Foto da ficha de Luiz Inácio Lula da Silva, no DOPS, de São Paulo – Acervo O GLOBO
Alguns jornalistas, nominalmente Ricardo Boechat e Vera Magalhães, ele da Band e ela da Jovem Pan (é provável que existam outros, mas que me escapam às observações), a modo de criticarem as violências que ora cercam a Caravana do Lula pelo Sul do País, afirmam que tal comportamento apenas repete o que sempre se fez contra os adversários do petismo.
A primeira observação a ser feita é que se trata de uma forma bastante acanalhada de justificar uma conduta se espelhando em outra; numa espécie de olho por olho, dente por dente [1].
A segunda é que está se usando, neste caso, apenas o senso comum que foi, diga-se, bastante cultivado pela própria imprensa (a tal da grande) e pelos senhores (leia-se capital, dinheiro) a quem ela serve.
No caso, a população, desavisada e distraída, apenas entra de “boi de piranha” [2] e apenas repete aquilo que já estava posto na mesa.
Num confronto cara-a-cara esses jornalistas dificilmente conseguiriam eles sustentar a difamação contestatória – muito pelo contrário, já que esse tipo de violência de direita abunda-se a perder de vista, sem a necessária contrapartida esquerdista.
Não se pode dizer, sem perder o pé da história, que as esquerdas (entre elas o petismo) sejam anjos de candura, mas é difícil anotar que desde o surgimento do partido, ele e seus militantes não tenham sido as vítimas, e não o contrário, os algozes de seus adversários e inimigos.
Aqui também os exemplos abundam e falam por si só.
Alguns petistas estão tão assustados, temerosos com os acontecimentos sulinos que chegam a sugerir/pedir a suspensão da Caravana do Lula, o que seria, convenhamos, uma demonstração de fraqueza, não compatível com a história do PT e muito menos com a história de Lula.
Obviamente que isso não deve e nem pode acontecer.
É correto esperar, no entanto, que o exemplo do Sul se espalhe pelo restante do País e que a partir de agora esse tipo de agressão recrudesça, o que pode desandar em direção de problemas maiores ainda, especialmente durante as eleições.
Mas não creio que seja o perfil da esquerda partir para o revide, partir para o confronto aberto.
Quando eu ainda era estudante de jornalismo tive, segundo alguns colegas, duas oportunidades de praticar atentados contra a ditadura militar.
Numa delas, foi cobrir uma cerimônia em Quitaúna, em Osasco, onde fica o 4° Batalhão de Infantaria Leve (4º BIL) do exército brasileiro.
Na outra, estive a dois passos do general Emilio Garrastazu Médici, o terceiro dos ditadores do golpe de 1964.
Em ambos os episódios meus colega de faculdade me questionaram porque eu não estava de posse de bombas e de algumas armas para “fazer justiça com as próprias mãos”.
A rigor não sou exatamente um sujeito corajoso e nem me passou pela cabeça fazer um troço desses.
E sem necessariamente ser um pacifista, nunca me pareceu oportuno reagir dessa maneira tresloucada, assim como entendo que de nada adiantará ao petismo reagir à violência que se vê no Sul do País com mais violência.
A não ser que se queira “colocar fogo no País” e dar chances a que extremistas e oportunistas, como Jair Bolsonaro, para possa chegar à presidência da república.
[*] Lei de talião, pena antiga pela qual se vingava o delito, infligindo ao delinquente o mesmo dano ou mal que ele praticava. (Hamurabi, rei da Babilônia, no século XVIII a.C. – ibid.)
[2] Expressão popular brasileira que designa uma situação onde um bem menor e de pouco valor é sacrificado para que em troca outros bens mais valiosos não sofram dano.
O PT e seus seguidores estão com medo não apenas do TRF4, de Porto Alegre, como também o STF, em Brasília, e, por consequência, temem que Lula vá preso no dia 5 abril, ou já no dia 4 mesmo.
