende as particularidades na história, o empírico, e que não há determinismo na história. Do que foi escrito acima, fica nítido que Proudhon não reconhecia, na História, uma ciência, que a explicação só é possível a partir da economia política (ciência auxiliar). Para ele, a história é uma narrativa lógica, cronológica e que é utilizada de forma político-ideológica.

3.2. Bakunin: a história é a negação do passado.

Michael Alexandtovich Bakunin nasceu em 1814 e faleceu em 1876. Pertenceu a uma rica família proprietária de terras na Rússia. Foi na Europa que se converteu ao radicalismo político. Participou das rebeliões que ocorreram em Paris em 1848 e 1849. Era um conspirador nato, viveu a maior parte do tempo de sua vida organizando insurreições, rebeliões, organizações políticas revolucionárias e preso. Nos curtos espaços de tempo que possuía, quando não estava em “barricadas” e organizando revoltas, escrevia principalmente artigos para a imprensa revolucionária e operária. (BAKUNIN, 1999:05s)

Dos vários escritos de Bakunin, neste manuscrito, que, mais tarde, torna-se conhecido como Deus e o Estado, ele dedica algumas linhas ao estudo da História. A primeira edição de Deus e o Estado foi, em 1882, publicada em Genebra, o titulo da obra não é de autoria de Bakunin, mas dos organizadores dos textos: Carlo Cafiero e Eliseé Reclus. O texto original foi recolhido de trechos do manuscrito denominado “Império Knouto-germânico” de 1871. Bakunin inicia seus escritos afirmando que três elementos constituem na história, as condições essenciais de todo desenvolvimento humano: 1º) a animalidade humana; 2º) o pensamento; 3º) a revolta. À primeira corresponde propriamente a economia social e privada; à segunda, a ciência; à terceira, a liberdade. (Ibidem: 03)

Bakunin escreve que o homem, com toda sua inteligência, ideias sublimes e aspirações infinitas “é produto da vil matéria”. (Idem) O revolucionário russo define-se materialista e escreve: Sim, os fatos têm primazia sobre as ideias; sim, o ideal, como disse Proudhon, nada mais é do que uma flor, cujas condições materiais de existência constituem a raiz. Sim, toda a história intelectual e moral, política e social da humanidade é um reflexo da sua história econômica. (Ibidem: 04) Para Bakunin, a condição animal no homem é nata, o pensamento é uma faculdade e capacidade, a revolta uma necessidade. (Idem) A ação progressiva da história se constituiu em combinar a faculdade de pensar e de se revoltar. É a potência negativa no desenvolvimento positivo da animalidade humana e que constitui tudo o que há de humanidade nos homens. (Idem) Para Bakunin, a humanidade é um ato de revolta; assim escreve: O homem se emancipou, separou-se da animalidade e se constituiu homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento especificamente humano por um ato de desobediência e de ciência, isto é, pela revolta e pelo pensamento. (BAKUNIN, 2008:06)

Para exemplificar a animalidade humana, Bakunin cita como exemplo a invasão da França pela Alemanha. No momento em que se aceita esta origem animal do homem, tudo se explica. A história consiste na negação progressiva da animalidade primitiva do homem pelo desenvolvimento de sua humanidade. Progredir é negar o passado. O autor acredita na “evolução” humana, ele é um evolucionista:

O homem, animal feroz, primo do gorila, partiu da noite profunda do instinto para chegar à luz do espírito, o que explica de uma maneira completamente natural todas as suas divagações passadas e nos consola em parte de seus erros presentes. Ele partiu da escravidão animal, e atravessou a escravidão divina, termo transitório entre sua animalidade e humanidade, caminha hoje rumo à conquista e a realização da liberdade humana. (Ibidem:10)

A antiguidade de uma crença ou ideia, longe de provar alguma coisa, deve, pelo contrário, torná-la suspeita entre nós. Justo porque, atrás de nós, está nossa animalidade, e, diante de nós, nossa humanidade; a luz humana, a única que pode nos aquecer e nos iluminar, a única que pode nos emancipar, tornar-nos dignos, livres, felizes, e realizar a fraternidade entre nós, jamais esta no princípio, mas, relativamente, na época em que se vive, e sempre no fim da história.(Idem)

Depois de afirmar que jamais devemos olhar para trás, que é necessário olhar sempre pra frente, aonde o autor chega falar em “salvação”, ele assim se refere ao estudo do passado:

(…) se nos é permitido, se é mesmo útil, necessário, nos viramos para o estudo de nosso passado, é apenas para constatar o que fomos e o que não devemos mais ser, o que acreditamos e pensamos, e o que não devemos mais acreditar nem pensar, o que fizemos e o que nunca mais devemos fazer. (Idem)

A História, também pode servir como “lição”, e como testemunho e recurso argumentativo, como nestes exemplos: (…) não faltam as provas da história (Ibidem:23); ou Numa palavra, não é difícil provar, com a história na mão (…) (Ibidem:25)

A contradição de Bakunin está no fato de que ele quer combater a “metafísica”, com outra “metafísica”, fazendo crer que existe um destino histórico. Esta contradição é expressa na passagem a seguir:

Ela sabe, enfim, quando não está viciada pelo doutrinarismo teológico ou metafísico, político ou jurídico, ou mesmo por um estrito orgulho, quando ela não é surda aos institutos e às aspirações da vida, e que o grande, o verdadeiro objetivo da história, o único legítimo, é a humanização e a emancipação, é a liberdade real, a prosperidade de cada indivíduo vivo na sociedade. (Ibidem:31)

Para tratar do estudo científico dos fenômenos sociais, Bakunin escreve que não são individualidades abstratas, mas indivíduos, agindo e vivendo, que fazem a história. Segundo ele, as abstrações só existem quando conduzidas por homens reais, e acrescenta: Para esses seres formados, não somente em ideias, mas em realidade, de carne e de sangue, a ciência não tem coração. (Ibidem: 32)

Bakunin escreve que a ciência jamais abdicaria de suas teorias eternas; para ele, isso é a “ciência”. Para ele, a ciência não se ocupa do concreto, ela só pode mover-se em abstrações:

Sua missão é ocupar-se da situação e das condições gerais da existência e do desenvolvimento, seja da espécie humana em geral, seja de tal raça, de tal povo, de tal classe ou categorias de indivíduos, das causas gerais de sua prosperidade, de sua decadência e dos meios gerais bons, para fazê-los progredir de todas as maneiras. Desde que ela realize ampla e racionalmente esta tarefa, ela terá feito todo seu dever e seria realmente injusto pedir-lhe mais. (Idem)

A crítica de Bakunin é posta no momento em que ele afirma que, até o presente momento, toda a história humana foi uma imolação perpétua e sangrenta de milhões de pobres seres humanos em nome de uma abstração impiedosa qualquer: Deus, Pátria, poder do Estado, honra Nacional, direitos históricos, liberdade política, bem-público. (Idem)

Bakunin discute a possibilidade da constituição de uma ciência histórica, e faz alguns questionamentos no sentido de saber o seu alcance: A verdadeira ciência da história ainda não existe; quando muito, começam-se a entrever, hoje, as condições extremamente complicadas. Mas suponhamo-la definitivamente feita, o que ela poderá nos dar?(Ibidem: 33) Ele escreve que esta História científica estabelecerá o quadro fiel do desenvolvimento das sociedades que tiveram história. Se ele diz: das sociedades que tiveram história, deixa implícito que em sua concepção existiram sociedades sem história. O ideólogo anarquista escreve: Mas este quadro universal da civilização humana, por mais detalhado que seja, jamais poderá conter, senão, apreciações gerais e, por consequência, abstratas. (Idem)

Sobre os bilhões de indivíduos que forneceram a matéria-prima viva e sofredora desta história, Bakunin diz que eles não encontrarão sequer o mínimo lugar nos anais. Desta forma, eles viveram e foram sacrificados pelo bem da humanidade abstrata, eis tudo! (Idem) Ele pergunta: Será preciso censurar a ciência da história? E responde: Seria injusto e ridículo. (Idem) A ciência é incapaz de abordar os indivíduos, pois estes são inapreensíveis pelo pensamento, pela reflexão, até mesmo pela palavra, que só é capaz de exprimir abstrações. Esta incapacidade, diz Bakunin, ocorre tanto no presente, quanto no passado. A ciência social, a ciência do futuro, continuará forçosamente a ignorá-los. No que podem contribuir as ciências sociais e a História:

Tudo o que temos direito de exigir dela é que nos indique, com mão fiel e segura, as causas gerais dos sofrimentos individuais, e, entre estas causas, ela sem dúvida não esquecerá a imolação e a subordinação ainda muito frequente, infelizmente, dos indivíduos vivos às generalidades abstratas; e, ao mesmo tempo, nos mostrará às condições gerais necessárias à emancipação real dos indivíduos vivendo na sociedade. Eis sua missão, eis também seus limites (…)” (Ibidem:33s)

Fica evidente que Bakunin é adepto da metafísica, chegando a afirmar: Todos os sistemas de metafísica nada mais são do que a psicologia humana se desenvolvendo na história. (Ibidem: 39) Ele escreve que a história é feita pelos homens, condicionados pelas condições históricas. Para fecundar os elementos históricos, para fazê-los percorrer uma série de transformações, é necessário um fato vivo, espontâneo, sem o qual podem permanecer muitos séculos ainda em estado de elementos improdutivos. (Ibidem: 40)

Neste texto de Bakunin, datado de 1871, Deus e o Estado é uma produção que possui como fundo o processo histórico. O autor inicia a exposição escrevendo sobre “estágios” ou “etapas” da história da humanidade. Bakunin proclama-se materialista, e escreve sobre as crenças e concepções ideológicas e filosóficas dos seres humanos na história. Trabalha com a ideia de progresso e evolução. Possui uma concepção metafísica da história, deixando transparecer que existe um “objetivo” na história, uma lei suprema etc. Para ele, o último estágio da evolução humana é a necessidade de revolta, que potencializa para a construção da sociedade mais humana. Michael Bakunin diz que não devemos estudar o passado, a História, para procurar exemplos positivos, mas sim exemplos negativos, de como não fazer. Justifica dizendo que atrás está nossa animalidade e é na frente que encontramos nossa humanidade. Fica evidente que, para ele, a humanidade não regride, que só existe progresso. Ele acredita que seria possível uma História ciência com suas leis correspondentes. Esta História científica não estudaria os indivíduos, pois somente trataria de generalidades. Teria como tarefa iluminar o caminho para libertação da sociedade e dos seres humanos. Para este anarquista, os indivíduos não apareceriam na História, somente os grandes conjuntos, grupos e classes. Bakunin afirma que existe algo exterior aos homens que condiciona o rumo da história, porém ele acrescenta que a história é feita pelos homens, condicionados, que fecundam os elementos latentes do devir histórico. Assim, percebe-se que Bakunin concorda com a criação de teorias científicas que expliquem o desenvolvimento da história. Ele possui uma concepção metafísica, hipotético-dedutiva e teórica para o estabelecimento da “ciência social” e da História.

3.3. Peter Kropótkine: A história no comportamento do homem.

Pedro Alekesyvich Kropotkine nasceu em 1842, na Rússia, e faleceu em 1921, no mesmo país. Era de família rica, descendia de nobres russos. Filho de um oficial de alta patente, Kropótkine não quis seguir a carreira militar e preferiu os estudos científicos. Tornou-se geógrafo, publicando várias obras importantíssimas, é ainda lembrado pelos geógrafos como o cientista que muito contribuiu para o conhecimento da história da terra. Vai para a Europa, onde se dedica ao estudo e produção intelectual, do que ele chama de “idealismo social”. A ciência passou a ser a serva de seus objetivos revolucionários. Na Suíça, participa ativamente de grupos de revolucionários e conspiradores, identificando-se com os anarquistas. Passou a produzir e publicar estudos de sociologia, procurando dar ao anarquismo o caráter de ciência. Para ele, a sociedade evolui no sentido da concretização da sociedade sem classes e sem o Estado. (WOODCOCK, 2002:212s) A obra escolhida para analisar-se, aqui, foi “A Questão Social”. No prefácio da edição francesa, de fevereiro de 1913, Peter Kropótkine agradece ao historiador (anarquista) “Dr. Max Nettlau”, pela ajuda na elaboração das Notas com o grande conhecimento deste último sobre a literatura socialista. (KROPÓTKINE, s/d:09)

Ao referir-se aos avanços da ciência, e a contribuição desta para a melhoria, reforma ou revolução da sociedade, Kropótkine cita, entre esses avanços, a “interpretação antropológica da história”. (Ibidem: 26) Depois de fazer uma avaliação da contribuição de Darwin para a interpretação dos fenômenos, Kropótkine escreve que a ideia de um contínuo desenvolvimento, da progressiva evolução e gradual adaptação dos indivíduos e sociedades às novas condições, a partir do momento em que estas se modificam, encontrou aplicação muito mais larga que a que, até então, pretendia explicar a origem das espécies. Assim escreve que, se fundamentando nesse principio, tão rico de consequência, foi possível reconstituir, não somente a história dos organismos, mas a própria das instituições humanas. (Ibidem: 40s)

