“A esquerda dividida por junho de 2013 e a possibilidade de construir novas conexões”

Jean
Jean Tible – foto: Arquivo pessoal

[ (IHU-Unisinos) “A esquerda se divide em dois polos: quem celebra e quem detesta junho”, resume Jean Tible à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Segundo ele, o “polo” que existe entre a esquerda anti-Junho e a pró-Junho também foi manifestado na greve dos caminhoneiros, que aconteceu no mês passado. “É curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação”, lamenta.

Na avaliação de Tible, nem a esquerda institucional, formada pelos partidos e movimentos tradicionais, nem a esquerda mais autônoma deram conta das “aberturas de Junho”. “Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada)”, pontua.

Na entrevista a seguir, Tible frisa ainda que “Junho de 2013 abriu um novo ciclo político”, que obrigou os atores políticos a se reposicionarem. Nesse novo cenário, diz, “talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha de Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado”, conclui.

Jean Tible é graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestre pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). É autor de Marx selvagem (São Paulo, Annablume, 2013; 2ª edição, 2016) e co-organizador de Junho: potência das ruas e das redes (Fundação Friedrich Ebert, 2014) e de Cartografias da emergência: novas lutas no Brasil (FES, 2015).

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Qual sua avaliação de Junho de 2013, cinco anos depois da emergência daquelas manifestações no país?

Jean Tible — O que vou dizer tem relação direta com o que pensei e produzi com uma série de pessoas no livro “Junho: potência da rua e das redes” e em debates ininterruptos sobre o que ocorreu em Junho e seus desdobramentos com muita gente, em particular com Ramon Szermeta. Então, essa não é exatamente uma reflexão individual, é parte de uma reflexão coletiva, embora seja eu quem esteja falando agora nesta entrevista específica.

Junho é algo que foi muito forte e inédito no Brasil, e tem um ponto interessante: ele nos conectou com o mundo. Num período anterior a Junho de 2013, em praticamente todos os países da América Latina as lutas também se davam nas ruas e não só nas instituições; o Brasil era uma exceção naquele contexto (e podemos reparar nas influências zapatistas e piqueteiras-argentinas em coletivos e movimentos presentes nos protestos). Junho também se conecta a um ciclo de revoltas globais, que começou na Tunísia, se espraiou pelo mundo árabe, atravessou o Mediterrâneo e depois atravessou o Atlântico Norte. Mais tarde aconteceram as manifestações na Turquia, no Brasil, em vários pontos do continente africano e na Ásia. Essas lutas não são um raio em um céu azul; elas têm uma história e uma memória.

Uma delas é a luta pelo transporte: sempre houve os tradicionais quebra-quebra nas cidades brasileiras por conta do aumento do preço da passagem. Nesse período mais recente ocorreram várias revoltas nesse sentido, como a do Buzu em Salvador, mais duas em Florianópolis e em Vitória. Também vimos lutas como o Fora Micarla, em Natal (RN), em 2012, as greves de Jirau e Santo Antônio, a ampla solidariedade com os Guarani Kaiowá, a ocupação indígena do Congresso poucas semanas antes de estourarem as manifestações de Junho, o Bloco de Lutas em Porto Alegre e as lutas pelo transporte em Goiânia, a organização dos Comitês Populares da Copa. Portanto, havia todo um caldo mais subterrâneo — de alguma forma não tão visível para as lentes convencionais — que estava se desenvolvendo naquele período (em São Paulo, o churrascão da gente diferenciada e a marcha da liberdade, atos contra o aumento das passagens na periferia). Talvez o principal ponto disso tudo seja uma crítica aos representantes em geral (na política, economia, cultura), com as manifestações que afirmavam “não me representam”, como apareceu na Espanha em outro contexto.

