Blog Vinicius de Santana: Maradona beija Pelé ao lado de Putim, em cerimônia da copa da Rússia.
Alguém estava-se referindo a uma fábula, da qual eu já ouvira falar, mas nunca lhe dei muita importância, sobre um sujeito que jogava cascas de banana para que ele mesmo escorregasse.
Não sei exatamente por que se proliferou a ideia de que apenas cascas de bananas possam provocar tombos. A rigor, boa parte das frutas (tropicais) tem essa capacidade e destaco aqui a casca da manga.
Mas, enfim, a história não é sobre cascas, mas sim sobre as armadilhas que criamos para nós mesmo e que no futuro nos parecerão ridículas e de difícil sustentação e alvo de escárnio de outras pessoas.
Não posso esquecer aqui (embora já esteja parcialmente esquecida) a história inverossímil do terço do papa “destinado a Lula” e uma historieta mais recente dando conta de que Maradona puxou, na estreia da Argentina na copa de Rússia, um coro de “olé, olá, Lula, Lula”.
Fôssemos um pouco mais atentos estaríamos nos perguntando que razões levariam o papa Francisco a se indispor com a justiça brasileira e com o próprio Estado nacional, Francisco que é chefe de Estado (Vaticano), a menos que ele quisesse mandar seus exército de cruzados invadir o Brasil e libertar o Lula.
Raciocínio semelhante deveria também nos levar a perguntar as razões que moveriam Maradona, por que “todos” os argentinos o seguiram nesse “olê, olá” e, ambos, acabariam por contaminar “todo o estádio” nessa gritaria pró-Lula.
Ver alguma lógica nesses dois acontecimentos é como buscar agulha em palheiro.
Futebol, a caixinha
Quando a seleção brasileira foi ao México para ganhar a terceira copa do Mundo saiu daqui debaixo de pedradas (não literal, mas irada e irônica).
As críticas eram ferozes e previam que o selecionado nacional dificilmente passaria pela fase de grupos.
Tratava-se de uma mistura de provincianismo/bairrismo com um ódio visceral à ditadura militar, aliás, ódio bastante justificado.
O que resultou da jornada brasileira no México é história bastante conhecida.
O Brasil chegou à Rússia, em 2018, segundo nós mesmos (ou pelo menos a maioria de nós), com um técnico inteligente e moderno e com o melhor elenco (quiçá o melhor de todos os tempo), prontos para, num piscar de olhos, “trazer mais um caneco para casa”.
Um empate na primeira rodada fez desmoronar o sonho e trouxe sérias dúvidas a respeito da inteligência do treinador e da capacidade do elenco.
Claro que tudo isso pode mudar na segunda partida ou pode aprofundar a desconfiança, desmentindo, porém, o clima de euforia que cercou o selecionado antes do embarque.
Ou seja, mais uma vez estamos nos precipitando, reféns que somos, nós, brasileiros, das aparências apressadas, precipitadas e quase sempre enganosas.
O Brasil vai à copa da Rússia, que se inicia daqui a pouco, dividido.
Na verdade não dividido – o que, a rigor, pressupõe partido em dois, em dois pedaços – mas fraturado ou trincado em três pedaços disformes.
De um lado estão aqueles que irão torcer pelo selecionado, desbragada ou discretamente.
Esse povo eufórico com os feitos da seleção tem diminuído bastante – e não é de hoje – na medida contrária em que cresce o número dos discretos, que muitas vezes, porém, se cansam e deixam de torcer para “Neymar e Cia”.
O que nós estamos presenciando nos últimos tempos – e não é apenas após os eventos de junho de 2013 – é um brasileiro, embora ainda perdido, sem saber que rumo irá tomar mais crítico, mais cético e mais cínico.
Creio que em algum momento do passado recente nós perdemos a nossa inocência.
Quem sabe tenha sido durante a ditadura militar, mas isso é impossível de se saber sem que se façam estudos profundos sobre nosso comportamento, o que me parece ninguém tenha ainda feito, pelo menos que eu saiba.
A outra banda dessa fissura é formada por aqueles que garantem não torcer – de jeito nenhum – e até torcer contra pelo selecionado nacional.
É fácil perceber quem é essa gente, até porque ela faz questão de afirmar-se.
Trata-se de esquerdistas(e)petistas humilhados pelas ofensas dirigidas a então presidente Dilma Rousseff momentos antes do início da copa disputada no Brasil em 2014.
Mais há mais outra razão mais severa e mais impactante: as acachapantes derrotas para a Alemanha (7 a 1) e para a Holanda (3 a 0).