Kropótkine afirma que os estudos de Darwin são os primeiros fundamentos sólidos e científicos da História. O evolucionismo fundamenta a história dos hábitos, dos costumes, das crenças e das instituições humanas. Essa fundamentação científica faltava para os cientistas sociais do século XVIII, e que, para ele, é um golpe contra a metafísica do século XIX:

Essa história – a das sociedades humanas, das várias instituições sociais e das religiões – podemos agora escrevê-la, norteando-nos pelo fecundo princípio da evolução, sem necessidade de recorrermos às formulas metafísicas de Hegel, sem ser preciso apelar para ideias inatas, para uma revelação exterior e superior ou ainda para a substância de Kant. (Ibidem:41)

Pedro Kropótkine diz que, graças aos trabalhos de naturalistas, que souberam aplicar o mesmo método científico aos estudos das instituições primitivas e das leis que delas derivam a sua origem, foi possível estabelecer a história do desenvolvimento das instituições humanas em bases tão firmes como hoje está a história do desenvolvimento de qualquer espécie vegetal ou animal. (Idem) Só foi possível obter resultados exatos, científicos, depois que os homens de ciência começaram a considerar os fatos históricos do mesmo modo por que um naturalista considera o desenvolvimento gradual dos órgãos de uma planta ou de uma nova espécie. (Ibidem: 42)

O cientista anarquista defende o método empírico para o estudo da história, relacionando a História à antropologia e não à economia política. Para ele, o estudo da antropologia, que o é o estudo da evolução fisiológica do homem e do desenvolvimento das suas instituições sociais e religiosas, auxilia e possibilita a compreensão da História. Só assim foi, enfim, possível traçar as linhas essenciais da história da humanidade, abandonando para sempre a metafísica, que, até então, só havia obstruído o estudo da História tal como a tradição bíblica obstruíra outrora o estudo científico e o progresso da geologia. (Ibidem:43)

Apresenta críticas aos marxistas, escrevendo: Em consequência da sua predileção pelo método dialético e pela metafísica econômica, em vez de se aplicarem aos estudos dos fatos concretos da vida econômica dos povos, bastaria referir os numerosos e crassos erros econômicos em que os marxistas incidiram. (Ibidem:43) Kopótkine diz que a metafísica só obstruiu o desenvolvimento e o estudo científico da história. Após criticar a metodologia dos economistas políticos, em relação ao que ele chama de metafísica (deduções) e elucubrações teóricas, Peter Kropótkine escreve: A questão unicamente pode ser resolvida estudando os fatos econômicos pelo mesmo método por que se estudam as ciências naturais. (Ibidem:152) Neste caso, o método empírico.

O cientista escreve que a estrutura da sociedade humana é algo que nunca está definitivamente constituído. As estruturas estão sempre transbordando de vida e vivem em continua mutação conforme as necessidades e aspirações de cada momento histórico. (Ibidem: 162) A história é feita pelos indivíduos, e acrescenta: (…) a nossa concepção de progresso está em uma ininterrupta aproximação do princípio do desenvolvimento da livre iniciativa individual e coletiva.(Idem)

Apresenta o papel político e ideológico do cientista e historiador, que, para ele, apresenta-se também na escolha dos temas de pesquisa: Pois que partido revolucionário somos, procuremos averiguar exatamente a gênese e a evolução das revoluções passadas, desembaraçando a sua história das falsas interpretações estatistas que os historiadores lhe têm atribuído até hoje. (Ibidem:163)

Kropótkine diz que, nas Histórias escritas até aquele tempo, das várias revoluções ocorridas, o que menos vemos nelas é a ação do povo. Afirma que, nestas Histórias, nada ficamos sabendo acerca de sua gênese. Ele afirma que as frases que se habituou ler na introdução dessas Histórias sobre o estado de desespero do povo, nas vésperas das sublevações, não nos elucidam em coisa alguma. Não sabemos como, no meio desse desespero, surgiu no espírito popular, e como se elaborou e desenvolveu a esperança de uma melhoria possível de situação, de uma aurora nova, que o redimisse da condição sofredora em que se achava. (Idem) O escritor incentiva a pesquisa história, ao escrever:

E assim é que, depois de havermos lido essas histórias, que nada esclarecem, se, porventura, quisermos encontrar alguma informação útil sobre a marcha das ideias e do seu despertar no seio do povo, a parte efetiva que este tomou nos acontecimentos, temos de recorrer às fontes históricas de primeira mão, sem o que ficaremos na mesma, como antes. (Idem)

Na conclusão do livro, Kropótkine afirma que os anarquistas optam pelo método indutivo-dedutivo para a apreciação das instituições humanas. (Ibidem: 170) Para ele, os anarquistas, usando do método indutivo-dedutivo da ciência, para reconstruir as instituições sociais e culturais, baseando-se nas modernas investigações etnológicas e antropológicas e utilizando-se dos documentos históricos que a ciência moderna tem vindo arquivando, oferece-se um caminho para uma interpretação da história. (Ibidem:171) A escolha pelo método indutivo-dedutivo é justificada por Kropótkine na medida em que previne e possibilita ao investigador corrigir possíveis erros nas descobertas e nos próprios métodos. Ele não concorda com a “metafísica alemã” e as “leis científicas”, pois, para ele, estas leis são tomadas como “verdades absolutas”; conforme Kropótkine, em primeiro lugar vêm os fatos, as realidades e a constituição de verdades provisórias, sempre críticas. (Ibidem:172)

Kropótkine diz que, entre os avanços da ciência, está a interpretação antropológica da história. Ele acredita que o evolucionismo confere cientificidade à História. Defende a utilização do método indutivo-dedutivo, que, para ele, é o verdadeiro método científico, partindo do empírico e confrontando com as teorias e generalizações. Defende que os fatos econômicos devem ser estudados com os mesmos métodos das ciências naturais, ou seja, caso a caso. Segundo Kropótkine, o historiador deve ser um agente político. Conforme o “cientista”, nas Histórias das revoluções escritas até aquele tempo, o que menos se vê é a participação do povo. Se por algum motivo, queira-se saber da participação do povo, seus projetos, suas ações, suas formas de organização e suas ideias, é necessário procurar nos documentos históricos.

3.4. Rudolf Rocker: a história como “vontade de potência”.

Rudolf Rocker nasceu em 1873 na Alemanha, e faleceu em 1958 nos E.U.A.; é reconhecido como historiador e ativista anarquista. Contribuiu muito para o pensamento anarquista do século XX, publicando mais de 30 obras. Sua principal obra é, sem dúvida, “Nacionalismo e Cultura”, obra em que assinala que o nacionalismo moderno é uma ruptura no processo geral da cultural. O primeiro capítulo desta obra, que será analisada a seguir, chama-se “La insuficiência del materialismo econômico” ou “A insuficiência de todas as interpretações históricas”, em algumas traduções. Rudolf Rocker acredita que seja impossível analisar a história com métodos científicos. (ROCKER, 2007)

Rocker escreve que o reconhecimento da significação das condições econômicas na conformação da sociedade é a essência do socialismo. (Idem) Para abordar as interpretações Históricas do marxismo, Rudolff Rocker diz que o erro fundamental da teoria marxista é equiparar as causas dos fenômenos sociais às causas dos fenômenos físicos. (Ibidem:02) Para ele, quanto mais profundamente se examina as influências políticas na história, mais se chega à convicção de que a “vontade de poder” tem sido, até agora, um dos estímulos no desenvolvimento das formas de sociedade humana. (Ibidem:01)

O historiador anarquista escreve que a ciência se ocupa exclusivamente dos fenômenos naturais, que está ligada ao tempo e espaço, sendo acessíveis aos cálculos do intelecto humano. (Ibidem: 02) Ele diz que grande parte das interpretações históricas se baseiam nesta noção errada das leis da existência e que estão na base de todo acontecimento social. Em outras palavras: porque confundieron las necesidades mecánicas del desarrollo natural con las intenciones y los propósitos de los hombres, que han de valorarse simplemente como resultados de sus pensamientos y de su voluntad. (Idem)

O historiador afirma que não nega a existência na História de relações internas que se pode atribuir à noção de causa e efeito, mas se trata de processos sociais, sempre de uma causalidade de fins humanos. As causalidades de natureza físicas se desenvolvem independentes do nosso consentimento; as causalidades históricas são manifestações de nossa vontade. (ROCKER, 2007) Toda finalidade humana preestabelecida é uma questão de fé, e escapa ao calculo cientifico. Assim, Rudolf Rocker diz que: En el reino de los hechos físicos sólo rige el debe ocurrir, en el reino de la fe, de la creencia, existe sólo la probabilidad: puede ser, pero no es forzoso que ocurra. (Idem)

Para ele, toda tentativa de previsão humana, de uma finalidade, é para a existência social de grande importância, porém deve deixar de considerar os acontecimentos sociais como manifestações forçosas de uma evolução naturalmente necessária. Semelhante interpretação tem levado aos piores sofismas e levado à perda total de todo verdadeiro entendimento da história. (Idem) Rudolf Rocker escreve sobre a incapacidade de prever os acontecimentos na história, a partir dos motivos e das causas:

Para el cálculo de motivos y propósitos humanos no hay ninguna medida exacta, porque no son accesibles, de ninguna manera al cálculo. Es imposible calcular y predecir el destino de pueblos, razas, naciones y otras agrupaciones sociales; ni siquiera nos es dado encontrar una explicación completa de todo lo acontecido. (Ibidem:04)

A definição de história, pelo historiador anarquista Rudolff Rocker, é a seguinte: La historia no es otra cosa que el gran dominio de los propósitos humanos; por eso toda interpretación histórica es sólo una cuestión de creencia, lo que, en el mejor de los casos, puede basarse en probabilidades, pero nunca tiene de su parte la seguridad inconmovible. (Idem) O escritor diz que toda interpretação da História pode conter ideias importantes para a explicação dos fatos históricos, isto é inquestionável, porém afirma que só não concorda com a afirmação de que a “marcha” da história esteja sujeita às mesmas e idênticas leis dos conhecimentos mecânicos e físicos da natureza. (Idem) Para ele, não existem leis na História, esta é sua afirmação categórica: No hay ninguna ley en la Historia que muestre el camino de cualquier actuación social del hombre. (Idem) As causas que originam os processos da vida social não têm nada de comum com as leis do devir natural físico e mecânico, pois estas causas são resultado das tendências finalistas dos homens, e que não se deixam explicar de modo puramente científico. (ROCKER, 2007)

Qualquer pessoa que pense de forma mediana sabe que é impossível conhecer um período histórico sem levar em consideração suas condições econômicas. Porém, é completamente equivocado querer que toda a história seja unicamente resultado das condições econômicas. (Idem) Sendo contrário ao monocausalismo econômico, Rudolf Rocker defende uma concepção pluricausal, ou multicausal:

Todos os fenómenos sociales se producen por una serie de motivos diversos que, en la mayoría de los casos, están entrelazados de tal modo, que no es posible delimitarlos concretamente. Se trata siempre de efectos de múltiples causas, que pueden reconocerse claramente, pero que no se pueden calcular de acuerdo con métodos científicos. (Ibidem:06)

O historiador anarquista destaca que a “vontade de poder”, que parte sempre de indivíduos ou de pequenas minorias da sociedade, é uma das forças motriz mais importante da história, porém que tem importância decisiva na formação da vida econômica e social inteira. (Idem) É um erro muito grave para os historiadores, quando os diversos estratos sociais de uma determinada época, são reduzidos a uma relação econômica, e completa: Una interpretación tal no sólo empequeñece el campo general de visión del investigador, sino que hace de la Historia entera una caricatura que ha de conducir siempre a nuevos sofismas. (Ibidem: 09)

Rudolf Rocker diz que as condições econômicas, por si só, não podem modificar toda uma estrutura social, se não existirem nos homens as condições psicológicas e espirituais que deem sentido e agrupem as forças sociais dispersas para uma obra comum. (Ibidem: 10) Segundo ele, todos sabem que as questões econômicas têm muita influência na transformação das condições sociais, mas é muito mais importante saber o modo como os seres humanos reagem, em seu pensamento e ação, sobre a influência e os passos que dão no sentido de implantar uma transformação na vida social considerada necessária. (Ibidem: 13) Para destacar o estudo dos fatores subjetivos na história, ele escreve: El valor y la cobardía no son determinados por las formas eventuales de la producción, sino que arraigan en los estratos psíquicos del hombre. (ROCKER, 2007)

Ao estudar as relações de poder, Rudolf Rocker destaca que é necessário analisar a “política de domínio”, sem se importar por quem esta seja movida e nem a que finalidade imediata sirva. (Ibidem: 16) Para o historiador, que escreveu este texto em 1937, o estudo da “vontade de poder” ou “política de domínio”, pode ser um instrumento para a interpretação da história, e assim completa: El triunfo o el fracaso de los planes de dominio capitalista-monopolistas determinará la nueva estructuración de la vida social en el próximo futuro. (Ibidem: 18)

Portanto, para Rudolf Rocker, o reconhecimento da importância do fator econômico é a essência do socialismo, porém não justifica o reducionismo e o determinismo econômico. Diz que não existe possibilidade do uso do método científico das ciências naturais para a interpretação da história. Para ele, não existem leis históricas, mas acredita no regime de causalidade. As causas em história são manifestações das vontades humanas. Acredita que seja interessante a busca por “previsão” na história. Escreve que, no máximo, pode-se falar em probabilidades em História, nunca em certezas. Defende a ideia de que, em história, não existe um mecanismo monocausal, mas sim pluricausal. O historiador acredita que a “vontade de poder” é um grande estimulador do desenvolvimento das formações sociais. Para ele, minorias, muitas vezes organizadas, possuem importância decisiva na formação da vida econômica e social de dadas sociedades. A “vontade de poder” ou a “política do domínio” deveriam ser mais bem estudadas na História, pois estas forças é que disputam e são deveras responsáveis pelas representações e construções sociais que existem. Rudolf Rocker, fazendo alusão às atividades políticas revolucionárias, diz que não são as condições econômicas que produzem o covarde.