O que parece um ponto muito forte de Junho de 2013 é que o medo, em geral, é sentido pelas pessoas comuns (por conta de sua vulnerabilidade permanente, em vários sentidos), mas nesse acontecimento de Junho de 2013 isso muda, porque todos os poderes constituídos passam a ter medo — lembrando do livro Agora eles têm medo de nós: uma coletânea de textos sobre as revoltas populares em Mozambique (2008-2012), organizado por Luís de Brito. Com isso, os donos da Globo e da mídia, dos bancos, os políticos graúdos, os juízes, militares, os industriais e o agronegócio, ou seja, todos os poderosos sentiram medo, e isso revela, de certa forma, uma verdade da democracia, a de que o poder é da população e a população cede esse poder ao Estado, que seria o contrato social. Nesses momentos de disrupção — que são muito preciosos e cujos efeitos são duradouros —, mostra-se de quem é o verdadeiro poder que não é exercido, e naquele momento passa a ser exercido. Daí que vem a grande força desses acontecimentos.

Outro ponto forte de Junho e em geral pouco enfatizado: o número de greves estoura segundo o Dieese: de 877 em 2012 para 2050 em 2013 (maior número desde o início da contagem nos anos 1980) e também tocando setores geralmente menos propensos às greves: indústria da alimentação, segurança, limpeza urbana… Assim como os aumentos nos transportes foram revogados em mais de cem cidades, era possível reivindicar e ganhar em outros setores e pautas. As comportas se abriram, ou melhor, foram abertas. Não podemos esquecer dos “loucos dias” de Junho, quando tudo parecia fugir – e fugia – de qualquer controle: tomada do Congresso em Brasília, da ALERJ no Rio, o apoio aos protestos com vandalismo por parte dos espectadores do programa do Datena…

IHU On-Line — Quais diria que são as principais consequências políticas e sociais de Junho de 2013?

Jean Tible — Tem um paralelo interessante de Junho de 2013 com 1968, no sentido de entender 1968 como uma revolução global que se deu com distintas intensidades em vários pontos do planeta. 68 foi muito forte no México, em Senegal, em Paris, no Vietnã e na China e também se espalhou pelos Estados Unidos e chegou ao Brasil e à Argentina. Foi uma revolução global, talvez a primeira nesse sentido. As revoluções têm impactos internacionais, porém, como coletivamente dizemos em outro contexto, “Junho está sendo” e por isso as consequências ainda estão se dando, o que também dificulta a nossa leitura de tudo isso.

Mas acredito que existem alguns pontos que poderíamos destacar: primeiro, para o bem ou para o mal — depende dos atores que analisarem isso — é o fim da estabilidade que o país estava vivendo, ou seja, vivia-se um recorde de eleições presidenciais seguidas e com isso uma certa estabilidade política. Além disso, vínhamos de um momento econômico no governo Lula que conseguiu crescimento com distribuição de renda e, talvez, de riqueza. Havia ainda mecanismos de participação, embora muito limitados, mas que não deixam de ser importantes. Existia ainda uma política externa, nas palavras de [Celso] Amorim, “ativa e altiva” e uma ativação do mercado interno e micropolíticas econômicas com incentivos a vários setores não habituais (cultura, por exemplo). Portanto, o primeiro ponto parece ser o fim da estabilidade, o que trouxe oportunidades e riscos.

O segundo ponto é que novas questões, que não eram nenhum pouco inéditas, ganharam força. A própria questão do transporte, que á a ativação inicial do 13 de Junho, tem toda uma história — inclusive a proposta da tarifa zero tem uma formulação de origem no PT, na gestão da Erundina com o Lúcio Gregori. Essa questão do transporte foi um aspecto fundamental para os trabalhadores — é uma questão de classe —, mas também entram em pauta questões muito caras, por exemplo, ao movimento negro, questões que eram ignoradas em geral pela sociedade como um todo e também em boa parte pela esquerda. Desse modo, houve questões também vinculadas à violência policial, e nesse sentido as mobilizações “Cadê o Amarildo?” que foram precedidas por atos organizados na Rocinha e manifestações morro-asfalto são fundamentais. E sabemos o quanto isso assusta — lembremos da repressão violentíssima na Maré na noite do 24 de junho.