Os adversários e odiadores do PT e de Lula temem que o TRF4 refaça aquele caminho condenatório que lhes parece correto e irremovível e acate os embargos lulistas; e temem, até mesmo, que o STF anule o que decidiu anteriormente, ou seja, que decida pela condenação ou não do réu (no caso, o Lula) apenas depois de esgotados todos os recursos no próprio STF (qual seja, na terceira instância).
Para conturbar ainda mais a situação, a Netflix lançou na semana que se findou a série “O mecanismo” que está irritando enormemente os petistas e seus apoiadores, que até se propõe a boicotá-la, até mesmo quem não tem sequer uma assinatura do “canal”.
Adversários do lulismo marcam para o dia 3 do mês entrante uma vigília para pressionar o SFT no sentido de não conceder o HC para Lula.
O clima também esteve bastante pesado a partir dos Estados sulistas, tudo por conta da Caravana do Lula, marcado por agressões, desvios de rota, cordões de isolamento e cancelamentos.
Trata-se de um momento bastante delicado da vida nacional, de resultados imprevisíveis.
[“Defender Lula não é coisa de petista, nem de “esquerdista”. Defender Lula é atitude de gente sensata, gente que sabe que o que está em jogo não é corrupção, apartamento triplex, sítio, pedalinho, nada disso.
O que está em jogo é o sistema democrático brasileiro. O que está em jogo é a falência do sistema judiciário brasileiro que se tornou partidário e tão ou mais corrupto que o sistema político.
O que está em jogo é a imagem do Brasil perante o mundo porque nem mesmo os que acusam Lula estão convictos de que haja provas de corrupção do ex-presidente.]
No editorial de hoje (04.08.2018.), jornal O Estado de São Paulo – Um farol para a reconstrução – flerta descaradamente com o fascismo, o que não é necessariamente uma novidade.
Flerta usando o nome de Fernando Henrique Cardoso, dependurado na (im)possibilidade de o PSDB eleger o próximo presidente e ancorado num capitalismo provinciano, tacanho e ultrapassado, que nos tempos atuais não cabe mais.
“Sem querer querendo”, como diria Chaves (Roberto Gómez Bolaños), o comediante mexicano, o que o Estadão está a alimentar, na verdade, é a candidatura de Jair Bolsonaro, tudo a propósito de combater e exterminar o “lulopetismo”.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou, em entrevista à Rádio Eldorado, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está certo quando disse, durante o Fórum Estadão, na terça, 27, que “quem for o candidato de mercado vai perder a eleição” de outubro. “Ele (FHC) está certo. Quem é candidato só do mercado tem apoio (em número de votos) proporcionalmente pequeno. Mas, a questão é que a importância do mercado não é o número de votos. Quem ganha eleição tem apoio de todas as classes sociais e de todo o Brasil”, afirmou Meirelles. (O Estado de São Paulo)
A intervenção militar no Rio de Janeiro não foi aquilo que podemos dizer de “uma boa idéia”.
No razoavelmente recente e no mesmo Rio de Janeiro as UPPs – que eram também ações de força, mas não necessariamente militar – também não funcionaram.
Muita gente festejou a “chegada” das UPPs nos morros cariocas, muita dessa gente que hoje se põem contra a militarização dos morros do Rio, militarização essa por razões bastante parecidas.
Portanto, a rigor não há diferença entre as duas ações.
Ambos são ações de força e emergenciais, embora difiram na forma (ação policial X ação de forças armada).
Mas quase certamente, assim como ocorreu com as UPPs, a militar também não deva ter resultados práticos.
Há quem reclame, indevidamente, que as forças armadas “estão em lugar errado”, invadindo favelas, enquanto a principal problema estaria na recepção da droga, qual seja, segundo esse tipo de argumento, no asfalto, entendendo-se esse “asfalto” pelos bairros de classe média e da elite.
Não é exatamente bem isso, como sempre se viu.
A rigor o tráfico está realmente enquistado nas favelas e nas periferias, e por um motivo bastante simples: são esses locais mais seguro para os traficantes.
Não se pode, no entanto, contra argumentar contra a ação militar (que por si só já é ruim e ineficaz) com o falacioso argumento de que as classes médias e a elite são os principais usuários de droga e incentivadores, portanto, do tráfico.