  1. Conclusão

As discussões propostas por Proudhon em relação à história estão de acordo com o historicismo e o empirismo positivista e da Escola Metódica, na medida em que ele não pretende criar uma teoria que explique toda a história, mas um “método que detecta o movimento da história”. Pretende deixar de lado toda metafísica, a filosofia da história, porém o que mais vemos em suas obras são citações de historiadores românticos, como Michelet. As contradições aparecem, e o autor não as nega, uma vez que ele afirma o movimento teleológico da história, representado na continuidade da ruptura. Para ele, os fenômenos desenvolvem-se em unidades arranjadas de forma sistêmica, onde cada parte mantém relativa ou total autonomia em relação ao todo. Defende as particularidades na história, o empírico, e que não há determinismo na história. Para Proudhon, a História é uma narrativa lógica, cronológica e que é utilizada de forma político-ideológica, funcionando com o auxílio de “ciências auxiliares”, que, para ele, seria a economia política. O modelo de ciência, segundo ele, era a ciência natural; por isso, Proudhon não admitia que a História produzisse leis, portanto a História não seria ciência. Proudhon discutia com Marx a questão da constituição de “Ciências Sociais”. Marx buscava a construção de uma teoria, não pelo método empírico, mas pelo dedutivo. Proudhon acreditava que a constituição de teorias, principalmente se não fossem fundamentadas em experiências, seria a intromissão da filosofia e da ideologia na ciência. Em uma carta em resposta a Marx, Proudhon escreve: (…) faço profissão pública de um antidogmatismo econômico quase absoluto. Se o senhor quiser, investiguemos juntos as leis da sociedade. (…) Mas, por Deus! Depois de demolir todos os dogmatismos a priori, não sonhemos, de nossa parte, com a doutrinação do povo. (RESENDE, 1986: 20) Proudhon dizia que não é o econômico que determina a sociedade, mas a sociedade (conjunto de vários fatores) que produz a economia. Ele morreu dois anos antes da publicação de O Capital.

Bakunin tenta “desvendar” o processo histórico, descrevendo sobre “estágios” ou “etapas” da história da humanidade. Proclama-se materialista, e escreve sobre as crenças, as concepções ideológicas e filosóficas dos seres humanos na história. É um iluminista, acreditando na razão e na ideia de progresso e evolução. Possui uma concepção metafísica da história, deixando transparecer que existe um “objetivo”, um destino já traçado na história. Michael Bakunin desconfia do passado e possui fé no futuro. Defende uma ruptura com o passado, que o devir histórico é contra a história. Ele acredita que seria possível uma História ciência com suas leis correspondentes. A História científica, para Bakunin, não estudaria os indivíduos, mas somente os grandes grupos e classes. Teria como tarefa iluminar o caminho para libertação da sociedade e dos seres humanos. Bakunin afirma que existe algo exterior aos homens que condiciona o rumo da história; porém, ele acrescenta que a história é feita pelos homens, condicionados, que fecundam os elementos latentes do devir histórico. Ele possui uma concepção metafísica, hipotético-dedutiva e teórica para o estabelecimento da História ciência. Não se pode deixar de considerar que o texto de Bakunin é incompleto, foi interrompido. Sua análise histórica é muito fraca, metafísica, filosófica e muito idealista. Destaca-se que, no período em que ele escreveu seu texto, alguns historiadores já estavam procurando a constituição da história como ciência social, com suas teorias próprias e independentes. Ele procurou fazer o contraponto ideológico à produção de Marx, que escreveu sua tese fundamentando-se na economia política, enquanto Bakunin, embora se afirmando materialista, produziu o que hoje se chama “história das mentalidades”.

No inicio do século XX, antes da Primeira Guerra e da Revolução Russa, Kropótkine, também em oposição ao marxismo, diz que, entre os avanços da ciência, está a interpretação antropológica da história. Ele acredita que o evolucionismo confere cientificidade à História. Defende a utilização do método indutivo-dedutivo no estudo da História, que, para ele, é o verdadeiro método científico, partindo do empírico e confrontando com as teorias e generalizações antropológicas. Defende que os fatos econômicos devem ser estudados com os mesmos métodos das ciências naturais, ou seja, caso a caso. Defende também que o historiador deve ter compromisso político. Na historiografia das revoluções escritas, até aquele momento o que menos se vê é a participação do povo. Para saber da participação do povo na história, seus projetos, suas ações, suas formas de organização, lutas e ideias, é necessário procurar nos documentos históricos. Kropótkine pensava de acordo com os historiadores de seu tempo – procuravam uma história social, onde aparecesse a participação do povo. Defende uma concepção de história científica aliada às ciências sociais, principalmente a antropologia. Buscava provar que a “ajuda mútua” era o fator determinante no processo histórico, que conduzia a sociedade para o “reino” da igualdade e da liberdade. Apesar disso, no caso da História especificamente, foi bem coerente em termos teóricos e metodológicos.

O historiador Rudolf Rocker afirma que reconhecer a importância do fator econômico é a essência do socialismo, mas isso não justifica o reducionismo nem o determinismo econômico. Para ele, não existe possibilidade do uso do método científico das ciências naturais para a interpretação da história. Ele escreve que não existem leis históricas, todavia acredita no regime de causalidade. As causas em história são manifestações das vontades humanas. Não acredita em leis históricas, embora considere que, no máximo, seja possível falar em probabilidades em História, nunca em certezas. É contra a tese de um mecanismo monocausal, defendendo, sim, o pluricausal. Para Rudolf Rocker, a “vontade de poder” é um grande estimulador do desenvolvimento das formações sociais. As minorias, muitas vezes organizadas, possuem importância decisiva na formação da vida econômica e social de dadas sociedades. Os historiadores deveriam estudar mais a “vontade de poder” ou a “política do domínio”. Rudolf Rocker parece não estar acompanhando as transformações historiográficas que passam a surgir a partir da Escola dos Annales. O modelo de ciência que os historiadores vêm tomando desde o início do século não é o das ciências naturais e nomotéticas, mas as ciências sociais que vêm se desenvolvendo. Sua crítica ao determinismo econômico propõe uma historiografia contraria ao marxismo-leninismo. Em sua principal obra, denominada “Nacionalismo e Cultural”, aborda questões caras ao socialismo, como o Estado e o nacionalismo. O estudo de sua prática historiográfica merece mais dedicação nos termos da metodologia e da historiografia. A princípio, o que pôde ser observado é que, neste capítulo sobre metodologia da história escrito por ele, não exclui o político da história como faz a Escola dos Annales.

Resumindo: o único que apresenta um pensamento destoante é Bakunin. Ele se difere dos outros anarquistas por acreditar em um “destino na história”, na razão iluminista e na ciência. Defende que o principal fator determinante na história é o fator econômico, aposta na constituição da “Ciência histórica” e que sejam criadas leis históricas. O método de Bakunin é hipotético-dedutivo (metafísico). Proudhon, querendo criar um método e defendendo o empirismo, criou uma teoria. Kropótine misturou “ciência” e ideologia (filosofia), contudo foi capaz de formular orientação mais coerente para a prática historiográfica, para a construção do saber histórico ao relacionar a história com a antropologia. O único problema nas discussões de Rudolf Rocker é o fato de ele considerar somente o modelo das ciências naturais como sendo o verdadeiro método científico.

Considerando as observações acima, o pensamento anarquista em relação à história apresenta algumas características: a aposta na concepção de que os homens possuem autonomia relativa perante o devir; que a história é uma construção a partir da disputa de vários projetos e de diversos agentes sociais; que não existe determinismo; que existe uma continuidade de rupturas; que as causas em história são de caráter humano e social; que não existe um mecanismo monocausal, mas sim pluricausal e que não existem leis, em história. A história existe em diálogo com as ciências sociais. Os anarquistas defendem em primeiro lugar o estudo do empírico, as particularidades, individualidades e especificidades, articulando, estas, ao global e geral, à unidade e à teoria. No campo temático, os anarquistas em estudo apostam na história das ideias e mentalidades, uma história social da cultural.

A questão fundamental, para os tempos atuais, é que os projetos sociais de igualdade e liberdade não dependem da vontade da ciência. A ciência não tem vontade. As ideologias sim, estas podem construir, de acordo com as condições reais, seus projetos de socialismo e liberdade. A História pode contribuir, na construção dos discursos de identidade, nas memórias de lutas, no estudo dos processos reais, para a construção dos programas revolucionários. A busca do sentido que defende Dosse pode estar na possibilidade de trabalhar com a pluralidade serial, respeitando as particularidades e articulando de forma federativa e libertária os saberes e poderes em “combates pela história”.]

Anderson Romário Pereira Corrêa, em Anarkismo.net

  1. Bibliografia

BAKUNIN, Michael Alexandrovich. 1814 – 1876. Textos Anarquistas. Seleção e notas de Daniel Guérin. Porto Alegre: L&PM, 1999.

BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. http://www.culturabrasil.org/deuseoestado.html.26/06/20…10:25

COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine. Max Weber e a história. São Paulo: Brasiliense, 1995.

DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Tradução Dulce Oliveira Amarante dos Santos; revisão técnica José Leonardo do Nascimento. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
GURVITCH, Georges. Proudhon e Marx. Biblioteca de textos universitários. 2ª Edição. Editorial Presença/Martins Fontes.s.d.

KROPÓTKINE, Peter. A Questão Social: O humanismo libertário em face da ciência. Rio de Janeiro, Ed. Mundo Livre. s/d.

MONGE, Rodrigo Quesada. Utopia y anarquia em el discurso historiográfico contemporâneo. Escaner Cultural. Santiago de Chile. Revista Virtual. Ano 8. Número 82, Abril de 2006. http://www.escaner.cl/escaner82/perfiles.html. 25/06/2008. 11:05.

REIS, José Carlos. Da “história global” à “história em migalhas”: o que se ganha, o que se perde? In: Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Ed.Universidade/UFRGS, 2000.

REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo. Ática, 1996
RESENDE, Paulo-Edgar e Edson Passeti. Pierre-Joseph Proudhon:Política. São Paulo. Ed. Ática, 1986.

ROCKER, Rudolff. La insuficiência de todas las interpretaciones históricas. In: Nacionalismo e Cultara.1ªEd.Londres, 1937. 1ª Ed. Cibernética, março de 2007. http://es.wikipedia.org/wiki/Rudolf_Rocker

WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas –v.2, O movimento. Porto Alegre, L&PM, 2002.

Obs.:Artigo integrante dos instrumentos avaliativos utilizados pelo Prof. Dr. Arno Alvarez Kern durante o Seminário: “Debates teóricos do tempo presente sobre a epistemologia do passado: teorias da história e da arqueologia.”. Mestrado em História – PUCRS.2008.

Publicado primeiramente no:

http://www.estrategiaeanalise.com.br/ler02.php?idsecao=…b2308

http://andersonpereiracorrea.blogspot.com/

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Nota

[1] Durante as programações da I Feira do Livro Anarquista de Porto Alegre, foi lançado o livro “A História por Anarquistas”. Com apresentação de Felipe Corrêa, que escreveu sobre o anarquismo contemporâneo/ a história para os anarquistas/ teoria e método de análise; O primeiro capitulo foi escrito por Bruno Lima Rocha, com o capitulo “organização política Anarquista e Democracia de Base Libertária. Bruno desenvolve seus argumentos “com exemplos e debates de fundo histórico e sob a perspectiva do anarquismo de matriz especifista.” O texto a seguir é o segundo capitulo “A História na Visão de Anarquistas”, de autoria de Anderson Romário Pereira Corrêa.

O que explica o Lula ter tantas terras na Argentina (?)

Lulaladrao
Sensacionalista

Um senhor muito sério e bastante respeitável me confessou ter ficado abismado com a quantidade de terras que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva possui na vizinha Argentina.

Em voz mais baixa (nunca se sabe quem pode estar nos escutando) revelou, também, que as terras do ex-presidente não se localizam apenas em território argentino, mas igualmente no Paraguai e até mesmo no Brasil.