Sem medo de copiar bisonhamente uma ideia velhíssima vinda do século passado, a esquerda(e)petista reconstruiu uma teoria da conspiração (lá na França, contra a França; aqui no Brasil contra a Alemanha e depois contra a Holanda) garantindo que o Brasil “vendeu” a copa do mundo para poder derrubar mais facilmente a Dilma da presidência, como se com “venda” ou “não-venda” a presidente tivesse alguma condição de permanecer no Palácio do Planalto.
A terceira parte, que parece de longe a maior das três, é indiferente não apenas à própria copa do mundo como ao próprio futebol.
Argumentam as esquerdas(e)petistas que esse desinteresse, desencanto, que beiraria os 70%, é o resultado do eles chamam de golpe contra a Dilma e agora contra o principal ídolo das esquerdas(e)petistas, qual seja Luiz Inácio Lula da Silva.
Trata-se de um argumento que não se sustenta, pois historicamente 60% dos brasileiros não “apreciam” futebol.
Se esse índice “cresceu” 10 pontos percentuais não é exatamente uma surpresa, principalmente sabendo-se que muitos dos críticos do selecionado tendem a engrossar esta terceira fatia.
E é anda de se observar duas questões:
(1) parte dessa torcida “contra” deverá passar a torcer pelo Brasil, mesmo que discretamente – aliás, como é de costume;
(2) o índice de indiferentes pela copa (60%? 70%?) tende a cair ao longo do torneio, especialmente se o Brasil for avançando (o que deverá acontecer) até se classificar para a final.
Em entrevista à IHU/Unisinos, Alexandre Araújo Costa diz que frente às “necessidades do Antropoceno e a época das tecnologias digitais urgem um outro modo de fazer política”.
Veja, abaixo, o texto na integra.
[Uma análise sobre o futuro e a relevância das esquerdas na política brasileira precisa reconhecer a “existência de algumas conquistas sociais em 13 anos de governo encabeçado pelo maior partido de esquerda brasileiro”, mas também necessita “colocar o dedo na ferida” para verificar as consequências da política do “ganha-ganha” e das apostas econômicas e ambientais feitas nos últimos anos, pondera Alexandre Araújo Costa na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
“A política de ganha-ganha, de benefícios para os andares de cima e de baixo só encontrava sustentação numa conjuntura de preços elevados das commodities (minério de ferro, petróleo, soja). Portanto, além do risco econômico de manter tamanha dependência da pauta de exportações (o caso venezuelano é trágico nesse sentido), o custo ambiental disso é gigantesco”, afirma.
Crítico das políticas desenvolvimentistas dos governos petistas, Costa avalia que elas implicam na “negação de outros modos de vida, de imposição da ‘transformação do índio em pobre’”. E acrescenta: “Esse pensamento de bandeirante é que tornou possível vir das mãos de governos que se reivindicaram de esquerda a liberação dos transgênicos, a aposta nos combustíveis fósseis e a ênfase no pré-sal, a ampliação desmedida do uso de água para irrigação e que deixou Mariana e Belo Monte como tristes cicatrizes”.
Na avaliação dele, a reinvenção da esquerda na política “precisa se dar a partir de uma reorientação profunda de programa e estratégia, adaptados às necessidades do Antropoceno e da época das tecnologias digitais, de fato olhando para o futuro, mas também prestando conta do passado, do peso dos cinco séculos de etnogenocídio e de escravidão contra as populações indígenas e africanas, de uma cultura que reproduz as discriminações e opressões diversas. Também se trata de reorientar profundamente forma organizativa e métodos, no modo de fazer política”. Nesse sentido, explica, talvez “a contribuição possa se dar principalmente a partir de um programa baseado na lógica do Programa de Transição, mas profundamente reelaborado. Que parta do combate aos privilégios dos de cima e de reformas essenciais, como reforma tributária, reforma agrária, reforma urbana, demarcação de terras indígenas, transição energética etc. e que, com base na mobilização e organização populares, construa um contra poder”. Mas adverte: “Embora possamos falar de esgotamento de um determinado modelo de esquerda, isso não significa que esquerdas renovadas não possam apontar para esse caminho. Pelo contrário”.
Alexandre Araújo Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará. Formado em Física, Ph.D. em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado, com pós-doutorado na Universidade de Yale. Foi um dos autores principais do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Militante ecossocialista e ativista climático, edita o blog O Que Você Faria se Soubesse o Que Eu Sei e é um dos coordenadores do fórum de articulação Ceará no Clima.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que balanço faz da trajetória das esquerdas no país nos últimos anos?
Alexandre Araújo Costa – Existem diversos aspectos, complexos por sinal, a serem incluídos num balanço da esquerda brasileira, ou melhor, das esquerdas, no plural mesmo.