Depois vimos um protagonismo feminista muito forte: houve várias mobilizações no período posterior e que continuam. Também a marcha da maconha (puxada pelo DAR – desentorpecendo a razão) é um dos movimentos atuantes antes de Junho de 2013 que se fortaleceu e conseguiu ter uma presença periférica muito forte nos últimos anos. Também uma série de Questões LGBTQI ganharam mais força e contundência, inclusive com tentativas de captura por parte de forças como a Globo, sempre hábil e alerta.

Um terceiro ponto é que Junho de 2013 abriu um novo ciclo político. A partir daí todos os atores da sociedade brasileira são obrigados, de alguma forma, a se reposicionar — isso vale para a direita, a esquerda e o centro, para as empresas como a Globo, a Fiesp, o agronegócio, para os movimentos indígenas, o movimento negro, ou seja, todos os atores da sociedade brasileira foram interpelados por Junho de 2013 e mudaram ou tentaram levar em conta esse acontecimento. A turma da Lava Jato e seus aliados nacionais e internacionais foi um dos setores que melhor se posicionou para fazer prevalecer seus objetivos.

Podemos ver, por exemplo, a criação do Movimento Brasil Livre — MBL, que copia, inclusive a sonoridade do Movimento Passe Livre — MPL, que rouba, de alguma forma, uma sigla, uma sonoridade e certo símbolo, assim como o Vem Pra Rua, no âmbito da direita. Nesse sentido, existe uma reação que tenta corresponder a esse anseio. Na medida em que o sistema político não leva em conta o evento de Junho e a crise política que Junho aguça — a qual talvez já existisse —, ele vai aguçando essa crise e assim chegamos ao cenário de hoje, onde tem uma crise total de legitimidade das instituições políticas.

Os dois eventos recentes e trágicos que ocorreram no país — assassinato de Marielle e a perseguição política e prisão do Lula —, embora sejam acontecimentos envolvendo gerações diferentes, causas específicas e distintas, se conectam porque o recado que o país dá para a população é o seguinte: que os maus nascidos não têm lugar na política. Vemos, progressivamente, se aprofundar essa crise que já era grande, tanto que estamos nessa situação que é, inclusive, muito perigosa, porque os atores não cabem mais nas instituições e não se vê nenhuma possibilidade imediata de transformação dessas instituições.

IHU On-Line — Como você interpreta Junho de 2013 à luz do conceito de multidão de Negri?

Jean Tible — O Conceito de multidão nos ajuda a compreender uma questão que mencionei antes: o medo dos poderes constituídos. Nesse sentido, Junho é a manifestação de um poder constituinte, mas faltou fôlego para chegar a uma questão que é muito importante para Negri e Hardt, que é a criação de novas instituições. Se falava muito da nova classe média e da nova classe trabalhadora naquele momento, o que foi muito interessante, porque a “rua” encarnou essas pessoas, que estavam expressando novos desejos. Esse aspecto de Junho de 2013 é muito relevante porque, de novo, tem um paralelo com 1968 (Tlatelolco, Dakar, Berkeley, Nanterre, Córdoba), no papel dos estudantes universitários (no Brasil seu número explode nos anos anteriores, constituindo um fermento para a revolta — novas possibilidades existenciais para esses jovens trabalhadores se confrontando com um mundo que muda devagar demais).