Fiquei imaginando o tamanho das terras do ex-presidente brasileiro

Mas o que sempre me intrigou mesmo é o poder que essa gente tem de amealhar terras, empresas, aviões e, em alguns casos, até navios na maior desfaçatez, no maior desprezo às leis e à opinião púbica.

E também sempre me espanta como eles conquistam isso tudo em breves períodos de tempo.

Devem ser gênios do enriquecimento rápido, coisa que está fora de nossas capacidades de compreensão, por mais que nos esforcemos.

Nesses anos todos vivendo já juntei uma ruma e meia dessas histórias, de tal sorte que até daria um livro, se eu tivesse algum talento para escrevê-lo.

Eu, como jornalista, fico constrangido não com a minha incapacidade mas com a nossa incapacidade de não registramos esses enriquecimento relâmpagos e suspeitíssimos.

Alguém nos acusará de sermos “comprados”, e por isso não darmos uma nota sequer sobre esses neo-ricaços e suas riquezas.

Bem… se alguém comprou alguém certamente nenhum deles me avisou, porque por mais que eu tenha vivido (e já vivi bastante) nunca consegui ser comprado.

Mas convenhamos, eu não sou exatamente um cara brilhante, e portanto tudo isso pode ter realmente ocorrido nas minhas barbas (que já estão um bocado brancas) sem que eu tenha percebido.

Mas o que sinceramente eu não entendo é que toda a imprensa tenha se calado a respeito, quer seja por desonestidade, quer seja por bobice como a minha.

Por exemplo, como entender o papel do jornalismo argentino, no caso das terras do Lula, por exemplo, e em especial do El Clarin, que nunca morreu de amores pelo esquerdismo, pelo trabalhismo, e muito menos pelo Lula?

Eles nunca deram uma notica que fosse a respeito das terras do Lula.

Suspeito isso!

Ou a propina que Lula derrubou nas mãos sujas dos patrões dos jornalistas e nas dos próprios jornalistas argentinos foi um troço monumental (capaz de destruir toda a fortuna amealhada pelo ex-presidente brasileiro), ou tem alguma coisa muito errada nessa história, de tão fantasiosa, estúpida e mentirosa.

Na minha simplicidade eu escolheria esta segunda hipótese.

Márcio Tadeu dos Santos

Eleição indica um presidencialismo enfraquecido e refém de senadores e deputados

Baralho
Lula já é carta fora do baralho? (reprodução)

Pelo menos até o momento, quando ainda estamos na fase das pesquisas de intenção de votos para a presidência da república, parece que mais uma vez o Brasil não elegerá os ditos extremistas.

A população indica (e percebe) como extremistas o esquerdista Guilherme Boulos e o direitista Jair Bolsonaro.

Apesar do discurso edulcorado da comunista Manuela d’Ávila talvez pudéssemos colocá-la nesse mesmo rol; mas o PCdoB, partido à qual pertence, anda tão mais doce que a política gaúcha que é melhor deixá-la de lado.

Manuela não tem a menor chance de se eleger e dificilmente terá mais de 4% dos votos, apesar do apoio, que até agora parece maciço, de artistas de esquerda, como Chico Buarque de Holanda.

Chico apoiando Manuela quer dizer que já se dá Lula como carta fora do baralho.

Está ela fazendo o que podemos chamar de figuração e seu partido tentando apenas barganhar alguns postos no futuro governo, se o futuro for de esquerda, o que é improvável.

Boulos talvez nem chegue perto dos 4% dos votos.

O ativista social é apenas mais um ensaio lulista, mas de concreto mesmo, no futuro, o que ele poderia almejar e alcançar seria a assembleia legislativa de São Paulo ou a câmara dos deputados em Brasília.

Mas melhor seria que ele se mantivesse apenas ativista do MTST.

Já Bolsonaro preocupa tanto esquerdistas, quanto os liberais, mas a entrada do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, soa como um alerta para o candidato do Rio de Janeiro.

Bolsonaro, agora, passa a imaginar que poderá nem mesmo chegar ao segundo turno.

 “Com que roupa eu vou”[1]

Fernando Enrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (em seu primeiro mandato) conseguiram, através de alianças, sustentar uma coalisão (governabilidade) às vezes custosa, mas que lhes permitiu levar seus respectivos governos mais ou mesmo tranquilamente.

Isso não se viu com Fernando Collor de Mello que teve de renunciar para não sofrer o impeachment  e com Dilma que, perdendo toda a sua base de apoio, sucumbiu em pouco mais de um ano (segundo mandato).

Atualmente, nenhum candidato à presidência parece ter forças para aglutinar maioria no congresso.

A população, por seu lado, deverá votar aleatoriamente em deputados e senadores, pensando mais nos indivíduos que lhes possam representar ou lhes favorecer, e menos em partidos e em ideologias.

O resultado dessa barafunda talvez nos permita ter uma antevisão de um inferno à brasileira.

Por aqui, tudo o que é ruim pode sempre piorar mais um pouco.

Nota

[1] https://www.youtube.com/watch?time_continue=4&v=rETSGoLBjjk

 

“Sem emenda – Ódios do tempo presente”

Politicamente correto
Tribuna da Internet

[Chamam-lhes movimentos tribais. Reflexos ou populismo de tribo. Também há quem diga fanatismo e respectivas hordas ou mesmo fanatismo nacionalista. Os mais específicos falarão de supremacia branca, de racismo e de xenofobia. Eis umas tantas designações correntes para estes fenómenos actuais ou ódios contemporâneos. Estes termos parecem estranhamente empenhados em denunciar comportamentos brancos, de preferência europeus e americanos. Todos eles com inimigos declarados: negros, árabes, indianos e chineses e ainda uns acrescentos de muçulmanos, ciganos, romenos e outros imigrantes.

Acontece que estes comportamentos e estes valores, reais e detestáveis, não são únicos e são exactamente iguais a outros, simétricos e também detestáveis, de negros, árabes e indianos, contra os brancos e mesmo uns contra os outros. E todos se parecem com outros, não menos tribais, não menos fanáticos e também totalmente detestáveis: os das claques desportivas, das ideologias partidárias e dos ódios de classe…

Lamentavelmente, há sempre duas medidas. Se o racismo for dos brancos, dos cristãos e dos europeus, não tem perdão. Se for dos negros, dos muçulmanos e dos africanos, tem desculpas.

Se a xenofobia for prática corrente de brancos, europeus e cristãos, trata-se de odiosa forma de estar no mundo, de despotismo de exploradores e de intolerável egoísmo. Se for a rotina de negros, índios, Indianos, chineses, árabes e ciganos, são as reacções naturais de defesa e da dignidade.

Se o tribalismo for de partidos políticos ou de classes sociais, é forma superior de consciência de classes e de empenho cívico. Mas se for de nação ou região, é a deriva fascista e o populismo soberanista opressor.

Verdade é que os ódios do tempo presente têm estas formas de se exprimir. Umas são desculpadas pelas modas, outras não, mas todas igualmente destruidoras da razão. No Parlamento, a ira, a falta de cortesia e a agressividade são semelhantes às que se exprimem no estádio de futebol. Está em vigor o princípio segundo o qual o radicalismo adversário é fonte de orgulho e de razão. Quando é exactamente o contrário. A agressividade e a hostilidade adversária são estéreis, destinadas a regimentar e não a fundamentar. Diz-se que a ruptura entre esquerda e direita salva a democracia e clarifica argumentos. Nada mais enganador. Em todos os momentos difíceis da vida de um país, foi necessário fazer convergir esforços e razões. Na vida política e social da democracia, a ruptura não é saudável. Quando acontece, vencem a revolução, o caos, a ditadura e a corrupção.

São os reflexos condicionados que fazem com que se julgue a corrupção com dois pesos. Se for da direita, da banca, das grandes famílias, das empresas e dos patrões, é excelente ou inexistente para a direita, mas péssima e condenável para a esquerda. Mas, se for da esquerda, dos socialistas, dos comunistas e aparentados, ou não existe ou tem perdão por ser popular, mas péssima e pecaminosa para a direita. Ambas, esquerda e direita, consideram que a única corrupção com direito à existência é a sua própria. Ambas só têm olhos para a corrupção da outra.

Diz-se hoje que a corrupção é de classe e o terrorismo é político. Ora, cada vez mais se percebe que não têm cor nem ideologia, que a esquerda é tão corrupta quanto a direita, que a esquerda recorre tanto ao terrorismo quanto a direita. O terrorismo e a corrupção já não têm ideologia, nem classe, nem política, nem filosofia, nem desculpa! São os ódios do tempo presente. São os inimigos das liberdades e dos direitos dos cidadãos.

Certos estilos de governo e alguns géneros de liderança são também objectos destes dois pesos. Putin, Trump, Fujimori, Chavez, Maduro, Lula, Berlusconi ou Sócrates: bons exemplos do modo como gestos iguais, estilos semelhantes e métodos afins têm uma valoração moral e uma classificação política muito diferentes. Na política, como na guerra. Ou como na banca e nos estádios. O princípio é simples: os meus favoritos podem mentir e roubar; podem enganar e trair; podem matar e destruir: o que lhes peço é que sejam eficientes e destruam os adversários. E que o árbitro não veja.]

Publicada por António Barreto para o site Jacarandá – (DN, 15 de abril de 2018)

“’Céu é o limite’ para Lava Jato após prisão de Lula’, diz cientista político”

coxinha
Reprodução

[Após a ordem de prisão contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a operação Lava Jato passa a ter “o céu como limite” se não sofrer qualquer interrupção, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira.

Em entrevista a BBC Brasil, Nogueira – professor titular de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – compara a estratégia de investigadores envolvidos na operação à dinâmica do jogo de dominó.

“É preciso quebrar uma peça para desencadear a quebra de várias outras”, diz Nogueira. “No momento em que se consegue fechar o cerco e levar Lula e alguns outros personagens desse esquema para a prisão ou para a condenação judicial, o caminho acaba por ficar livre, e a operação deverá explorar outros núcleos”.

Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na ditadura militar, Nogueira foi detido durante um congresso da sigla e passou duas noites sob a custódia da Polícia Federal, em 1982.

Nos anos seguintes, afastou-se da vida partidária e passou a se definir como um “comunista democrático e sem partido”. Paralelamente, tornou-se um dos maiores especialistas do país na obra do filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), considerado uma das maiores influências da esquerda moderna brasileira.

Na entrevista à BBC Brasil, Nogueira diz ainda que o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro (PSL) deverá ser o maior beneficiado pela saída de Lula da eleição presidencial.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Qual a relevância histórica da ordem de prisão contra Lula?

Marco Aurélio Nogueira – Do ponto de vista político, ela agrava a condição de Lula se manter como o candidato a presidente nas eleições.

Outro ponto é que, na medida em que uma decisão desse tipo alcança uma figura de porte tão grande, ela acaba por emitir sinais para a sociedade de que a Justiça está sendo organizada para valer. De que não há mais limites para se pegar eventuais corruptores ou corruptos estejam onde eles estiverem, sejam de que classe social ou de partido político eles forem.

BBC Brasil – Muitos argumentam que a Justiça não tem tratado o PSDB com o mesmo rigor com que trata Lula e o PT.

Nogueira – Não há como fazer comparação entre o tamanho do esquema montado no plano federal (durante o governo do PT) e os esquemas que foram montados pelo PSDB em São Paulo e Minas Gerais. O esquema federal era muito forte, havia muito dinheiro envolvido, muitas empresas, muitas ligações internacionais. Ali se tratava de comprar uma briga de cachorro grande.

BBC Brasil – Acredita que a Lava Jato manterá sua vitalidade após a prisão de Lula?

Nogueira – A Lava Jato tem atuado até hoje como se disputasse uma partida de dominó. É preciso quebrar uma peça para desencadear a quebra de várias outras. Ela usou a estratégia de capturar o principal personagem da vida política brasileira, o Lula.

A partir daí, se a Lava Jato não sofrer uma interrupção, o céu é o limite. No momento em que se consegue fechar o cerco e levar o Lula e alguns outros personagens desse esquema para a prisão ou para a condenação judicial, o caminho acaba por ficar livre, e a operação deverá explorar outros núcleos.

Por isso, quase todos os partidos estão de alguma maneira solidários com o Lula. Pressionaram o STF (Supremo Tribunal Federal) para aliviar a pressão em cima dele antes, o que livraria a cara de um monte de gente.

Hoje (sexta-feira) foi preso o principal operador do PSDB em São Paulo, o (ex-diretor da Dersa) Paulo Preto. Pode ser o início de alguma coisa. A Lava Jato poderá alcançar, via Procuradoria Geral da República, o (presidente) Michel Temer, como a operação Skala deixou claro. Há uma série de coisas que, se acionadas, poderão recompor o modus operandi do sistema político brasileiro.

Não acho que isso vá acontecer a tempo de interferir nas eleições de 2018. É um processo de mais longo prazo, que terá de se estender com todos os obstáculos que surgirem.

BBC Brasil – Qual o significado da prisão para a trajetória de Lula? Ele está morto politicamente?