O primeiro aspecto, e isso precisa ser enfatizado, é que a experiência demonstrou que qualquer avanço social, qualquer melhoria mínima nas condições de vida do “andar de baixo” vai enfrentar resistência das classes dominantes. Fundada sobre genocídio indígena e sequestro e escravidão de povos africanos, a elite brasileira segue escravista e autoritária, avessa a qualquer inclusão.
Dito isto e reconhecendo a existência de algumas conquistas sociais em 13 anos de governo encabeçado pelo maior partido de esquerda brasileiro, há que se colocar o dedo na ferida. A política de ganha-ganha, de benefícios para os andares de cima e de baixo só encontrava sustentação numa conjuntura de preços elevados das commodities (minério de ferro, petróleo, soja). Portanto, além do risco econômico de manter tamanha dependência da pauta de exportações (o caso venezuelano é trágico nesse sentido), o custo ambiental disso é gigantesco.
Essa conciliação de classes, que vai muito além dos acordos eleitorais com partidos representantes dos interesses das empreiteiras, do agronegócio, dos bancos, das mineradoras etc., também se deu no nível direto, econômico. É terrível constatar que o favorecimento escancarado desses setores ampliou-se nos governos petistas. E, claro, deu-se às custas do sacrifício de uma agenda de reformas e transformações profundas: reforma agrária, demarcação indígena, reforma tributária, democratização da mídia, reforma política etc.
Especialmente é lamentável, é trágica a permanência, na mentalidade de setores da esquerda, de um pensamento desenvolvimentista, de negação de outros modos de vida, de imposição da “transformação do índio em pobre”, tomando por empréstimo Eduardo Viveiros de Castro, enfim de colonizador interno. Aliás, esse pensamento de bandeirante é que tornou possível vir das mãos de governos que se reivindicaram de esquerda a liberação dos transgênicos, a aposta nos combustíveis fósseis e a ênfase no pré-sal, a ampliação desmedida do uso de água para irrigação e que deixou Mariana e Belo Monte como tristes cicatrizes.
IHU On-Line – Por que na sua avaliação o desenvolvimentismo de esquerda é uma tragédia? Por que o caracteriza como um “pensamento de colonizador interno”?
Alexandre Araújo Costa – A tragédia é na verdade dupla. Primeiro porque se baseia num negacionismo, consciente ou inconsciente, dos limites da natureza. A ciência reconhece que a humanidade – de maneira desigual, é claro, com a pegada ecológica dos ricos várias vezes maior – tem hoje o poder de uma força geológica para alterar o ambiente em escala global. No que se conhece por Antropoceno, uma nova época geológica, das chamadas fronteiras planetárias já ultrapassamos marcos seguros em pelo menos biodiversidade, clima, ciclos biogeoquímicos e provavelmente no nível de contaminação por plástico, substâncias tóxicas etc. e estamos próximos ao limite nas demais, incluindo uso de água doce, terra ocupada e acidez oceânica. Quando a expansão do capital é cada vez mais violenta socioambientalmente, a crítica anticapitalista bem como a proposta de sociedade pós-capitalista precisam ser vertebralmente ecológicas.
Segundo porque se materializa num não reconhecimento de outros modos de vida que não o modo predatório baseado na infinita expansão capitalista industrial. Como se o Socialismo fosse a produção destrutiva capitalista convertida de propriedade privada em pública. É uma lógica que, como os economistas e políticos capitalistas, adota como métrica fundamental um PIB que contabiliza produção e venda de armas e não contabiliza tudo que é usufruído de maneira comum, sem relações mercantis, sem moeda envolvida, em comunidades ribeirinhas, sertanejas, quilombolas e indígenas.
É o que faz com que pessoas de esquerda se refiram a essas comunidades e povos como “pobres em terra rica”, perigosamente flertando com uma política “socialista” de empobrecimento da própria natureza. É a base das ilusões sobre obtenção de recurso econômico a partir da exploração do petróleo do pré-sal, ignorando o fato de que não há “CO₂ de esquerda” e de tantas outras.
IHU On-Line – Como as esquerdas entendem e tratam a questão ambiental no Brasil?
Alexandre Araújo Costa – Conectando com a pergunta anterior, digo, lamentando, que as esquerdas em sua maioria ainda percebem o meio natural com um oponente a ser conquistado, explorado e exaurido. E que é do crescimento econômico baseado nessa exploração que advirá a riqueza para a classe trabalhadora. Ledo engano. Não há Socialismo em terra (Terra) arrasada.
Mas outros setores, ao meu ver, estão dando seus primeiros passos no debate. Em geral sob uma consigna geral do Ecossocialismo, dialogam com o ecossistema de saídas ecológicas, que combina também as ideias de decrescimento justo, de buen-vivir, de direitos da Mãe-Terra etc. E isso abre caminho para esses setores ocuparem um novo nicho, não abdicando das tradições melhores da esquerda (clareza da oposição de classe e da necessidade de superação do capitalismo e entendimento da necessidade de mobilização de massas, por exemplo), mas revisitadas para as condições de crise ecológica global.