Outros aspectos que o conceito de multidão nos coloca para pensar são as tensões, confluências e conexões entre classe e diferença. No Brasil, em outros contextos, parte da esquerda tentava opor classe e diferença e isso está muito preso no debate político nacional. O que, a meu ver, nos ajuda a pensar é o seguinte: a classe sempre foi preta, a classe sempre foi mulher, a classe sempre foi indígena. O conceito de multidão pode nos ajudar a entender justamente isto: como essas questões se colocam, ou seja, muitas vezes ficamos nos opondo a questões que estão muito mais conectadas. Inclusive, os adversários dos “de baixo” percebem isso. Se observarmos aquela famosa citação depois de 68 de Samuel Huntington e outros, segundo a qual o problema era que havia democracia e demandas sociais demais e não tinha dinheiro para isso, e a conectarmos com a declaração do deputado gaúcho da Frente Parlamentar do Agronegócio, quando ele diz que no gabinete do Gilberto Carvalho estavam aninhados tudo o que não prestava, como lésbicas, índios, gays e tudo mais, veremos que os adversários dos “de baixo” entendem essas conexões e, às vezes, a própria classe em suas diferenças, não tanto.

É interessante observar ainda que as pautas de classe em relação ao transporte, à questão da violência policial, à questão do feminismo, trans, ficaram mais fortes depois de Junho de 2013. Não por acaso essas questões estão se colocando até hoje no Brasil. A constituição da multidão envolve isso tudo.

Outro ponto de Hardt e Negri que pode nos interpelar é o que os autores discutem em Assembly, ao inverterem a apreensão habitual da esquerda na qual a tática seria tarefa dos movimentos e a estratégia do partido: agora, os movimentos indicariam a estratégia e aos partidos caberia a tática. Em Junho, a estratégia aberta pelos movimentos não encontrou a virtude tática dos partidos.

IHU On-Line — Passados cinco anos de Junho de 2013, como avalia que a esquerda recepcionou as manifestações à época e que leituras a esquerda faz das manifestações hoje, cinco anos depois?

Jean Tible — A esquerda divide-se em dois polos: quem celebra e quem detesta Junho. Claro que isso é um pouco simplista, mas nos ajuda a pensar. É interessante pensarmos a esquerda em outros dois polos: um mais institucional, hegemonizado, conduzido mais pelo PT, mas que abrange outros setores como a CUT, o MST e os movimentos feminista e negro mais vinculados ao ciclo de lutas que se inicia no fim dos anos 1970 e início dos 1980; e outro representando a esquerda mais autônoma, que inclui dezenas de organizações, sensibilidades e movimentos.

Na verdade, nenhum desses dois polos acabou, infelizmente, dando conta das aberturas de Junho. Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada).

Retomando, Belo Horizonte é uma cidade muito interessante para pensar Junho, pois essa cidade tem ocupações urbanas fortes, a Assembleia Popular Horizontal, a ocupação da Câmara dos Vereadores, praia da estação, carnaval de rua voltando e tudo mais. Essa efervescência, de alguma forma, continua e tem até um desdobramento institucional. De todos esses grupos que propuseram uma nova política e tentaram entrar nas instituições, o único que realmente produziu um processo mais contundente foi o das Muitas, que teve como consequência a eleição de duas vereadoras. Tudo isso ainda está em curso, por isso acredito que veremos nesses próximos meses e anos novas articulações da esquerda, e é esse um dos sentidos de que Junho “está sendo”.

IHU On-Line — A leitura que o PT fez acerca de Junho de 2013 à época e a reação do governo ao movimento naquele período contribuíram para aumentar a crise do partido ou a reação negativa de uma parcela da população ao partido? Quais diria que são as consequências de Junho de 2013 para o PT em particular?

Jean Tible — O PT é múltiplo e, portanto, não existe somente um PT. Nesse sentido é possível ver a posição de alguns setores e figuras do PT e ver também que a posição do partido se desdobrou ou mudou. De um lado, o ex-prefeito Fernando Haddad se opôs a Junho e viu esse movimento como a chegada dos novos bárbaros, como ouvi dele. É curioso, pois sua campanha à Prefeitura no ano anterior falava de um tempo novo. Esse tempo novo poderia se conectar com o que emergiu com mais força em Junho, mas o espírito não reconheceu o corpo encarnando nas ruas e o rejeitou. De outro lado, Dilma, como presidente, fez um gesto interessante e recebeu os manifestantes no Palácio, mas as respostas dela foram muito tímidas e insuficientes. Não se teve um entendimento mais concreto de que o milagre lulista não era mais possível no sentido de deixar todo mundo feliz, ou seja, de os de baixo conquistarem mais sem os de cima terem que pagar mais por isso — daí as insuficiências de combinar ajuste fiscal e Mais Médicos e royalties do pré-sal para educação; a disrupção exigia muito mais, outras pautas e o fortalecimento de outros sujeitos.