Nogueira – A rigor, a morte política nem sempre se dá nem mesmo quando o fulano morre. A força política pode subsistir até mesmo a materialidade física de uma pessoa. Basta lembrarmos o tanto que Getúlio Vargas, depois de sua morte em 1954, interferiu na política brasileira.

Preso ou solto, acho que Lula vai continuar muito vivo. Não tem como ele sumariamente ser descartado da política brasileira simplesmente por um ato da Justiça que o enviou à prisão.

Há muitos recursos que podem ser mobilizados em termos simbólicos, ideológicos, organizacionais e partidários para manter vivo esse personagem – seja como fator real de interferência na política, seja como mito, herói ou mártir.

BBC Brasil – Como Lula poderia influenciar na eleição de 2018 se estiver preso?

Nogueira – Vai depender muito de que engrenagens forem montadas entre o Lula prisioneiro e o eleitorado brasileiro. Ele poderá influenciar na escolha de um candidato que vá substituí-lo e encarná-lo no processo eleitoral. Mas isso precisaria passar por uma discussão muito grande, que leve em consideração as dificuldades que o próprio PT sempre teve de substituí-lo como liderança.

Se o Lula na cadeia puder fazer campanha para outro candidato, que outro candidato será esse? O PT se preparou para apresentar uma alternativa? Tem lideranças que possam se colocar numa via de força semelhante ou próxima à do Lula? Não tem. Então isso complica muito as possibilidades de transferência.

Também vai depender muito da capacidade que os partidos pró-Lula tiverem para levar sua mensagem, como ventríloquos do Lula. Os partidos que giram em torno do PT são muito fracos. E o próprio PT está muito desbaratado com os fatos das duas últimas semanas.

BBC Brasil – Qual o potencial de outra candidatura do PT? Quem o senhor acredita ser o nome mais provável a substituir Lula?

Nogueira – Não consigo ver como o PT vai resolver esse problema. Eles já deveriam ter feito isso alguns meses atrás. Agora vai ser muito difícil, porque os políticos que foram aventados, como Fernando Haddad e Jaques Wagner, são políticos muito fracos, que não são digeridos por inteiro até pelo próprio PT. O Haddad sempre foi hostilizado no PT como um petista tucano.

Ficou muito difícil para o PT encontrar uma saída em termos de candidatura que realmente promova um crescimento ou mantenha pelo menos a força eleitoral do partido.

BBC Brasil – O PT sobrevive à prisão do Lula?

Nogueira – Sobrevive. Não sei se com a mesma força de antes, porque o partido sofreu muitas quedas de 2016 para cá, seja em termos políticos, com o impeachment e as derrotas nas eleições municipais, seja do ponto de vista jurídico-político. A combinação desses dois percursos acidentados deverá afetar o partido no que diz respeito à sua imagem.

O PT tenderá a perder uma parte grande da classe média, que era uma parte importante do eleitorado petista, e poderá até mesmo ter sua imagem queimada ou ofuscada entre a população mais pobre, que vai ter de digerir esse processo.

No caso da classe média, o cenário é mais difícil, porque ela é muito mais moralista que as massas populares. A massa popular, os eleitores pobres do Lula, é pragmática.

Eles são lulistas porque têm uma postura de agradecimento com o Lula, e, mesmo que ele seja corrupto, eles perdoam. Estão acostumados com a corrupção, não há um veto moral ao político corrupto no seio da população mais pobre. O que há ali é o reconhecimento do político que prestou algum tipo de benfeitoria social.

BBC Brasil – Quais os impactos da prisão de Lula para outros partidos de esquerda não tão alinhados ao PT e que lançaram candidatos à Presidência, como o PDT, de Ciro Gomes e o PSOL, de Guilherme Boulos?

Nogueira – Talvez isso se aplique ao Ciro Gomes, mas não ao PSOL. O Boulos está no palanque da resistência no Sindicato dos Metalúrgicos. Ele sempre foi uma liderança sintonizada com o lulismo. Boulos faz certo tipo de crítica, mas é muito mais próximo do Lula do que qualquer outra figura do PSOL.

No caso do Ciro Gomes, ele tem uma trajetória política que só com muito esforço pode ser aproximada da esquerda. Ele não tem um partido propriamente de esquerda e já passou por tantos partidos que é difícil entendê-lo simplesmente como uma figura de esquerda. Pode-se dizer que é um progressista com uma carreira própria.

Ele terá de pensar como se aproveitar desse afastamento do Lula. Acho que Ciro agirá muito mais em função da oportunidade eleitoral do que de solidariedade a Lula. Ciro imagina ter chance eleitoral e, dentre os candidatos do progressismo, ele e a Marina Silva são os que de fato têm mais fôlego.

BBC Brasil – Ciro e Marina são os principais beneficiários da saída de Lula da disputa?

Nogueira – Não acho. Uma parte grande do voto do Lula vai para o Bolsonaro, porque ele está fazendo uma campanha que de alguma maneira copia certas práticas e procedimentos que foram típicos do Lula. Só que Bolsonaro faz isso com o sinal invertido. O Lula era bonzinho, o Bolsonaro é mauzinho.

Eles estão tentando construir por vias antagônicas uma narrativa de trajetória que se aproxima muito da ideia do salvador da pátria, daquele sujeito que assumirá o poder presidencial para varrer tudo o que há de errado no Brasil.

Se o Bolsonaro de fato ganhar, a gente sabe que não será bem assim. Tanto que o Lula de 2002 emergiu com um discurso desse tipo e foi se acomodando ao jogo político, fazendo alianças espúrias e deixando de fazer o que seu discurso de campanha anunciava, que era uma reforma social profunda no país.

O Bolsonaro que rosna para todos os lados e faz um discurso agressivo contra a esquerda, contra a proteção social, em favor de armas, se eventualmente ganhar a eleição, vai também ter de dimensionar esse discurso e negociar com as forças políticas que estão ali. Nessa operação, ele poderá ser completamente descaracterizado como um mauzinho.

BBC Brasil – Nos últimos dias nota-se um acirramento das tensões entre as instituições, como por exemplo no julgamento do habeas corpus de Lula no STF e nas declarações do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, interpretadas por muitos como uma pressão sobre o Judiciário. Como a prisão de Lula afeta o equilíbrio entre as instituições?

Nogueira – Isso vai depender muito de qual será a reação do PT, dos movimentos sociais e dos outros partidos. Se apostarem numa linha de resistência e combate, de enfrentamento, inclusive desafiando a Justiça, a gente estará num caminho de risco, no qual poderemos assistir uma maior corrosão do equilíbrio institucional do país e até mesmo uma espécie de revival da intervenção militar, que é uma coisa que funciona no Brasil como uma espécie de sombra da política.

Os militares estão sempre aí e sempre poderão ser estimulados e impulsionados a se intrometer na política.

Do ponto de vista do sistema como um todo, o grande problema hoje no país é como o sistema judiciário vai se recompor. Hoje, dentre todos os sistemas, até mesmo o sistema político, ele é o que conhece uma crise mais profunda e está todo dividido.

Não tem mais um centro de coordenação que faça valer a hierarquia do sistema. O próprio STF, que deveria o guardião desse sistema, está todo atrapalhado, porque parece estar enciumado com o protagonismo de uma corte de primeira instância, do juiz Sérgio Moro, e o sucesso que ele está tendo na relação com a sociedade.

Isso pode ser um fator de complicação, porque o sistema judiciário dividido acaba por comprometer seu serviço no que diz respeito às garantias, à liberdade etc.

BBC Brasil – Lula tem comparado o cerco judicial que enfrenta à perseguição sofrida por Getúlio Vargas. Os dois processos se equivalem? Há outros episódios na história do Brasil comparáveis ao cenário vivido por Lula hoje?

Nogueira – Já tivemos presidentes da República que foram presos ou exilados. Na Primeira República, Washington Luís foi mandado para fora do país após a Revolução de 1930. Mas o mundo era muito diferente, é difícil fazer uma comparação.

O Lula é muito diferente de todos que vieram antes dele. O que poderia ser mais próximo é o Getúlio. Mas Getúlio é um personagem do Brasil tradicional, que já desapareceu.

O curioso é que Lula se compare com Getúlio depois de fazer em sua carreira como sindicalista uma trajetória contrária ao getulismo. O sindicalismo do Lula era anti-getulista de maneira radical. Era um sindicalismo totalmente hostil ao trabalhismo getulista, tanto que comprou briga com os grandes sindicatos e parte dos partidos trabalhistas, como o PTB, o PDT e o Partido Comunista, que eram seguidores da estrutura sindical dos anos 30.

Outra diferença é que Getúlio se matou. Lula não dá nenhuma mostra de que fará isso.]

 João Fellet – @joaofelletDa BBC Brasil em Brasília – BBC Brasil

Outras leituras

Nota pública da CPT: o avanço da criminalização não vai parar nossa missão! – Pastoral Carcerária

O general falastrão e a esquerda imóvelOutras Palavras

Por uma esquerda que supere o mito do trabalhoOutras Palavras

O descaminho das humanidades – Carta Capital

Proseguir la inclusión social – Consciência Net

Sem emenda – A liberdade é melhor do que a censura – Sorumbático

O que pode acontecer com Lula por ele não ter se entregado à PF no prazo estipulado por Moro?

‘Brasil precisa do mesmo entusiasmo anti-Lula para fazer faxina em todo o sistema político’, diz biógrafo britânico

A questão não é a incompreensão pela idade mas sim a incapacidade por não conhecer

O chapeu

Estou insistentemente sendo chamado de velho.

Algumas pessoas são bastante jovens, outras, nem tanto.

À luz da ciência, estou ainda a três anos da velhice, que começa aos 70.

Mas já estou dentro do que se chama “terceira idade” que inicia-se, segundo sei lá quem, aos 60.

Já tenho direito, portanto, a furar filas em bancos e a ser atendido preferencialmente em hospitais e postos de saúde.

Não sei se isso é exatamente justo, pensando-se nas pessoas mais jovens que muitas vezes passam horas e mais horas em filas descomunais.

Não me vexa essa história de ser compreendido como “um velho”, pois entendo perfeitamente o que essa gente quer dizer: eles/elas ficam irritados/das quando, por exemplo, eu contesto alguns de seus posicionamentos.

Não entendo, porém, que eles/as queiram me colocar numa espécie de quarentena ou me dar um “passa menino” ou melhor, um “passa velhote”.

Creio que a coisa é de outra natureza.

É falta de argumento mesmo.

Uma espécie de reação à própria incompetência e ignorância; em não ter como contra argumentar quando contestados.

Nada disso, porém, é desculpável, mas é explicitamente compreensível.

Longe de mim não entender tamanha estupidez.

Há também outra questão a ser posta, mas necessariamente antes de postá-la devo lembrar como entendo diferente a Moral da Ética.

Esse é entendimento meu, com o qual boa parte dos filósofos não concorda.

Moral vem a ser aquilo que eu defino (numa atitude unilateral) como certo ou como errado.

Por exemplo: há alguns anos mulheres não “podiam” sair às ruas à noite por que “era feio”.

Ao contrário, nós, os homens, podíamos.

Alguém conseguiria explicar, que não pela ótica moral, a razão desse tipo de discriminação?

Já a Ética , entendo eu também, diz respeito a valores, quer sejam aqueles acordados em cartas, como por exemplo, em constituições, quer sejam aqueles ancorados nos uso e nos costumes de uma dada sociedade, mais propriamente, nos pactos sociais.

Portanto, o que permeia todo esse bangue-bangue que ora se vê pelo país não passa pela Ética, como querem fazer ver algumas pessoas, como, por exemplo, na caso do julgamento do HC de ontem do Lula, mas sim pelas questões morais: “Lula é ladrão” / “Lula é um santo, apenas comparável a Deus”.

Se disso irá resultar uma luta fratricida (entre o Bem e o Mal), como alguns estão a prever, é coisa para se ver, mas, creio, muito pouco provável.

O certo é que o mundo sempre se dividiu entre o novo (o jovem) e o antigo (o velho).

A questão é descobrir quem são os jovens e quem são os velhos dessa história milenar.

Fugindo do assunto, segue, em nota, o texto “Medo e hipocrisia minam combate às fake news”, discussão relevante – embora aqui no caso provincianos [1]  – e um texto do jornal El País  [2] .

Notas

[1] “Medo e hipocrisia minam combate às fake news”

[Não é mais novidade para ninguém que a guerra contra as notícias falsas se converteu na principal preocupação do meio jornalístico. Em todas as partes, surgem iniciativas para checagem de dados e para desmentir declarações e números falsos. Pela primeira vez em muito tempo, a discussão deixou de ser um novo modelo de negócio ou um revolucionário software, e os profissionais e as organizações passaram a debater rigor na apuração, verificação de versões e técnicas para qualificarem suas notícias. Por conta disso, cheguei a dizer que as fake news não eram uma notícia tão ruim para o jornalismo, pois nos obrigaram a pensar nossas próprias práticas. Mas passados poucos meses desse diagnóstico, vejo que o combate às notícias falsas corre riscos sérios e eles vêm justamente de quem menos se esperaria, aqueles que declararam guerra às fake news. Dois fatores primordiais contribuem para isso: alguma hesitação em enfrentar o problema e doses generosas de hipocrisia e marketing a envolver certas iniciativas.