Neste particular, também, o discurso (politizado) é falacioso, pois há sim uma massa enorme de pobres e gente de classe média baixa consumidora de drogas.
A questão, no entanto é que continuamos sem uma solução prática e objetiva para o combate aos traficantes, e o que assistimos atualmente, e longe o Rio de Janeiro e até mesmo de outros grandes centros consumidores de droga, por exemplo, São Paulo e Belo Horizonte, é uma guerra entre as várias facções, que, não por acaso, são formadas maciçamente por traficantes de drogas, e que aparente, não ter mais fim.
A intervenção no Rio de Janeiro é inédita. Nunca antes um governador perdeu as rédeas do comando da segurança do seu Estado para o governo federal. Por outro lado, essa é a sétima tentativa de um presidente da República de conter a violência no país desde 2000. Na média, houve um novo anúncio federal a cada três anos.
A reportagem é de Amanda Rossi e Leandro Machado, publicada por BBC Brasil, 28-02-2018.
Em 2000, Fernando Henrique Cardoso lançou o Plano Nacional de Segurança Pública, que vigorou por apenas dois anos. Já Luiz Inácio Lula da Silva lançou, em 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Além disso, tentou criar o Sistema Único da Segurança Pública – uma espécie de SUSpara a área da segurança. Encaminhado para o Congresso Nacional em 2007, está em tramitação até hoje.
Dilma Rousseff não deu continuidade aos planos do seu padrinho político. Em 2012, criou o Programa Brasil Mais Seguro, e, em 2015, o Programa Nacional de Redução de Homicídios. Já Michel Temer deu início ao Plano Nacional de Segurança em 2017. E, agora, a intervenção no Rio.
O levantamento dos diferentes planos federais foi feito pelos especialistas em segurança pública Isabel Figueiredo, Renato Sérgio de Lima e Sérgio Adorno. Em comum, nenhum deles foi capaz de conter o avanço da violência no Brasil.
Um dos sinais do acirramento da crise de segurança é a guerra entre facções criminosas. Antes concentradas no Sudeste – o PCC, principalmente em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio – essas organizações criminosas se multiplicaram pelo país. Em 2006, no Amazonas, foi criada a Família do Norte; em 2012, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte; em 2013, no Acre, o Bonde dos 13; por volta de 2015, no Ceará, os Guardiões do Estado – entre vários outros.
Além disso, regiões antes pacatas entraram no foco da violência. Entre 2000 e 2016, enquanto a taxa de homicídio do Sudeste caiu pela metade, a do Norte e Nordeste dobrou. Nas cidades menores, a quantidade de mortes violentas cresceu mais do que nas metrópoles. Na soma do país, o número de assassinatos passou de 47,9 mil para 61 mil por ano.
Mas por que os sucessivos planos federais não foram tiveram sucesso? Especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontam algumas razões.
Brasil nunca teve uma política de Estado para a segurança
“Veja o caso da saúde. O grosso do SUS não muda com o governo A ou governo B. Já a segurança está ao sabor da política. A consequência são as interrupções dos programas”, compara.
Alberto Kopptike, que atuou na área de segurança pública durante parte dos governos Lula e Dilma, também usa o SUS como exemplo. Para criar o sistema de saúde, primeiro foi elaborado seu conceito e, depois, montada uma estrutura nacional para implementá-lo, como Ministério da Saúde, Datasus, Fundo Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Para Kopptike, esse mesmo processo precisaria ocorrer com a segurança pública.
“O SUS não é um programa, é a política nacional de saúde do Brasil. Já na segurança pública, foram criados apenas programas”, completa Kopptike.
Segundo Figueiredo, o problema vem desde a Constituição de 1988, “que é detalhada nas áreas de saúde e educação, mas pífia com relação à segurança pública”.
O trecho constitucional que trata da área apenas lista quais são as forças de segurança, estabelece qual é a função de cada uma e a quem respondem: as Polícias Militar e Civil ficam sob comando dos Estados e as Polícias Federal e Rodoviária Federal estão sob responsabilidade da União. As Forças Armadas não são um braço da segurança pública.