IHU On-Line – O que significa ser e fazer esquerda no Brasil hoje? Qual é o seu diagnóstico sobre a possibilidade de reinvenção das esquerdas brasileiras na política neste momento?
Alexandre Araújo Costa – O conceito genérico de esquerda pressupõe a afirmação de um conjunto de valores, de uma concepção de mundo baseada na igualdade. Creio que isso permanece em certa medida atual, mas especialmente hoje em dia, por esse guarda-chuva ser demasiado amplo, é provavelmente melhor usar “esquerdas”, no plural mesmo. Afinal não apenas na questão ecológica e nos critérios para alianças, mas nas pautas do combate ao machismo, racismo e homofobia (e no entendimento ou não de como elas se articulam com a exploração de classe), nos métodos e formas organizativas etc., há muitas diferenças.
Para falarmos da reinvenção das esquerdas no Brasil, precisamos fazer um balanço muito sério, duro, mas também sereno, da derrota política da esquerda hegemônica para a direita, processo que não se iniciou em 2016 ou, pior ainda, em 2013 como alguns tentam atribuir. Também não é um balanço que possa ser resumido na palavra “traição de classe”.
Sim, é preciso condenar os acordos por cima com o que há de pior na política burguesa, de Sarney a Maluf, de Sérgio Cabral a Lobão e Eunício Oliveira. É preciso não deixar sombra de dúvidas sobre o quanto a direita se fortaleceu politicamente ao se fortalecer economicamente durante os governos petistas, sendo talvez o agronegócio e sua bancada ruralista a expressão máxima disso.
Mas acredito também que houve um processo erosivo começado antes mesmo da primeira eleição de Lula e que se aprofundou a partir dela, de burocratização, captura da energia dos movimentos sociais para as instituições de Estado, uso de métodos e práticas viciados, despolitização, redução de capilaridade social, desatenção para com as redes sociais e até despreparo para lidar até com a transição geracional. Os e as jovens de hoje cresceram sob governos petistas e lamentavelmente isso abre flanco para crerem que é “culpa da esquerda” o quadro de desesperança e desalento que sobre eles e elas se abate.
A reinvenção da esquerda precisa se dar a partir de uma reorientação profunda de programa e estratégia, adaptados às necessidades do Antropoceno e da época das tecnologias digitais, de fato olhando para o futuro, mas também prestando conta do passado, do peso dos cinco séculos de etnogenocídio e de escravidão contra as populações indígenas e africanas, de uma cultura que reproduz as discriminações e opressões diversas. Também se trata de reorientar profundamente forma organizativa e métodos, no modo de fazer política.
IHU On-Line – Nesse sentido, em que pontos fundamentais as esquerdas deveriam avançar no seu modo de fazer política?
Alexandre Araújo Costa – Método não é apenas forma. É conteúdo também. Por isso na minha opinião, para os dias de hoje, de uma sociedade globalizada e conectada à internet, sob crise ecológica global, com movimentos novos do tipo “indignados” e “occupy” emergindo, com a disputa das redes sociais, tendo de enfrentar o apelo ao consumo e ao individualismo, transformações ideológicas e políticas enormes, precisamos mais do que resistir, nos repensar, nos reequipar e nos reinventar.
Afinal o anacronismo e a inadequação não pesam apenas sobre as esquerdas mais moderadas, seus métodos demasiado institucionais e a lógica de conciliação de classes. Ela permeia – em alguns casos até de forma mais aguda – os setores de esquerda radical ou que se reivindicam revolucionários.
A noção de “dirigir a classe” a partir de um “partido de vanguarda”, altamente centralizado, e que “introduz a consciência a partir de fora”, por exemplo, parece muito mais campo fértil para disputas miúdas, emergência de chefetes ególatras etc. É preciso superar a ilusão do controle.
Ao invés da inspiração na organização fabril, devemos buscar inspiração nas estruturas complexas da natureza, como as correntes do oceano e os ventos ou como os próprios ecossistemas: fluidos, adaptativos, enérgicos, vivos e diversos e por isso mesmo muito mais poderosos. A luta de massas e os processos revolucionários são fluidos e caóticos: despertam criatividade, divergências, diferenças, choques e estranhamente progride em meio a esse (aparente) caos.