Levantamento recente do Duke Reporter’s Lab mapeou 149 empreendimentos de checagem de dados no planeta. Mais de 70% deles estão na América do Norte e na Europa, e só os Estados Unidos contam com 47 projetos do tipo. O Brasil é o segundo país no mundo com mais checadores: 8 iniciativas entre as 15 detectadas na América do Sul. Essa posição privilegiada pode ser resultado de diversos fatores que vão do senso de oportunidade comercial de seus líderes à preocupação genuína sobre a crescente influência ilegítima de bots espalhadores de notícias falsas no debate público. No ano passado, uma pesquisa da GlobeScan já apontava o Brasil como o país mais preocupado com as fake news. O cenário se deteriorou ainda mais nos últimos meses, a ponto de a tradicional pesquisa da Edelman sobre confiança apontar que 75% dos brasileiros temem que as fake news sejam usadas como “armas”. Em um ano, a confiança na mídia local caiu 5 pontos, conforme o estudo, e quase metade dos ouvidos disse não saber em que empresas do setor confiar. Dos 28 países pesquisados, a mídia está em território de desconfiança em 22.

Receio e timidez

Reagir a uma paisagem hostil como esta é necessário e urgente. Iniciativas como Aos Fatos e Lupa têm se mostrado cada vez mais visíveis à medida que oferecem ao público os resultados de suas checagens. É um trabalho importante, útil e procurado, criando terreno fértil para iniciativas regionais, como a recente campanha de financiamento coletivo para a implantação do Filtro, no Rio Grande do Sul. A exemplo de outras tantas, é um projeto bem-intencionado, com profissionais comprometidos e com nítido interesse público – fazer verificações durante a campanha eleitoral – mas sem base financeira que venha a sustentá-la de forma perene. Essa vulnerabilidade atinge a medula do projeto, pois é determinante para sua criação. Se os recursos projetados não forem arrecadados, o Filtro pode simplesmente não funcionar.

No estado vizinho, outra boa iniciativa surgiu no grupo NSC, que assumiu as operações da RBS em Santa Catarina. O Prova Real se explica como “uma iniciativa de fact-checking e debunking”, o que significa que verifica fatos e faz desmentidos, adotando “metodologia certificada para comparar os ditos com os fatos e classificar quanto ao nível de veracidade”. Segundo a página especialmente criada para o projeto (bastante didática!), “o objetivo é promover a informação correta, e não criar rótulos ou manchar reputações. O Prova Real checa o grau de veracidade de declarações públicas e publicadas, notícias falsas e imagens. Também checa o cumprimento de leis e contratos”. A equipe de jornalistas responsável pelas verificações foi treinada pela Agência Lupa, conta com manual próprio e a iniciativa vai abastecer veículos impressos, online, de rádio e de TV do Grupo NSC, o que é bastante promissor.

Apesar desses esforços, dois detalhes fragilizam a iniciativa, a meu ver. Os conteúdos checados são classificados conforme quatro etiquetas: Exato, Não é Bem Assim, É Chute, Não Fecha. Perceba que o Prova Real não carimba que uma notícia é falsa ou mentirosa, por exemplo. Não se trata apenas de nomenclatura. Um projeto que assume a função de desmentir ou desmascarar dados ou declarações não pode medir palavras quando a informação não condiz com o que foi verificado. Afirmar que um conteúdo é falso é necessário para, diante do público, separar o joio do trigo, e o Prova Real não faz isso, impedido pelas próprias etiquetas que criou e segue.

O serviço de checagem do Washington Post tem uma escala de um a quatro pinóquios para classificar o grau de falsidade dos conteúdos!

Outro fator que reduz o ímpeto da iniciativa é que, ao final das checagens, o Prova Real reproduz o contraponto de quem foi checado. Assim, a última palavra não fica com a equipe checadora, mas com a fonte cuja declaração foi questionada. Foi assim quando o projeto foi apurar fala do governador Eduardo Pinho Moreira sobre número de tornozeleiras eletrônicas em Santa Catarina. Após verificar que a informação “não fechava” – era falsa, portanto! -, o Prova Real publicou no final da checagem “o que diz o governo do estado”. Resumo da ópera: mesmo tendo falado coisas distantes da verdade, o governador ficou com a palavra final. Isso se deu em outras tantas oportunidades, e os veículos da NSC simplesmente abriram mão de atuarem como agentes de certificação das informações corretas, respaldados por suas próprias equipes de checagem.

A meu ver, o Prova Real incorre em dois erros: não afirma com todas as letras que um conteúdo é falso e renuncia à condição de agente certificador da informação. Com isso, expõe desnecessariamente seus profissionais, e não necessariamente separa o que é real e o que não é…

Hesitações como essa reduzem o poder de fogo dos fact-checking. Mas não só.

Em 27 de março, o concorrente Notícias do Dia publicou o editorial “Informação confiável” em que reafirmava seu “pacto” com leitores e assinantes “como antídoto para a propagação das fake news”. Na mesma edição, passou a publicar uma série de três reportagens sobre motivação e prejuízos com as notícias falsas, sobre o papel dos usuários nas redes sociais, e com dicas de como identificar material impostor e como verificar sua autenticidade.

Mostrar como as engrenagens da desinformação funcionam é muito importante e esse gesto alimenta o que os especialistas chamam de media literacy, a educação para um consumo crítico da mídia. Mas, convenhamos, não basta produzir reportagens e escrever editoriais para reduzir as notícias falsas. Se os próprios veículos convencionais contribuem para espalhar mentiras – a exemplo da Folha de S.Paulo no caso Marielle Franco, criticado pela ombudsman do jornal), jornalistas e meios precisam fazer mais para combater as fake news. As redações têm as condições objetivas para evitar publicações falsas e para aprimorar a qualidade de suas notícias à medida que adotam procedimentos mais rigorosos e cuidadosos.

Só piora!

Se estamos mesmo em guerra contra as notícias falsas, hesitação, receio, medo ou bom-mocismo não vão nos ajudar a vencê-las. As dificuldades são muitas para quem quer soterrar informações errôneas e fazer prevalecer as que têm correspondência com fatos e dados.

Notem que a própria noção de fake news é complicada, e vem sendo revista por quem se dedica a pensar sobre o assunto. Claire Wardle, do First Draft, critica a expressão, dizendo que ela não dá conta da variedade e complexidade do fenômeno: não são apenas notícias falsas, há paródias e outras formas de manipulação. Por isso, ela aponta para o que chama de “ecossistema de desinformação”.

O jornalista britânico James Ball, autor de “Post-Truth: how bullshit conquered the world” (Pós-verdade: como a besteira conquistou o mundo), evita a expressão “fake news” e adota “bullshit”, que poderíamos traduzir como besteira, bobagem, e que sinaliza para algo além das mentiras e boatos. Segundo Ball, não são apenas os políticos a espalharem o lixo por aí. Velha mídia, nova mídia, empresas especializadas em produzir material enganoso, redes sociais, plataformas digitais, pessoas comuns, todos ajudam a borrar as fronteiras entre verdadeiro e falso. E serviços de checagem de dados, sozinhos, não solucionarão a questão.

Em regiões mais organizadas, normativas estão sendo pensadas. No início de março, a Comissão Europeia publicou um relatório que encomendou a especialistas para orientar seus países sobre o tema. Não se trata apenas de um diagnóstico do problema, mas também de princípios para ajudar os formuladores de políticas a propor leis e incentivar boas práticas.

Embora haja iniciativas que até automatizem as checagens, o cenário bem distópico. Em levantamento de Aos Fatos, leitores até desconfiam das notícias recebidas por WhatsApp, mas não verificam suas autenticidades, e as coisas só tendem a piorar, já que têm surgido técnicas muitíssimo sofisticadas para manipular áudios e vídeos. A situação é tão complicada que até mesmo o Tribunal Superior Eleitoral – preocupado com as fake news nas eleições deste ano – embarcou em notícia falsa para justificar que está preocupado em combater as tais notícias falsas, conforme conta o jornalista Leonardo Sakamoto.

1º de abril

No momento em que escrevo essas linhas, esbarro numa peça publicitária da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) que mais parece deboche. “Verdade seja dita: a mentira não merece nem mais um dia”, brada retumbante o anúncio que continua: “Nesses tempos de tantas notícias falsas com trânsito livre pela internet, mentira deixou de ser coisa de um dia e virou companheira de todas as horas. Mas, para azar dela, continuamos aqui. Dedicados, diariamente, a estragar essa festa”…

Por alguns segundos, a ANJ esquece que seus associados também estão na internet – nas versões online dos jornais impressos – e que eles também contribuem para um ambiente de confusão informativa. Basta acessar qualquer site jornalístico e ver que, no entorno das notícias, também figuram “links recomendados”, “links patrocinados” e anúncios que emulam a linguagem jornalística. Ora, esses conteúdos são publicidades (mal) disfarçadas, que vendem soluções mágicas para problemas de saúde, que apelam para os instintos mais básicos dos leitores e que só sobrevivem se fertilizarem um ambiente de conteúdos viralizantes. Para sintetizar: as notícias falsas e suas variantes de desinformação contaminaram tanto o ecossistema informativo que são estruturantes de seu modelo de negócio.

Neste sentido, eu vejo com muita desconfiança quando iniciativas de fact-checking ou de promoção de qualidade jornalística são patrocinadas por gigantes da tecnologia, como Facebook e Google. Faz parte do modelo de negócio dessas plataformas gerar, impulsionar e fazer circular os conteúdos com alto potencial viralizante, não importando se eles são verdadeiros, ambíguos ou falsos. Quantos mais cliques, melhor. Quanto mais reações e compartilhamentos, maior o alcance desses materiais, mais pessoas terão acessado seus conteúdos, e a grande roda estará girando, distribuindo centavos aqui e ali.

Veja o caso do projeto Credibilidade. Ele é uma coalizão de empresas jornalísticas para enfrentar o problema da queda de confiança na mídia de forma prática, fomentando discussões nas organizações e formulando práticas e ferramentas que possam ser usadas por seus membros. Capítulo brasileiro do projeto Trust, iniciado na Universidade de Santa Clara nos Estados Unidos, o Credibilidade tem entre seus parceiros nomes de peso como a Folha de S.Paulo e O Globo, e conta com patrocínio de ninguém menos que… Google! É muito importante que os veículos brasileiros estejam juntos e empenhados em aperfeiçoar suas práticas, produtos e serviços, mas por que tal iniciativa precisa ser dependente de recursos de uma corporação de tecnologia que vive à base do tráfego de dados? Por que jornais, revistas e demais meios não investem seu próprio capital para redesenhar seus procedimentos, já que os resultados de tais mudanças irão incidir diretamente em seus negócios? É como se uma rede de supermercados topasse financiar um plano de saúde para as vacas dos pecuaristas de uma região. Com a medida, o leite e o queijo ficariam melhores, mas os criadores conseguiriam vender seus produtos para outros supermercados além da rede patrocinadora?

Trust e seu capítulo brasileiro Credibilidade não são os únicos a padecerem desse mal. O Cross Check, iniciativa da First Draft, que fez um ótimo trabalho de checagem nas eleições francesas do ano passado, é patrocinado pelo Google News Lab! Aliás, o projeto está sendo gestado no Brasil, mas enfrenta dificuldades internas para se impor…

Mas é claro que, no livre mercado, Google pode investir seus milhões onde bem quiser e talvez haja até justificativas de sua responsabilidade pela sanidade do meio digital. Mas por que empresas de mídia não colocam suas fichas nesse jogo também? E mais grave: ao aceitarem uma ajudinha dessas empresas de tecnologia, não ficam dependentes de sua boa vontade de financiamento? Reféns do capital high-tech, conseguirão os veículos de mídia ter independência editorial para cobrir esse setor com rigor e compromisso? Por acaso, você já viu alguma checagem de dados desses veículos sobre Google ou Facebook?

Sejamos francos: plataformas como Facebook e Google não querem acabar com as fake news. Se quisessem, estimulariam conteúdos de qualidade em detrimento de falsidades, mas não fazem isso porque fake news e bizarrices são mais virais que matérias jornalísticas ou informativas. Se quisessem acabar com as fake news, as plataformas restringiriam a dispersão indiscriminada e mudariam seus próprios modelos de negócio, abrindo mão das vantagens financeiras vindas da publicidade mentirosa, da confusão, das manipulações e apelações. Em outras palavras: elas se beneficiam com as besteiras, com a desinformação.

A mesma hipocrisia que sustenta a campanha da ANJ embasa os movimentos das gigantes de tecnologia na cruzada contra as fake news. Não passa de discurso, de estratégia de marketing, de slogans e verbas dispendidas para serem apresentadas em seus balanços sociais. É investimento em imagem tão somente.