O Susp (Sistema Único da Segurança Pública), idealizado no governo Lula, foi uma tentativa de suprir essa lacuna, mas não avançou. Agora, o Ministério da Justiça diz que vai publicar uma política nacional – embora não dê datas. “Ela reunirá, pela primeira vez, um conjunto de princípios, diretrizes e objetivos de segurança pública a serem implementados pelos três níveis de governo de forma integrada e coordenada”, disse a pasta, por nota.
Projetos para segurança são reações a episódios de crise
Na falta de uma política de Estado para a segurança pública, os planos para a área costumam ser lançados em resposta a crises, dizem especialistas.
Foi o caso do primeiro plano de segurança, no governo FHC. Em junho de 2000, um ônibus foi sequestrado no Rio de Janeiro e uma mulher grávida foi feita refém. O resultado foi trágico: a vítima foi morta pela polícia dentro do ônibus; o sequestrador, dentro do camburão. O caso, conhecido como “ônibus 174“, chocou o país. O plano federal foi lançado em seguida.
Dezoito anos depois, a intervenção federal no Rio também foi decretada na sequência de cenas de violência durante o Carnaval. No início de 2017, o governo Temer divulgou seu plano de segurança após massacres em presídios do Amazonas e Roraima, que evidenciaram a extensão da disputa das facções no país. Além disso, acredita-se que o Pronasci, de Lula, teve a influência dos ataques do PCC em São Paulo, em maio de 2006.
“Uma política de segurança pública eficiente não é um milagre. Não dá resultado imediato, mas no médio e longo prazo. Não é diferente da educação. O problema é que a crise na segurança normalmente mobiliza de tal forma a opinião pública que muitos governantes acabam indo para uma lógica de curto prazo, paliativa, midiática. Mas o importante é pensar na causa do problema, em algo sustentável”, afirma Figueiredo.
“A gente precisa deixar de ser reativo, só atuando em crises, e começar a criar estrutura para mudar a forma como a gente faz segurança pública. Aí, o governo federal tem que entrar com recursos”, diz Kopptike.
Não há financiamento garantido
A maior parte dos gastos da segurança pública fica nas mãos dos Estados, que custeiam as Polícias Militar e Civil. Segundo o Anuário de Segurança Pública, o Brasil gastou R$ 81 bilhões com o setor em 2016, sendo que mais de 80% do valor veio dos cofres estaduais. Já o governo federal arcou com cerca de 10% dos gastos.
Segundo especialistas, seria preciso aprimorar o financiamento federal da segurança pública. Em primeiro lugar, a área não conta com garantia de recursos, ao contrário da saúde e da educação, por exemplo, que obtêm uma fatia determinada das receitas do país. Também difere da área penitenciária, que fica com um percentual da arrecadação das loterias.
“Não é razoável que todo o ano seja necessário brigar pelo orçamento da segurança pública. Se não há garantia orçamentária, como fazer ações que dependem de recursos no ano que vem? É muito difícil para a continuidade”, diz Figueiredo.
Em tese, desde o plano de segurança pública de FHC, em 2000, o Brasil conta com um fundo específico para financiar o setor na esfera federal. É o Fundo Nacional de Segurança Pública. Porém, ele está longe de dar conta da demanda de financiamento. Em 2016, recebeu apenas R$ 313 milhões – equivalente a 0,4% dos custos totais da segurança pública brasileira ou a 5% dos custos da Polícia Federal.
“É preciso criar um pacto federativo na área de segurança pública, que defina responsabilidades e atribuições do nível federal, do nível estadual e do nível municipal, e também estabeleça padrões e formas de financiamento do setor, de forma consistente e permanente”, afirma José Luiz Ratton, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que atuou em um programa de combate à violência no Estado.
“Já existe acúmulo técnico para que isso seja feito, mas sucessivas administrações do governo federal foram incapazes de construir uma agenda política de reformas nesta área, com receio de responsabilização por um tema tão sensível”, conclui.