Enfim, se a organização política de esquerda é uma “amostra grátis” do poder que almejamos construir, um poder popular, de baixo, que abra caminho para superação do próprio Estado, nossas organizações têm de ser construídas desde já mirando esse paradigma. Têm de ser associações de ativistas, militantes e colaboradores livres, com a mais ampla democracia, horizontalidade, poder de decisão distribuído, acesso amplo e irrestrito à informação, conhecimento de causa construído com base nesse acesso e no acesso às ferramentas para análise crítica, uso de plataformas em rede, autonomia e iniciativa sem medo de ser tolhido pelo burocrata de plantão, generosidade para com o erro, solidariedade no acerto, capacidade de adaptação, reconhecimento, no debate da preponderância de evidências independente de se a favor ou contra sua opinião inicial, na gestão coletiva, corresponsável e ao mesmo tempo descentralizada e globalmente harmônica.
IHU On-Line – Que tipo de contribuição as esquerdas ainda podem dar para projetos futuros para o país? Na sua avaliação, é possível perceber um esgotamento de um modelo de esquerda ou ainda há um caminho à esquerda?
Alexandre Araújo Costa – Como mencionei antes, prefiro pensar em “esquerdas”, numa “ecologia de esquerdas”, com espaço para expressar, discursiva e praticamente, acordos e diferenças. Dito isto, embora boa parte das esquerdas não se mostre capaz de lidar com os desafios do século XXI, não vejo como não vir do lado esquerdo soluções para nenhum desafio posto hoje: do aquecimento global à erradicação do trabalho escravo, da superação da ordem patriarcal às consequências da crescente automação. Daí, embora possamos falar de esgotamento de um determinado modelo de esquerda, isso não significa que esquerdas renovadas não possam apontar para esse caminho. Pelo contrário.
Assim, acredito que a contribuição possa se dar principalmente a partir de um programa baseado na lógica do Programa de Transição, mas profundamente reelaborado. Que parta do combate aos privilégios dos de cima e de reformas essenciais, como reforma tributária, reforma agrária, reforma urbana, demarcação de terras indígenas, transição energética etc. e que, com base na mobilização e organização populares, construa um contrapoder. E que por meio deste e de transformações metabólicas que envolvam agroecologia, recuperação de ecossistemas, matas, nascentes, leitos de rios, agricultura urbana, permacultura, sistema de energia renovável descentralizada, ecocidades, ecovilas e demais comunidades intencionais etc., abra caminho para outra sociedade.
IHU On-Line – Qual é a situação das esquerdas neste ano de eleições presidenciais? Na sua avaliação, a tendência é que haja uma fragmentação das esquerdas nestas eleições ou uma união em torno de algum projeto? Dado a trajetória das esquerdas nos últimos anos, quais são suas chances reais nas eleições deste ano?
Alexandre Araújo Costa – Até pela diversidade de projetos, não gosto do termo “fragmentação” para caracterizar a existência de mais de uma candidatura no guarda-chuva amplo que possa ser considerado de esquerda. Por exemplo, a candidatura de Guilherme Boulos e Sonia Guajajara é uma expressão para lá de fundamental nesse contexto de reorganização das esquerdas, justamente por ser a mais aberta aos debates que apresentei, de alternativa ecológica, de vínculo com os movimentos sociais etc. Afinal, Sonia e o próprio Guilherme têm feito duras críticas ao “modelo de desenvolvimento”, além de serem expressões públicas de dois movimentos muito ativos na conjuntura recente: dos sem-teto e dos povos indígenas.
Obviamente as possibilidades das esquerdas serão limitadas pelo avanço do conservadorismo. Mas de outro lado podem se ampliar em função da crise econômica explícita, da maneira nítida como o ônus dessa crise tem sido jogado sobre as maiorias sociais a partir do governo golpista de Michel Temer. Essas possibilidades se ampliam também se mantivermos um otimismo contido e inteligente e a perseverança em dialogar com a população.
Evidentemente saber se movimentar, sem limitar a expressão das diferenças, para barrar o avanço conservador, especialmente em sua forma mais truculenta, neofascista, também precisa estar na agenda, assim como tentar incidir sobre a composição do Congresso Nacional.
É nesse sentido, como ambientalista e militante das causas socioambientais e também como trabalhador da ciência e da pesquisa, que coloquei meu nome à disposição do PSOL para disputar uma vaga na Câmara Federal. Nos EUA, em função da posição anticiência institucionalizada na administração Trump e no Congresso (especialmente o negacionismo climático), cientistas estão colocando seu nome na disputa eleitoral. Então por que não aqui?]
Um senhor muito sério e bastante respeitável me confessou ter ficado abismado com a quantidade de terras que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva possui na vizinha Argentina.
Em voz mais baixa (nunca se sabe quem pode estar nos escutando) revelou, também, que as terras do ex-presidente não se localizam apenas em território argentino, mas igualmente no Paraguai e até mesmo no Brasil.