O caso do Lula em relação a Junho é interessante porque vejo uma mudança de posição. No início ouvi dele uma análise de que o povo tinha conquistado o pão e agora queria manteiga. Mas sobretudo a partir do momento em que o movimento pró-impeachment cresceu, ele fez uma releitura e disse que a classe média tradicional teria predominado naquelas manifestações de 2013 e que teria também o dedo da CIA, como o alertaram na época Putin e Erdogan. Essa mudança de postura do Lula tentou justificar a derrocada do governo Dilma, que era o governo do PT. Foi isso que de alguma forma disse Gilberto Carvalho, num ato falho, que havia uma ingratidão por conta de todas as conquistas sociais que o governo do PT tinha possibilitado.

Mas havia e há um conflito geracional aí, porque uma nova geração de militância e ativismo surgiu com mais força e ela não era contra o PT, mas o PT não levou a sério o que aconteceu e nem buscou se transformar. O próprio Lula disse reiteradamente, de Junho de 2013 até a pauta do impedimento ficar forte, que o PT tinha que mudar, mas ao mesmo tempo o PT não foi capaz de mudar e nem Lula de impulsionar essa transformação.

Tem outro capítulo nesta questão, que é importante citar: trata-se da questão da repressão. Embora os casos de repressão sejam uma questão sobretudo estadual, o governo federal teve um papel nisso tudo quando, no bojo das manifestações contra a Copa ou mesmo em 2013, a Força Nacional de Segurança foi oferecida aos estados. Essas são ações absurdas por parte de um partido de esquerda. Eu estava muito preocupado com a repressão antes da Copa e, estando em Brasília, solicitei uma conversa no Ministério da Justiça para entender por que o governo estava agindo daquela forma, não se opondo claramente às várias táticas repressivas estaduais que estavam se manifestando: qual não foi minha surpresa quando o alto funcionário foi ainda mais crítico do que eu em relação à atuação do ministro nesse tema — uma máquina repressiva estava se fortalecendo. O que se reforçou com a lei antiterrorismo. Não brecar essa máquina foi um tremendo erro.

Sabemos que o Brasil fica nas primeiras posições nos dados de assassinato de militantes, numa certa política de assassinatos seletivos de pessoas fundamentais para termos um país mais digno (sobretudo nas questões ligadas à Terra, povos indígenas e grupos mais vulneráveis). Sabemos também da repressão permanente que sofrem os que se levantam, secundaristas e outros. Desmontar essa máquina repressiva deveria ser uma tarefa fundamental de qualquer governo que busque transformações. Isso se articula com o fundamental direito de se manifestar — recordo aqui da não resposta de Dilma quando o MPL pautou na reunião no Palácio do Planalto a questão da regulamentação das armas menos letais: silêncio.

IHU On-Line — Como avalia que, à esquerda e à direita, partidos, movimentos e possíveis candidatos à presidência têm lidado com a insatisfação política de Junho ao longo desses cinco anos?

Jean Tible — Alguns sentidos de Junho que se destacam: a questão da participação contra a representação, a questão da corrupção, uma rebelião contra o inadequado uso do dinheiro público, especialmente por conta dos gastos feitos para a Copa, a questão da violência policial e a pauta de uma nova subjetividade indígena, negra, feminista, LGBTQI. É por esse prisma que podemos olhar para os candidatos e ver como a política institucional tem tentado responder a isso.