Falta articular a inteligência das diferentes forças de segurança
“O Brasil não tem uma coordenação de inteligência. É um quebra-cabeça de informações. Cada (órgão de segurança) tem um pedacinho para encaixar. O problema é que cada um usa a informação que tem para se valorizar”, afirma José Vicente da Silva, coronel reformado da PM, que atuou no programa de segurança de FHC.
Ele dá como exemplo o Rio de Janeiro: “Como enfraquecer as facções criminosas no Rio de Janeiro? É preciso sufocar a logística de acesso a drogas, munição e arma. Para isso é preciso inteligência. Se tem articulação do governo federal com os Estados fica mais fácil identificar o fluxo que alimenta a economia do crime”.
Alberto Kopptike concorda. “O PCC, por exemplo, é uma facção nacional. Está em metade dos Estados brasileiros, em outros países da América Latina. (Para enfrentá-lo), é preciso articular a inteligência da segurança pública no Brasil, (juntando informação) das forças federais e estaduais.”
PF deveria atuar mais no combate ao tráfico
Três especialistas ouvidos pela BBC Brasil, de diferentes linhas políticas, disseram que a Polícia Federal precisa atuar mais no combate ao tráfico de drogas e armas. Essa é, inclusive, uma das funções da PF previstas pela Constituição.
“A gente precisa de uma Lava Jato das armas, uma Lava Jato das drogas. É legal que a PF esteja combatendo a corrupção – e tem que continuar. Mas é importante que também entre na segurança pública”, afirma Kopptike.
“A cobrança por ações da PF para combater a criminalidade violenta tinha que ser mais dura. A Lava Jato é importante. Mas fora isso é preciso priorizar a criminalidade violenta“, opina da Silva.
“Nos últimos anos, para bem ou para o mal, a PF fez a escolha do negócio dela: corrupção. De fato, nunca antes nesse país, a PF esteve tão focada no combate à corrupção. Por outro lado, não vemos esse mesmo esforço da força no combate à criminalidade violenta, que é atribuição dela e acaba atingindo população”, diz Figueiredo.
Cerca de um quinto das operações da Polícia Federal em 2016 foram relacionadas ao tráfico de drogas – 121 de um total de 550.
Corrupção policial nos Estados
Outro ponto apontado pelos especialistas é a dificuldade de combater a corrupção policial nos Estados, área que deveria contar com a intervenção federal.
“Nenhuma polícia pode ser eficiente se for corrupta. O governo federal poderia tornar o combate à corrupção policial uma prioridade. Inclusive, enviar a PF para investigar a relação das polícias com o crime organizado”, opina o coronel reformado José Vicente da Silva.
Alberto Kopptike ressalta a importância da União no combate à corrupção policial citando o exemplo da Inglaterra, que faz uma avaliação técnica das polícias. Isso poderia ser feito no Brasil, segundo ele. “Precisamos de uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal, mas de gestão das polícias.”
Em 2017, por exemplo, um policial civil do departamento de narcóticos de São Paulo, o Denarc, foi acusado de roubar e vender drogas no centro da capital paulista, além de avisar traficantes da Cracolândia sobre operações que iriam acontecer na área. Ele foi pego em uma escuta telefônica conversando com um homem apontado como revendedor de drogas na região.
As polícias já têm órgãos de controle e investigação de seus quadros, como as corregedorias. Porém, críticos costumam dizer que, pela proximidade com as corporações, sua atuação não é forte o suficiente. Outro serviço de controle social são as ouvidorias – em São Paulo, por exemplo, o ouvidor é escolhido pelo governador do Estado a partir de uma lista tríplice de candidatos votados por grupos de defesa dos direitos humanos.
Prisões lotadas favorecem expansão de facções
O sistema prisional superlotado é um caldo propício para o surgimento e crescimento das facções. Algumas delas, como o PCC, surgiram nos presídios, reivindicando melhorias das condições internas. Alianças, cisões e ordens de crimes costumam ocorrer dentro das unidades prisionais. Novos membros, inclusive, costumam ser “batizados” atrás das grades.