Fiquei imaginando o tamanho das terras do ex-presidente brasileiro
Mas o que sempre me intrigou mesmo é o poder que essa gente tem de amealhar terras, empresas, aviões e, em alguns casos, até navios na maior desfaçatez, no maior desprezo às leis e à opinião púbica.
E também sempre me espanta como eles conquistam isso tudo em breves períodos de tempo.
Devem ser gênios do enriquecimento rápido, coisa que está fora de nossas capacidades de compreensão, por mais que nos esforcemos.
Nesses anos todos vivendo já juntei uma ruma e meia dessas histórias, de tal sorte que até daria um livro, se eu tivesse algum talento para escrevê-lo.
Eu, como jornalista, fico constrangido não com a minha incapacidade mas com a nossa incapacidade de não registramos esses enriquecimento relâmpagos e suspeitíssimos.
Alguém nos acusará de sermos “comprados”, e por isso não darmos uma nota sequer sobre esses neo-ricaços e suas riquezas.
Bem… se alguém comprou alguém certamente nenhum deles me avisou, porque por mais que eu tenha vivido (e já vivi bastante) nunca consegui ser comprado.
Mas convenhamos, eu não sou exatamente um cara brilhante, e portanto tudo isso pode ter realmente ocorrido nas minhas barbas (que já estão um bocado brancas) sem que eu tenha percebido.
Mas o que sinceramente eu não entendo é que toda a imprensa tenha se calado a respeito, quer seja por desonestidade, quer seja por bobice como a minha.
Por exemplo, como entender o papel do jornalismo argentino, no caso das terras do Lula, por exemplo, e em especial do El Clarin, que nunca morreu de amores pelo esquerdismo, pelo trabalhismo, e muito menos pelo Lula?
Eles nunca deram uma notica que fosse a respeito das terras do Lula.
Suspeito isso!
Ou a propina que Lula derrubou nas mãos sujas dos patrões dos jornalistas e nas dos próprios jornalistas argentinos foi um troço monumental (capaz de destruir toda a fortuna amealhada pelo ex-presidente brasileiro), ou tem alguma coisa muito errada nessa história, de tão fantasiosa, estúpida e mentirosa.
Na minha simplicidade eu escolheria esta segunda hipótese.
Estava aguardando minha vez em um caixa de uma loja de conveniência quando a atendente perguntou a um senhor se gostaria de colocar o seu CPF na nota fiscal (a nota fiscal é obrigatória, mas revelar/expor o CPF, não).
O senhor disse que não queria, pois assim evitaria que Lula rastreasse e roubasse seu dinheiro.
A atendente sorriu, benevolente, parecendo concordar com o cliente, mas o lembrou que Lula não é mais o presidente do País e nem o PT, partido de Lula, estava mais no poder.
Nenhum dos dois pareceu ser gente desinformada, nem a atendente, que tinha por volta de 30 anos, nem o senhor, bem apessoado e revelando alguma posse, de cerca de 50.
O cliente ainda disse que não teve oportunidade de “comprar fogos” para festejar a prisão do ex-presidente.
Nada disso, no entanto, me pareceu ódio (de classes) como o Partido dos Trabalhadores está insistindo em massificar.
Pareceu-me, isso sim, que em algum momento essas pessoas se desencantaram com o discurso anticorrupção petista, mas que se mantiveram críticas às práticas políticas em geral e a petista em particular.
Pessoas que usam um artifício que está sendo fatal ao proverbial mal humor esquerdista: a piada, o blague, a ironia e muitas vezes o sarcasmo.
Entre as várias razões que podemos encontrar para explicar o desprestígio do petismo é possível enxergar o humor em sua linha de frente.
Coisa que, aparentemente, a Partido dos Trabalhadores não percebeu ou não teve capacidade para perceber, pelo contrário, preferindo buscar escusas em uma hipotética perseguição ao partido e agora mais concretamente à figura sacrificial do ex-presidente, praticamente guindado ao posto de Deus.
[Para a revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda. Conduzida por Luiz Bernardo Pericás e Paulo Barsotti, a entrevista foi realizada em São Paulo, no dia 5 de março de 2016, e contou com a transcrição e o apoio técnico de Silvia Letícia Marques. Abaixo, o texto integral; o leitor também tem a opção de baixar a entrevista completa diagramada em PDF clicando aqui.]
Pelo menos até o momento, quando ainda estamos na fase das pesquisas de intenção de votos para a presidência da república, parece que mais uma vez o Brasil não elegerá os ditos extremistas.
A população indica (e percebe) como extremistas o esquerdista Guilherme Boulos e o direitista Jair Bolsonaro.