A declarada guerra contra as notícias falsas exige mais de profissionais e organizações jornalísticas. Se quiserem mesmo se contrapor ao ecossistema de desinformação, precisarão capacitar equipes, aprimorar procedimentos de apuração, contratar jornalistas especializados, e desenvolver ferramentas e sistemas próprios para desmentir e desmascarar falsidades. Precisarão assumir o protagonismo de certificação dos fatos, refinando seus critérios editoriais e investindo maciçamente em coberturas de qualidade. Não poderão terceirizar suas funções mais básicas de verificação e checagem. Terão que afastar o medo, o marketing e a hipocrisia, e eleger a coragem e o compromisso com o público para produzir jornalismo de qualidade nítida e cristalina. É só a credibilidade do sistema jornalístico que está em jogo. Só.

É preciso arregaçar as mangas e avançar para além do que já foi oferecido. Sim, ontem, foi o dia da mentira, e embora isso desagrade à ANJ, está longe de ser o último.]

Por Rogério Christofoletti em 05/04/2018 na edição 981 do Observatório da Imprensa, publicado originalmente pelo objETHOS.

Rogério Christofoletti é professor da UFSC e pesquisador do objETHOS.

 

[2] A arte de manipular multidões – Técnicas para mentir e controlar as opiniões se aperfeiçoaram na era da pós-verdade

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/22/opinion/1503395946_889112.html?id_externo_rsoc=FB_CC

 

“Sobre a crescente intolerância dos neoliberais brasileiros”

Preconceito
Ilustração: Mais Que Curiosidades

[“Por que a intolerância crescente? Será porque a religião neoliberal enfiada goela abaixo da sociedade brasileira pelo governo Temer sofre a ameaça da resistência democrática em ano eleitoral? Ou será porque o Brasil vem transitando do neoliberalismo para o fascismo, ou pior, para o fascismo neoliberal, se não impedirmos?”, escreve Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor visitante na UC Berkeley, professor licenciado (Livre Docente) do Instituto de Economia da Unicamp e ex-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), em artigo publicado por Plataforma Política Social, 19-03-2018.

“Com bom humor, conclui – o economista André Perfeito vem chamando os neoliberais brasileiros de economistas de pantufas. Torço para que seja só isso”.

Eis o artigo.

“Não é de hoje que os economistas neoclássicos e neoliberais brasileiros buscam abusar da pretensão de cientificidade para desqualificar quem pensa diferente. Recentemente, é Samuel Pessoa quem anda abusando da intolerância para fugir do debate civilizado. Samuel deu entrevista recente ao Estadão em que alega que os economistas heterodoxos brasileiros (citou UFRJ e Unicamp) são amalucados. Por que o insulto? Porque criticaram o Joaquim Levy, consideram que a política fiscal tem importância na determinação da renda e porque não justificam o argumento com modelos econométricos. Acho que o Samuel Pessoa tem memória curta.

Primeiro, a crítica ao Joaquim Levy foi feita antes mesmo do início da gestão dele. Enquanto as expectativas dos economistas do mercado e do próprio Samuel apontavam para a recuperação rápida do superávit fiscal e do crescimento econômico por conta da retomada da credibilidade do próprio mercado sobre a política econômica, um manifesto, vários artigos e entrevistas de economistas heterodoxos previam que o ajuste fiscal seria contraproducente porque a arrecadação cairia fortemente com a recessão que geraria. Como a economia estava em forte desaceleração em 2014 (mas não em recessão, como dizíamos e os dados mostraram depois), prevíamos que uma política fiscal pró-cíclica empurraria o país para uma forte elevação da relação dívida/PIB. Quem estava certo mesmo?

A propósito, o Samuel ainda não deu luz aos modelos que o levavam a acreditar na viabilidade do superávit fiscal com uma política pró-cíclica, mas há vários modelos teóricos e econométricos que criticam a hipótese de austeridade expansionista e não refutam, mas apoiam fortemente a hipótese de grandes multiplicadores fiscais no mundo e no Brasil (o que o Samuel chama de “moto-continuo”). Não vou dar o caminho das pedras: pode ser educativo para os que desconfiam fazer uma pequena busca na internet.

Segundo, Luiz Gonzaga Belluzzo e eu escrevemos artigos que popularizam alguns debates metodológicos em economia em resposta ao tipo de crítica feita por Samuel na entrevista e que fora desenvolvido em artigo com Marcos Lisboa na Folha de São Paulo. Aparentemente, a defesa do método histórico-estrutural e crítica ao instrumentalismo foi tão devastadora que Samuel prefere responder com insultos (“malucão”) em entrevistas. Que tal continuar o debate, na Folha ou em uma revista científica?

Aliás, não foi a primeira vez em que alertei para a tendência à manipulação de dados e à correlação espúria que Samuel parece ter como método predileto. Escrevi em outubro de 2014 um artigo com o Marcio Pochmann para responder a uma crítica infundada que ele fazia aos economistas de esquerda durante a campanha de 2014. A Folha rejeitou a publicação, claro, mas o Brasil Debate circulou muito.

Sobre austeridade fiscal e crescimento, vamos refrescar a memória dos ortodoxos brasileiros. Para que não achem que eu estou mentindo sobre o alerta feito no final de 2014 sobre os efeitos econômicos e políticos desastrosos da contração fiscal, há um artigo publicado dois dias depois do segundo turno.

O mesmo alerta foi feito pelo Manifesto dos Economistas publicado em novembro de 2014 (do qual fui o principal redator). E em artigo publicado pela Plataforma Política Social na revista Política Social e Desenvolvimento em janeiro de 2015 (enviado para publicação em 2014).

Voltando no tempo, o jornal Valor Econômico publicou três matérias no dia 13/11/2014, que repercutiam com economistas a mudança proposta na LDO para 2014. O alerta se repetia, ao contrário dos cenários róseos traçados com entrevistas paralelas com Samuel PessôaMansueto de AlmeidaMonica BolleFabio Giambiagi etc. A primeira matéria diz assim:

“Para Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp, a principal peculiaridade para se entender o efeito das contas públicas na economia é que, diferentemente das despesas de uma família que decide economizar, a redução de gastos do governo diminui diretamente a arrecadação de impostos que ele receberá no futuro. Por isso, o pior caminho para resolver a questão fiscal brasileira é, para Bastos, recorrer a mais austeridade fiscal, que aprofundaria a recessão. Ele cita o exemplo de 2011, quando o governo apertou os gastos e passou a ser mais uma força de contração para a economia, junto com o cenário internacional de crise e a desaceleração do consumo e investimento privados. Agora a situação é muito mais grave que em 2011. Lá, a economia estava crescendo 7,5%, e o governo contraiu o gasto, jogou a economia nessa desaceleração que a gente tem hoje. Imagina se o governo buscar uma meta fiscal no ano que vem de 1,5% ou 2%. Teremos uma recessão de quanto? O PIB vai cair 2% também? Se o PIB cair 2%, o que você economizou no gasto, vai perder na arrecadação”, diz o economista da Unicamp.

Na segunda matéria, expliquei brevemente o regime de bandas fiscais:

“Para Bastos, ao anunciar que não vai mais cumprir o objetivo inicial, de poupar 1,9% do PIB neste ano, e decidir negociar com o Congresso, o governo gera desgaste político e com a sociedade, mas era a opção “menos pior” na mesa. Na semana passada, o economista organizou a publicação na internet do ‘Manifesto dos Economistas pelo Desenvolvimento e pela Inclusão Social’, documento em que um extenso grupo de economistas heterodoxos defendia que elevar a austeridade fiscal aprofundaria a recessão em que o país se encontra atualmente, com perda de avanços sociais. As outras opções disponíveis para o governo eram não anunciar nenhuma alteração e cumprir o objetivo fiscal com receitas extraordinárias ou então fazer contabilidade criativa para fechar as contas, o que, na visão do economista, engana a sociedade e reduz nível de confiança. Reduzir o gasto em um cenário de baixo crescimento também ameaçaria piorar ainda mais a atividade econômica. ´Essas alternativas gerariam desgaste ainda maior`. Para o economista, é preciso alterar o regime fiscal para que essa situação não se repita. Entre as medidas, diz, está construir um fundo orçamentário no momento de expansão das receitas, e instituir `bandas´ para o superávit primário, à semelhança do regime de inflação, porque assim pode-se acomodar o resultado de acordo com as variações imprevisíveis da arrecadação. `Daria alguma previsibilidade maior e, ao mesmo tempo, permitiria que o governo realizasse uma política anticíclica`, diz”.

Na terceira matéria, falei dos economistas ortodoxos brasileiros (que, de fato, estão desatualizados mesmo):

“Não é o que pensa o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Pedro Paulo Zahluth Bastos. Para ele, o governo não deveria cortar gastos para atender à demanda das agências, mas, ao contrário, buscar reanimar o investimento privado e a economia para elevar a arrecadação e melhorar o retrato fiscal. Segundo o economista, o principal risco para a perda do grau de investimento é a recessão. ` O FMI hoje em dia reclama da contração fiscal na Europa e alega que os governos, mesmo com os déficits, têm que gastar mais para tirar a economia da crise. E, olha, é o FMI. Os economistas ortodoxos brasileiros estão desatualizados`”.

Finalmente, o governo Dilma foi o que MENOS fez crescer o gasto público desde o Plano Real, de modo que a crise fiscal não resulta de gastança, mas da queda da arrecadação tributária gerada pela desaceleração cíclica que a austeridade fiscal transformou em uma recessão; sobre isso, ver o documento AUSTERIDADE E RETROCESSO.

Para quem tiver interesse, este documento, que envolveu um esforço coletivo do Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e da Plataforma Política Social (e principalmente de Pedro Rossi, Vanessa Petrelli Corrêa, Rodrigo OrairSergio Wolf Gobetti, Guilherme Mello e meu), reflete bem o que os malucões pensam sobre o problema fiscal e o crescimento.

Para outras questões, o livro Austeridade para quem? Balanço e perspectivas do governo Dilma Rousseff, que editei junto com Luiz Gonzaga Belluzzo em 2015 é um bom apanhado de outras maluquices. Pode ser baixado gratuitamente no link da Carta Maior.

Comparando com o Samuel Pessoa que conheci anos atrás, ele parece piorar, tornar-se mais ressentido, agressivo, intolerante, autoritário. Não o leio quase, mas hoje me disseram que seus artigos também vêm se tornando mais religiosos, como em um recente que alegou que o sucesso chinês resultou de “excesso de liberalismo”! Além da perplexidade com o uso de correlações espúrias, confesso que sinto um pouco de medo ao ver um neoliberal brasileiro, hoje em dia, elogiar o modelo chinês.

Por que a intolerância crescente? Será porque a religião neoliberal enfiada goela abaixo da sociedade brasileira pelo governo Temer sofre a ameaça da resistência democrática em ano eleitoral? Ou será porque o Brasil vem transitando do neoliberalismo para o fascismo, ou pior, para o fascismo neoliberal, se não impedirmos? Com bom humor, o economista André Perfeito vem chamando os neoliberais brasileiros de economistas de pantufas. Torço para que seja só isso.”]

Leia mais

Futuro econômico brasileiro: insistir no que deu errado ou mudar de rumo? Entrevista especial com Pedro Paulo Zahluth Bastos

Estado e neoliberalismo: a aliança que sustenta o capitalismo. Entrevista especial com Alysson Leandro Mascaro

O fascismo vive em nós através do dispositivo do neoliberalismo. Entrevista especial com Rodrigo Karmy Bolton

Austeridade para quem?

“Não é aceitável que se faça um ajuste fiscal focado apenas na previdência, sem qualquer medida que atinja o último andar da sociedade brasileira”. Entrevista especial com Sérgio Gobetti

Neoliberalismo e democracia são incompatíveis. Em 2018, se houver eleição, o discurso neoliberal será enterrado nas urnas. Entrevista especial com Pedro Rossi

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“Ingressamos na fase da canibalização do gasto social”

“Privatização de Temer é vender o almoço para pagar o jantar”. Entrevista com Monica de Bolle

Indústria avançada ou bananicultura?

O crescimento sob Lula

Manifesto de economistas defende alternativa à austeridade fiscal

Economistas lançam manifesto a favor da inclusão social e contra políticas de austeridade

Os filhos da desigualdade

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Ajuste fiscal pode levar o Brasil da recessão à depressão, alerta economista

“Não existe ninguém mais ortodoxo no Brasil do que Joaquim Levy”, diz diretor da Casa das Garças

Ajuste fiscal é teologia idolátrica, não é economia. Entrevista especial com Guilherme Delgado

“O ajuste fiscal foi um erro de diagnóstico”. Entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo

Leia também

“Padre de 81 anos é xingado ao citar Marielle durante missa em Ipanema”

Mariella
Credito da foto: http://www.revistaforum.com.br

[Um padre de 81 anos foi interrompido e xingado por dois homens enquanto celebrava uma missa numa igreja de Ipanema, zona sul do Rio, na manhã de domingo, 18, após citar o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL). Os dois foram retirados da igreja e o padre continuou a celebração. O caso não foi denunciado à Polícia Civil. O pároco responsável pela paróquia lamentou o fato de nenhum fiel ter defendido o padre.