Os planos de segurança federais não conseguiram reverter esse problema. Pelo contrário, o número de presos no país não para de aumentar: passou de 232 mil pessoas, em 2000, para 727 mil, em 2016. Já o número de vagas é cerca de metade do total de detentos.
“A estrutura prisional superlotada acaba fomentando a abertura de franquias de facções de mais nome. É como uma cooperativa de crime e proteção”, afirma José Vicente da Silva.
Um dos fatores ligados ao alto encarceramento é a política de drogas brasileira. Cerca de um terço dos presos são acusados de tráfico. A minoria, apenas 1 de cada 10 pessoas encarceradas, responde por homicídio.
“Só aumentar a quantidade de presos não adianta, estamos alimentando as facções. Com essa visão, você não apaga os incêndios, mas coloca gasolina. É preciso ver a qualidade de quem está sendo preso – traficantes de armas, homicidas”, completa Kopptike.
A maior parte do sistema prisional é gerido pelos Estados. No governo Lula, foram criados os presídios federais, menos lotados e com melhores condições de segurança. No entanto, são apenas quatro, e abrigam uma ínfima parte dos presos – menos de 500.
Reprodução CartaCapital: Dom Pedro II recomendava a cadeia aos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal
[Realçar as deficiências de nossa formação nacional não significa falta de patriotismo. Bem ao contrário, tal procedimento é a condição sine qua non para que comecemos a corrigi-las, abrindo assim novos rumos ao futuro deste país. O primeiro e mais marcante desses vícios congênitos na formação da sociedade brasileira foi o predomínio absoluto do interesse privado sobre o bem público; incontestavelmente, o produto inelutável do espírito capitalista, que desde o início animou o processo de nossa colonização.
Como salientou o primeiro historiador do Brasil, frei Vicente do Salvador, em sua obra publicada em 1627, “nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.
Para tomarmos um só exemplo, a apropriação dos bens públicos pelos particulares não representava à época escândalo algum, pois a confusão entre uns e outros fazia parte do costume colonial. No Relatório apresentado em 1779 a seu sucessor, D. Luís de Vasconcelos e Souza, o Marquês do Lavradio, Vice-Rei do Brasil, assinalou haver encontrado o Cofre Público do Rio de Janeiro em “grandíssima desordem”, e esclareceu: “Este cofre o tinha o tesoureiro na sua casa, todo ao seu arbítrio”.
Por sua vez, o Padre Antônio Vieira emprega análoga diatribe no Sermão alegórico de Santo Antônio Pregando aos Peixes, pronunciado em São Luís do Maranhão, em 1654: “Importa que daqui por diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um, para que não suceda que, assim como hoje vemos a muitos de vós diminuídos, vos venhais a consumir de todo”.
O segundo vício congênito da colonização portuguesa em solo americano foi fazer do Brasil uma terra de degredo de criminosos. Para cá vieram desterrados os autores dos mais graves crimes, conforme dispunha o Título CXL do Livro Quinto das Ordenações Filipinas. Como declarou Duarte Coelho, primeiro Capitão-Geral de Pernambuco, em carta enviada a Sua Majestade em 20 de dezembro de 1546, “não sei se lhes chame povoadores ou se lhes diga e chame salteadores”.
O fato é que o caráter delinquente do povo aqui instalado acabou por provocar a endemia da corrupção, sobre a qual até há pouco os historiadores nacionais faziam completo silêncio, em contraste com vários testemunhos de estrangeiros que aqui habitaram.
O inglês John Luccock, por exemplo, que aqui viveu dez anos no início do século XIX, em seu livro Notas Sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil, é categórico: “Raro se podia acreditar nalguém, ainda mesmo em suas afirmações mais solenes; menos ainda os que merecessem confiança, ainda mesmo após uma certa experimentação de sua fidelidade. Imposturas e fraudes de toda a espécie eram tão comuns, sempre que elas pudessem ser tentadas com a esperança da impunidade, que apenas provocavam pequenos ressentimentos, transitórios e inoperantes”.