Apesar do discurso edulcorado da comunista Manuela d’Ávila talvez pudéssemos colocá-la nesse mesmo rol; mas o PCdoB, partido à qual pertence, anda tão mais doce que a política gaúcha que é melhor deixá-la de lado.
Manuela não tem a menor chance de se eleger e dificilmente terá mais de 4% dos votos, apesar do apoio, que até agora parece maciço, de artistas de esquerda, como Chico Buarque de Holanda.
Chico apoiando Manuela quer dizer que já se dá Lula como carta fora do baralho.
Está ela fazendo o que podemos chamar de figuração e seu partido tentando apenas barganhar alguns postos no futuro governo, se o futuro for de esquerda, o que é improvável.
Boulos talvez nem chegue perto dos 4% dos votos.
O ativista social é apenas mais um ensaio lulista, mas de concreto mesmo, no futuro, o que ele poderia almejar e alcançar seria a assembleia legislativa de São Paulo ou a câmara dos deputados em Brasília.
Mas melhor seria que ele se mantivesse apenas ativista do MTST.
Já Bolsonaro preocupa tanto esquerdistas, quanto os liberais, mas a entrada do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, soa como um alerta para o candidato do Rio de Janeiro.
Bolsonaro, agora, passa a imaginar que poderá nem mesmo chegar ao segundo turno.
Fernando Enrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (em seu primeiro mandato) conseguiram, através de alianças, sustentar uma coalisão (governabilidade) às vezes custosa, mas que lhes permitiu levar seus respectivos governos mais ou mesmo tranquilamente.
Isso não se viu com Fernando Collor de Mello que teve de renunciar para não sofrer o impeachment e com Dilma que, perdendo toda a sua base de apoio, sucumbiu em pouco mais de um ano (segundo mandato).
Atualmente, nenhum candidato à presidência parece ter forças para aglutinar maioria no congresso.
A população, por seu lado, deverá votar aleatoriamente em deputados e senadores, pensando mais nos indivíduos que lhes possam representar ou lhes favorecer, e menos em partidos e em ideologias.
O resultado dessa barafunda talvez nos permita ter uma antevisão de um inferno à brasileira.
Por aqui, tudo o que é ruim pode sempre piorar mais um pouco.
[Chamam-lhes movimentos tribais. Reflexos ou populismo de tribo. Também há quem diga fanatismo e respectivas hordas ou mesmo fanatismo nacionalista. Os mais específicos falarão de supremacia branca, de racismo e de xenofobia. Eis umas tantas designações correntes para estes fenómenos actuais ou ódios contemporâneos. Estes termos parecem estranhamente empenhados em denunciar comportamentos brancos, de preferência europeus e americanos. Todos eles com inimigos declarados: negros, árabes, indianos e chineses e ainda uns acrescentos de muçulmanos, ciganos, romenos e outros imigrantes.
Acontece que estes comportamentos e estes valores, reais e detestáveis, não são únicos e são exactamente iguais a outros, simétricos e também detestáveis, de negros, árabes e indianos, contra os brancos e mesmo uns contra os outros. E todos se parecem com outros, não menos tribais, não menos fanáticos e também totalmente detestáveis: os das claques desportivas, das ideologias partidárias e dos ódios de classe…
Lamentavelmente, há sempre duas medidas. Se o racismo for dos brancos, dos cristãos e dos europeus, não tem perdão. Se for dos negros, dos muçulmanos e dos africanos, tem desculpas.
Se a xenofobia for prática corrente de brancos, europeus e cristãos, trata-se de odiosa forma de estar no mundo, de despotismo de exploradores e de intolerável egoísmo. Se for a rotina de negros, índios, Indianos, chineses, árabes e ciganos, são as reacções naturais de defesa e da dignidade.
Se o tribalismo for de partidos políticos ou de classes sociais, é forma superior de consciência de classes e de empenho cívico. Mas se for de nação ou região, é a deriva fascista e o populismo soberanista opressor.
Verdade é que os ódios do tempo presente têm estas formas de se exprimir. Umas são desculpadas pelas modas, outras não, mas todas igualmente destruidoras da razão. No Parlamento, a ira, a falta de cortesia e a agressividade são semelhantes às que se exprimem no estádio de futebol. Está em vigor o princípio segundo o qual o radicalismo adversário é fonte de orgulho e de razão. Quando é exactamente o contrário. A agressividade e a hostilidade adversária são estéreis, destinadas a regimentar e não a fundamentar. Diz-se que a ruptura entre esquerda e direita salva a democracia e clarifica argumentos. Nada mais enganador. Em todos os momentos difíceis da vida de um país, foi necessário fazer convergir esforços e razões. Na vida política e social da democracia, a ruptura não é saudável. Quando acontece, vencem a revolução, o caos, a ditadura e a corrupção.