Nesse cenário temos na extrema direita e na direita duas candidaturas que dialogam com essas questões: de um lado, Álvaro Dias, que é um fruto desse sistema político brasileiro mas está com um discurso antissistêmico e, de outro, Bolsonaro, que representa muito o anti-Junho (basta ver a escolha que Bolsonaro fez ao nomear o ultraliberal Paulo Guedes como seu chefe de programa de governo — dificilmente uma pauta será tão antipopular, de fazer os de baixo pagarem a crise, aliada à mano dura), embora ele tenha aproveitado o ciclo político aberto em Junho.

No centro tem a Marina, que tem um certo diálogo com Junho, embora suas opções recentes a colocam como aliada dos poderes conservadores (opções de política econômica, abandono da ecologia dos pobres, posições concretas no segundo turno da eleição presidencial passada, no processo do impedimento e na intervenção militar no Rio).

No amplo bloco da esquerda existe a candidatura, de um lado, do Lula, que como disse antes, mudou sua perspectiva sobre o que aconteceu em Junho e, de outro lado, a candidatura de Ciro Gomes, que dialoga muito pouco com Junho — ela é pré-Junho. A Manuela é uma candidata que tem diálogo com as pautas feministas e LGBT: teria sido ela candidata pelo PCdoB antes de Junho?

Dos nomes postos, talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha da Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado.

IHU On-Line — Que balanço faz da greve dos caminhoneiros que aconteceu recentemente no Brasil? É possível estabelecer alguma relação entre essa greve e as manifestações de Junho de 2013?

Jean Tible — O polo que existe entre uma esquerda anti-Junho e uma pró-Junho também se manifestou, de algum modo, na greve dos caminhoneiros. A pauta dos setores de baixo da sociedade brasileira foi sendo interpretada como locaute, mas quem conhece esse setor mostrou que não se tratava disso, mas de uma demanda derivada das aplicações das políticas ultraliberais do governo, sem a mínima sensibilidade social. Foi essa política que causou esse efeito de prejudicar a população, seja no aumento do gás de cozinha ou dos combustíveis.

Isso indica um debate sobre o capitalismo contemporâneo e as revoluções. Curzio Malaparte conta que na noite da insurreição em outubro de 1917, Trotsky estava tranquilo, porque a revolução já tinha ocorrido, porque toda a infraestrutura (energia, comunicações, transportes) já tinha sido tomada pelos bolcheviques. A tomada do palácio de inverno teria sido, nessa perspectiva, mais uma performance de tomada do poder que já havia ocorrido.

Para entender o capitalismo contemporâneo, muitos como Negri e Sandro Mezzadra ou o comitê invisível, insistem que a logística é fundamental, o bloqueio é muito importante e, nesse sentido, os caminhoneiros mostraram como alguns setores são capazes de bloquear o sistema. Isso é um elemento muito interessante.

Mas retomando, é curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação.

Junho mostrou uma série de caminhos e abriu espaço para novas práticas e alianças políticas. Vimos, depois de Junho, as manifestações dos garis, as conexões entre jovens e professores no Rio de Janeiro, e uma série de lutas que se reforçaram, como os secundaristas que ocuparam escolas no Brasil. Foram alianças surpreendentes, não habituais, de auto-organização, de autogestão; as pessoas tomaram o controle das suas próprias vidas. Isso é inspirador para lutarmos e transformarmos. Vejam a peça Quando Quebra Queima da ColetivA Ocupação, dirigida por Martha Kiss Perrone, na Casa do Povo e no Teatro Oficina e sintam Junho vivo e pulsando.

Existe um potencial importante para essas lutas num encontro entre um ciclo de lutas que surgiu nos anos 1970 e 1980 e esse de Junho de 2013. Se os movimentos e organizações desses ciclos anteriores conseguissem se renovar, ajudariam bastante essa nova geração que surge com força, mas também com fragilidades; poderia haver um bom encontro entre eles para enfrentar a extrema direita, assanhada no Brasil e no mundo.