Sem dúvida, a parte mais lastimável do serviço público durante o Brasil Colônia foi o Judiciário. Sobre a generalidade dos casos de prevaricação de magistrados no período colonial, é farta a documentação, constante dos ofícios de presidentes dos Tribunais da Relação da Bahia e do Rio de Janeiro no século XVIII.
A razão dessa corrupção generalizada resumiu-a o Visconde do Lavradio, no Relatório apresentado a seu sucessor no vice-reinado do Brasil: “Os ordenados de todos estes ministros são pequenos, e eles a sua principal ideia é a de não se recolherem uns com menos cabedais do que se recolheram os outros”. Entenda-se: esse “recolhimento” é a volta a Portugal.
Enfim, como bem explicou o francês Auguste de Saint-Hilaire num de seus múltiplos livros sobre o Brasil, “em um país no qual uma longa escravidão fez, por assim dizer, da corrupção uma espécie de hábito, os magistrados, libertos de qualquer espécie de vigilância, podem impunemente ceder às tentações”. O fato é que a corrupção do Judiciário perdurou inabalada muito depois de encerrado o período colonial.
Ao final do seu reinado, D. Pedro II teve ocasião de desabafar com o Visconde de Sinimbu, a respeito do mais importante tribunal do País: “A primeira necessidade da magistratura é a responsabilidade eficaz; e enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguirá esse fim”.
Teremos hoje logrado abolir todo abuso ou desvio de poder no quadro do Poder Judiciário? Tenho sérias dúvidas a esse respeito. Tomemos, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, que atua no ápice do sistema judiciário. Sua função precípua consiste na “guarda da Constituição” (Constituição Federal, art. 102, inciso I), a qual assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inciso LXXVIII).
É, porém, frequente que um ministro do Supremo, na qualidade de relator, uma vez encerrada a instrução do processo, ou ao receber um recurso, decida reter os autos durante anos, a seu bel-prazer; ou, então, que peça vista dos autos durante uma sessão de julgamento e os enfurne pelo tempo que quiser, sem dar satisfação a ninguém, com o claro objetivo de impedir a votação da matéria.
Quem teria poder para impedir esse abuso e punir o ministro faltoso? Absolutamente, ninguém. Esse tribunal e seus integrantes não estão sujeitos a poder algum. Pelo menos neste mundo dos seres vivos.]
Por Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, para CartaCapital.
Como chamou a atenção em artigo hoje – Temer colocou um abacaxi no colo da esquerda – (Vi o mundo), Ricardo Cappelli – secretário da representação do governo do Maranhão em Brasília e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes – o presidente da República encurralou as esquerdas, que, na prática, sequer têm candidato ao Palácio do Planalto, muito em conta do fator Lula da Silva e seu equivocado discurso de vitimista, o que acabou por esvaziar qualquer possibilidade de uma alternativa à esquerda, que não ele próprio.
Em leitura logo pela manhã – “Bolsonaro é favorito para vencer se disputar o segundo turno contra o PT” (El País) – “Maurício Moura, que trabalhou em campanhas nos EUA e no Brasil, diz que velhos dogmas das eleições brasileiras, como a preponderância da TV, estão em xeque” e que “candidatos com perfil ‘indignado’, como o esquerdista Ciro Gomes e o deputado de extrema direita Jair Bolsonaro, são potencialmente competitivos numa disputa na qual Luiz Inácio Lula da Silva está virtualmente fora…”.
O PT sentiu o golpe e começa a perceber que ficou sem saída, e apenas um fator excepcional pode lhe tirar da enrascada.
Enquanto Temer intervém no Rio de Janeiro e segue dando números (corretos ou falsos [1]) palatáveis à economia brasileira, Fernando Henrique Cardoso trabalha para esvaziar as candidaturas temporãs, tipo o global Huck, visando limpar a trilha para Alckmin e derrotar o PT ou algum outro candidato de esquerda já no primeiro turno.
Essa história de intervenção no Rio de Janeiro, do presidente Michel Temer, equivale às UPPs, no mesmo Rio de Janeiro, do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.