A reportagem é da agência Estado, reproduzida por IstoÉ, 19-03-2018.

O padre Mario de França Miranda, de 81 anos, que também é professor da PUC-Rio, estava celebrando a missa das 10h30 na Paróquia da Ressurreição, quando, durante a homilia, citou a vereadora assassinada na última quarta-feira (14), no centro do Rio. “Fiz a homilia normal, explicando um pouco o texto, e citei Martin Luther Kingdom Oscar Romero e pessoas que estão tentando melhorar a sociedade, como Jesus também tentou melhorar e foi assassinado precocemente. O Evangelho fala que o grão cai na terra e dá frutos. Então, eu falei que frutos são esses. Mostrei que quando se mata uma pessoa parece que tudo termina, mas não. No caso de Jesus, ele influenciou toda a humanidade. E frutos também são aquelas pessoas que tentam seguir esse exemplo: que têm uma vida difícil, mas com sentido, e que causam muita paz por fazer o bem”, contou o padre, em entrevista ao jornal “O Globo”.

Quando citou Marielle, dois homens começaram a gritar e xingar o padre. “Quando houve a reação dos dois homens tinha umas 500 pessoas na igreja e eu pensei: tenho que tocar a missa. Não ia ficar preso a um tumulto que lá no fundo da igreja apareceu. Duas pessoas revoltadas. Me xingaram de tudo. Logo, eles foram retirados da igreja e eu consegui recolocar a missa em oração”, afirmou. Ao final da missa, fiéis se solidarizaram com o padre e o parabenizaram pela homilia.

O padre José Roberto Devellard, responsável pela Paróquia da Ressurreição, comentou o caso em texto postado no Facebook. Ele não presenciou o episódio, mas disse que “o sacerdote não falou de partidos nem de ideologias”. “No Evangelho João 12, 20-33 ao entrar no Espírito da Semana Santa, os versículos 24 e 25 falam do grão de trigo, que ao morrer produz frutos. O sacerdote deu vários exemplos, entre tantos o da vereadora Marielle. A homilia foi interrompida por uma pessoa da assembleia, que não gostando usou palavras de baixo calão para ofender o sacerdote, profanando assim o templo”, escreveu. “O padre Mário França é um dos melhores teólogos do Brasil. Foi membro da comissão de teólogos de todo o mundo. Recebeu o prêmio Cardeal Ratzinger de teologia como bons serviços prestados à teologia. Uma preocupação assustou-me: ninguém foi capaz de levantar a voz na igreja para defender o sacerdote!”

O texto, publicado no perfil da Igreja da Ressurreição e acessível a todos, havia gerado 30 comentários até as 17h30 desta segunda-feira, 19, a maioria defendendo o padre. O primeiro deles, no entanto, é uma crítica ao sacerdote: “A igreja não deve se meter com política, ainda mais com essa onda de divisão da sociedade implantada pelo governo… Erro do padre, erro da Igreja”, escreveu um internauta. “Deveriam todos respeitar a igreja, mas não aceito o padre falar dessa senhora, quando estamos vivendo um massacre. Deveria o padre falar em nome de todos… policiais, médico morto na Lagoa etc.”, escreveu outra pessoa. A respeito desse comentário, um internauta alertou: “Cuidado, há um morcego entre os passarinhos!”.]

Leia mais

Rumo a uma nova configuração eclesial. O artigo é de Mario de França Miranda.Cadernos Teologia Pública, N° 71

Miranda. Revista IHU On-Line, N° 297

Mário de França Miranda e a perspectiva de uma nova configuração eclesial

”A Igreja será sinal pelo que falar e pelo modo de viver”. Entrevista especial com Mário França Miranda

Um jesuíta brasileiro e um libanês recebem o Prêmio Ratzinger 2015

Tuitadas

Companhia de Jesus do Brasil solidária com Padre agredido no Rio de Janeiro

“Quem matou Marielle?” Entrevista especial com Bruno Cava, Marcelo Castañeda e Giuseppe Cocco

O segundo assassinato de Marielle Franco

O assassinato de Marielle Franco e a opressão estruturante no Rio de Janeiro

Marielle bate impeachment no twitter

A rotina de violência policial em Acari, denunciada por Marielle

A segunda morte de Marielle

Memento para Marielle, assassinada pela repressão

‘Caso simbólico, Marielle pode servir de inspiração’, diz especialista

Direção dos tiros contra Marielle reforça hipótese de ataque premeditado

Batalhão alvo de denúncias de Marielle Franco é o que mais mata

‘Tudo aponta para possível envolvimento de policiais’, afirma coordenador criminal do MPF no Rio sobre Marielle

Assassinato de Marielle Franco põe Planalto contra a parede

Assassinato político de Marielle Franco reativa as ruas e desafia intervenção no Rio

“Democracia está ameaçada”, disse Marielle Franco em entrevista inédita

‘Ela incomodava pequenas e grandes máfias’, diz colega de partido de Marielle Franco, vereadora morta no Rio

Mulher, negra, favelada, Marielle Franco foi de ‘cria da Maré’ a símbolo de novas lutas políticas no Rio

Marielle presente!

Marielle Franco, vereadora do PSOL, é assassinada no centro do Rio na saída de evento que reunia ativistas negras

Abusos e truculência marcam um mês de intervenção no RJ

A intervenção federal no Rio e a ameaça aos direitos democráticos

Anistia diz que intervenção no Rio é medida extrema, imprecisa e põe vidas em risco

Intervenção federal gera temor em moradores de favelas do Rio

Intervenção federal no Rio desperta fantasmas sobre o papel do Exército

Intervenção com militares no Rio é “licença para matar”, diz Conselho Nacional dos Direitos Humanos

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“Companhia de Jesus do Brasil solidária com Padre agredido no Rio de Janeiro”

Marielle
Veja.abril.com.br – imagine esta cena há 30 ou 49 anos.

O Provincial dos Jesuítas do Brasil, Padre João Renato Eidt, SJ, publicou nota de solidariedade com o Padre Mário de França Miranda, SJ,  “diante da violenta agressão sofrida, neste domingo, dia 18, no Rio de Janeiro.

Eis a nota.

“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” – Jo 15,13

[Nota de solidariedade

Em nome da Companhia de Jesus do Brasil, venho manifestar a solidariedade e o apoio ao Pe. Mário de França Miranda diante da violenta agressão sofrida, neste domingo, dia 18, quando presidia a celebração eucarística na paróquia da Ressurreição, no Rio de Janeiro (RJ).

Queremos ratificar nosso compromisso de sermos construtores de pontes, de abrirmos os espaços para o diálogo. Nesse sentido, estamos envoltos, também, na dor pela qual passa a população do Rio de Janeiro, especialmente as comunidades afetadas pela violência, que partem de todos os âmbitos. Desejamos que o povo do Rio possa, na escuta e meditação da Palavra de Deus, ser sinal da presença amorosa de Deus no mundo. Vivendo os valores do Reino do perdão e da fraternidade, além de estar compromissado com os desvalidos e desprezados da sociedade.

Acreditamos na não violência como postura cristã diante do ódio. Vivamos o amor misericordioso que a todos e a todas acolhe e tudo perdoa. Digamos não à intolerância.]

Leia mais

Padre de 81 anos é xingado ao citar Marielle durante missa em Ipanema

Rumo a uma nova configuração eclesial. O artigo é de Mario de França Miranda. Cadernos Teologia Pública, N° 71

Um teólogo da modernidade Entrevista especial com Mário de França Miranda. Revista IHU On-Line, N° 297

Mário de França Miranda e a perspectiva de uma nova configuração eclesial

”A Igreja será sinal pelo que falar e pelo modo de viver”. Entrevista especial com Mário França Miranda

Um jesuíta brasileiro e um libanês recebem o Prêmio Ratzinger 2015

Tuitadas

“Quem matou Marielle?” Entrevista especial com Bruno Cava, Marcelo Castañeda e Giuseppe Cocco

O segundo assassinato de Marielle Franco

O assassinato de Marielle Franco e a opressão estruturante no Rio de Janeiro

Marielle bate impeachment no twitter

A rotina de violência policial em Acari, denunciada por Marielle

A segunda morte de Marielle

Memento para Marielle, assassinada pela repressão

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‘Ela incomodava pequenas e grandes máfias’, diz colega de partido de Marielle Franco, vereadora morta no Rio

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Marielle Franco, vereadora do PSOL, é assassinada no centro do Rio na saída de evento que reunia ativistas negras

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Anistia diz que intervenção no Rio é medida extrema, imprecisa e põe vidas em risco

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Intervenção com militares no Rio é “licença para matar”, diz Conselho Nacional dos Direitos Humanos

Links para as matérias, pela ordem:

http://www.ihu.unisinos.br/577163-sobre-a-crescente-intolerancia-dos-neoliberais-brasileiros

http://www.ihu.unisinos.br/577151-padre-de-81-anos-e-xingado-ao-citar-marielle-durante-missa-em-ipanema

http://www.ihu.unisinos.br/577164-companhia-de-jesus-do-brasil-solidaria-com-padre-agredido-no-rio-de-janeiro

Apesar do caso Marielle, direitos humanos avançam e encurralam os reacionários

Marielle
Veja.abril.com.br – imagine esta cena há 30 ou 49 anos.

Começo com uma explicação: muita gente, nessa circunstância, prefere usar a palavra “direita”; eu prefiro “reacionário”, porque nem todo mundo que é direita, por exemplo e como foi o caso de Marielle, prega, defende e mata pessoas.

A direita ideologicamente apenas se coloca numa posição reativa de negação aos chamados direito sociais.

Mesmo nesses casos – os avanços sociais – há quem os admita pelo menos parcialmente, até porque também deles usufruem.

Não é necessário puxar muito pela memória e nem realizarmos uma pesquisar intensa e profunda para que encontremos parentes, amigos e conhecidos até mesmo progressistas, embora sendo de direita, porque também o progresso a eles interessa, o que é um bocado óbvio, alias,

A minha preferência, portanto, pela palavra “reacionário” se prende a uma das definições já de há muito tempo dicionarizada: “contrário, hostil à democracia; antidemocrático (jur.)”.

Mesmo que nos consideremos socialistas, comunistas ou anarquista, se prestarmos atenção veremos como estamos cercados de direitistas e de reacionários – que muitas vezes, como se disse acima, não se confundem.

A questão é decidirmos o que faremos frente a fatos tão óbvio aos quais não deveríamos estar desatentos: nos apartaremos deles todos? Seremos capazes de nos apartar apenas de alguns sem necessariamente nos apartarmos de outros? Ou não nos apartaremos de nenhum dos grupos por questões de afinidade, amizades ou parentesco?

Trata-se de um decisão bastante difícil, mas não necessariamente justificável.

Perdendo

A questão, porém, é entendermos que os reacionários – contrários aos direitos humanos – estão ficando cada vez mais encurralados.

Isso quer dizer que um dia esse tipo de gente insana vai desaparecer do mundo?

Obviamente que não!

Ela vai continuar existindo e cada vez mais raivosa e violenta, mas cada vez mais minoritária.

E por que isso?

Por duas razões: cada vez há mais pessoas conscientes e exigindo que se respeitem os direitos delas mesmas e de outras pessoas; e as legislações de praticamente todos os países estão cada vez mais exigentes e fazendo coro, embasadas que estão, naquilo que propõe a carta dos direitos humanos da ONU.

O encurralamento, quase um estrangulamento, está se dando dessa forma.

Mas se não acredita, teste você mesmo: como eram tratados índios, gays e lésbicas, mulheres, negros, entre outras minorias, há míseros 20 anos?

Agora projete isso para quando eu, por exemplo, era jovem, na década de 60. Ou para a geração de meus pais que nasceram em 1924? Ou de meus avós que nasceram no século 19?

Que ações protetivas as minoria tinham nessas épocas?

Que tipo de consciência era possível ter naqueles momentos?

Que legislação, por exemplo, defendia as mulheres em casos de estupro e da famigerada prática da sedução (que, aliás, foi escorraçada da constituição brasileira de 1988).

É visível, portanto, que os reacionários e mesmo os direitistas estão perdendo o jogo. Estão sendo derrotado.

E é este um caminho sem volta, embora possa parecer longo e árduo

Estadão quer extinguir o PT mesmo que seja para eleger Bolsonaro

Bolsonaro
Reprodução

No editorial de hoje (04.08.2018.), jornal O Estado de São Paulo  – Um farol para a reconstrução – flerta descaradamente com o fascismo, o que não é necessariamente uma novidade.

Flerta usando o nome de Fernando Henrique Cardoso, dependurado na (im)possibilidade de o PSDB eleger o próximo presidente e ancorado num capitalismo provinciano, tacanho e ultrapassado, que nos tempos atuais não cabe mais.

Sem querer querendo”, como diria Chaves (Roberto Gómez Bolaños), o comediante mexicano, o que o Estadão está a alimentar, na verdade,  é a candidatura de Jair Bolsonaro, tudo a propósito de combater e exterminar o “lulopetismo”.

Veja o editorial na íntegra: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,um-farol-para-a-reconstrucao,70002212549 .

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