As manifestações de 68 foram derrotadas por um lado, mas, por outro, também foram vitoriosas em uma série de questões, como no surgimento da nova subjetividade e das novas políticas que ganharam força a partir daquele período. Do mesmo modo, embora o ímpeto de Junho tenha sido em parte derrotado, a partida segue em curso. As revoltas têm essa característica: elas vão maturando, vão sendo reconvocadas e com isso surge um mapa e uma cartografia de um outro Brasil. Junho indica essa desobediência imprescindível para a criatividade política. A desobediência é fundamental para buscar e encontrar novos caminhos.]

IHU On-Line

Estratégia pune o PT mais uma vez

Abogado
Advogado argentino que supostamente ia entregar um terço abençoado pelo papa a Lula – http://www.jb.com.br

Essa história de o papa Francisco ter enviado um  terço para Lula a Curitiba foi, desde o começo, uma história mal contada e que acabou como (mais um) um enorme vexame do Partido dos Trabalhadores, pego este na mentira.

O interlocutor, um advogado argentino, de pronto já não inspirava a menor confiança, mas não se pode culpar a sua nacionalidade, como fez a Vera Magalhães, da Jovem Pan, pela falseta.

Dificilmente o Vaticano correria o risco de confrontar as leis brasileiras embarcando nessa história irreal de que Lula é um “preso político”.

Se assim fizesse, o Vaticano correria sério risco de desgastar ainda mais o já combalido catolicismo e se chocaria com o Estado brasileiro.

Por que iria o Vaticano iniciar uma guerrinha  com o Estado brasileiro? Com que propósito?

Nas muitas diversas vezes em que dirigi redações de jornais e de agências de notícias sempre defendi que nós jornalistas não poderíamos ser ingênuos e deveríamos ser bastante bem informados, bem acima da média do população, para não cairmos nas armadilhas que a informação e as notícias nos preparam.

Sei, obviamente, que a massa de fanáticos petistas foi estimulada pelos  veículos de informação do PT, alguns deles com ares de independência, o que, obviamente, não é o caso.

A ideia era uma só: pegar um aventureiro qualquer,  que se dispusesse a praticar a armação, e, assim, difundir ao máximo a historieta  junto à massa fanática de petistas, que não se vexaria a dar amplitude à mentira, até porque esse tipo de gente, dogmática, acredita nas coisas mais bizarras e estranhas que saem “das bocas petistas”,  não se importando, nem um pouco, em checar a origem da informação.

Mas ocorre que mesmo nesses casos, a mídia petista deveria ter um mínimo de responsabilidade para não alimentar esse tipo de farsa (fake, factóide), até porque esse tipo de mentira é facilmente desmascarada, o que apenas contribui para a desmoralização do PT.

Costumo repetir em várias de minha postagem que “o PT já foi melhor do que isso”.

Mas também entendo (embora isso não se justifique) que a ideia do PT é salvar a “honra” de Luiz Inácio Lula da Silva e atacar (demonizar) a do juiz Sérgio Moro.

Ocorre, no entanto, ser fácil perceber quem está goleando quem nessa guerra bizarra e sem sentido.

Márcio Tadeu dos Santos

“A autodestruição da esquerda contaminada pelo lulismo”

LulaCah
Exame

[Influenciados pelas artimanhas do lulismo, vários segmentos da esquerda perderam, nos últimos anos, a própria capacidade de leitura crítica da realidade, abriram mão da independência política e embarcaram em processo suicida cada vez mais distanciado das classes trabalhadoras, do povo, da sociedade e do potencial de militância de esquerda latente na juventude brasileira, escreve Hamilton Octavio de Souza, jornalista, em artigo publicado por Correio da Cidadania, 15-05-2018.

Eis o artigo.