São os reflexos condicionados que fazem com que se julgue a corrupção com dois pesos. Se for da direita, da banca, das grandes famílias, das empresas e dos patrões, é excelente ou inexistente para a direita, mas péssima e condenável para a esquerda. Mas, se for da esquerda, dos socialistas, dos comunistas e aparentados, ou não existe ou tem perdão por ser popular, mas péssima e pecaminosa para a direita. Ambas, esquerda e direita, consideram que a única corrupção com direito à existência é a sua própria. Ambas só têm olhos para a corrupção da outra.
Diz-se hoje que a corrupção é de classe e o terrorismo é político. Ora, cada vez mais se percebe que não têm cor nem ideologia, que a esquerda é tão corrupta quanto a direita, que a esquerda recorre tanto ao terrorismo quanto a direita. O terrorismo e a corrupção já não têm ideologia, nem classe, nem política, nem filosofia, nem desculpa! São os ódios do tempo presente. São os inimigos das liberdades e dos direitos dos cidadãos.
Certos estilos de governo e alguns géneros de liderança são também objectos destes dois pesos. Putin, Trump, Fujimori, Chavez, Maduro, Lula, Berlusconi ou Sócrates: bons exemplos do modo como gestos iguais, estilos semelhantes e métodos afins têm uma valoração moral e uma classificação política muito diferentes. Na política, como na guerra. Ou como na banca e nos estádios. O princípio é simples: os meus favoritos podem mentir e roubar; podem enganar e trair; podem matar e destruir: o que lhes peço é que sejam eficientes e destruam os adversários. E que o árbitro não veja.]
Ontem fui ao show do Chico Buarque de Holanda numa casa da zona sul da capital paulista chamada Tom Brasil.
Já é uma casa de shows bastante tradicional e cheia de histórias para serem contadas.
Quem tem dinheiro arrisca, vez ou outra, uma ida à Tom Brasil.
Na entrada fiquei sabendo que por lá também se apresentarão pelos próximos dias Diana Krall e Richard Chamberlain. Ela é canadense, ele, norte-americano.
Pra falar a verdade eu nem sabia de Chamberlain estava ainda vivo.
A Diana Krall é um bocado chata, quer dizer, para o meu gosto ela é ruim, embora tenha um prestígio enorme em boa parte do mundo.
A canadense vive se apresentando em São Paulo.
Talvez o povo de São Paulo tenha muita grana para jogar fora e um gosto duvidoso.
Eu não daria um tostão furado para nenhum dos dois.
Eu também não tenho maiores apreços pelo Chico Buarque de Holanda, contrariando a maioria, inclusive aqueles que detestam as suas posições políticas mas o veneram enquanto artista.
De uns anos para cá – uns 30 ou 40 – peguei uma birra danada da MPB.
Nem ouço essa gente mesmo quando me distraio.
Fui assistir a convite de Salete, minha prima, e de minha tia Rita , que vocês podem ver na foto acima.
Elas são petistas fanáticas e obviamente que alguém iria começar a berrar “fora Temer” e “Lula livre” mais cedo ou mais tarde.
Até que demorou um pouco, e isso só ocorreu quando Chico voltou três vezes ao bis.
Um sujeito que estava sentado conosco, e que também era jornalista (um cara razoavelmente jovem e que diz não perder as apresentações de Chico – ele estava ontem assistindo pela segunda vez e voltaria hoje com a esposa, que também já assistira ao show anteriormente) disse que provavelmente esta seja a última turnê de Chico.
Não sei exatamente de onde ele tirou essa informação.
A casa estava lotada e o show começou no horário previsto.
Eu achava que havia coxinhas demais na plateia, mas pelo gritos de “fora Temer” e “Lula livre” creio que me enganei.
Muita gente pode até ter ido do embalo, impulsionada por aquele velho “efeito manada”, mas o certo é que muitos berraram especialmente “Lula livre” acompanhados ao violão pelo próprio Chico.
Muita gente não me pareceu muito convicta da santidade de Lula, apesar dos gritos, mas o Temer – tido como um usurpador – realmente está na pior.
Pesquisa da consultoria Ipsos, divulgada pela BBC Brasil, hoje, mostra que Temer (69%) só não está em pior situação quem o venezuelano Maduro.
E o presidente brasileiro ainda vai ao Peru participar da Cúpula das Américas.
Vai um bocado desmoralizado e muito desprestigiado e ainda deixa Carmem Lúcia acumulando funções – STF e presidência da República.
Muita gente acha um troço desses temeroso, mas não creio que Carmem Lúcia terá tempo para fazer alguma besteira nesse interinato.
O que resta de concreto é que Lula continua resistindo e Temer, caindo.