Influenciados pelas artimanhas do lulismo, vários segmentos da esquerda perderam, nos últimos anos, a própria capacidade de leitura crítica da realidade, abriram mão da independência política e embarcaram em processo suicida cada vez mais distanciado das classes trabalhadoras, do povo, da sociedade e do potencial de militância de esquerda latente na juventude brasileira. O mergulho equivocado no discurso fantasioso da direção petista fragilizou projetos autônomos e diferenciados de afirmação da esquerda partidária e social e conduziu boa parte desse campo político-ideológico a uma situação de subordinação cega a agrupamento que beira o messianismo. Como é possível que parcela da esquerda tenha perdido o fio condutor da racionalidade e da história?

Sem desprezar o mérito de análises mais amplas e detalhadas da conjuntura econômica mundial, da crise do modelo neoliberal e das inúmeras mutações do capitalismo no jogo internacional, que está a exigir, permanentemente, apuradas e eficientes estratégias na luta de classes, interessa concentrar a presente avaliação nos marcos da luta política no interior do Estado-Nação, aos acontecimentos locais que estão mudando a face do Brasil no decorrer desse início de século 21, entre os quais importa destacar:

1 – A eleição de Lula em 2002 com empresário de vice e a Carta ao Povo Brasileiro

Após ser derrotado em três disputas eleitorais para a presidência da República (1989, 94 e 98), Lula enfrentou a campanha de 2002 com várias mudanças significativas, desde a aliança com partidos tradicionais da direita, a inclusão de grande empresário mineiro (José Alencar) na chapa, o discurso do “Lulinha Paz e Amor” para agradar as classes médias, o apoio de oligarquias do Nordeste e de parcela da elite industrial paulista e, claro, a surpreendente Carta ao Povo Brasileiro, elaborada com aval da Odebrecht, família Marinho e banqueiros, selando o compromisso do lulismo com o modelo neoliberal e o jogo do mercado.

Era tudo o que os bancos e setores rentistas queriam. Evidentemente, o Lula de 2002 não tinha mais nada a ver com o Lula de 1989, o lulismo já tinha o controle quase absoluto do partido e várias correntes e militantes de esquerda já haviam sido empurrados para fora do PT. É o caso dos petistas que constituíram o PSTU, o PCO e outras organizações.

Dilema: O papel da esquerda era ganhar a eleição a qualquer preço ou continuar defendendo suas propostas até conquistar a população e acumular forças para realizar mudanças estruturais no país?

2 – O escandaloso esquema do “mensalão” com compra de votos no Congresso Nacional

O primeiro governo Lula, considerado “em disputa” por vários analistas no campo da esquerda, rapidamente trilhou o caminho do oportunismo e do fisiologismo: decidiu fazer reforma da previdência contra os interesses dos trabalhadores, o que provocou a expulsão de parlamentares fiéis ao programa partidário, os quais caminharam para a construção do PSOL; abandonou a proposta original do programa Fome Zero, que previa a adoção de reformas estruturais, para lançar o programa Bolsa Família, tipicamente assistencialista e que até hoje não livrou importante parcela da população da reiterada exclusão econômica e social; descartou o projeto de reforma agrária coordenado por Plínio de Arruda Sampaio, que previa o assentamento de 1 milhão de famílias e mudanças profundas na estrutura fundiária do país, para aderir ao projeto do agronegócio, que gera violência no campo, concentra a terra e é profundamente danoso ao meio ambiente. Vale lembrar que o número de assentamentos no governo Lula ficou abaixo ao que foi realizado no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso e que o MST manteve a combatividade durante a maior parte do governo Lula e foi tratado friamente como movimento de oposição.

Além disso, o lulismo enfiou-se na lama com desvios de recursos públicos e captação de propinas para comprar parlamentares no Congresso Nacional, notadamente do PTB de Roberto Jefferson, do PP de Paulo Maluf e do PR de Waldemar Costa Neto, entre outros. O escândalo do “mensalão” abalou o governo Lula, que jogou toda a encrenca nas costas de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Embora seja difícil de acreditar que o “dono” do partido e presidente da República não tivesse conhecimento do esquema, o fato é que setores da burguesia, da grande imprensa, da indústria e do sistema financeiro decidiram preservar Lula como a solução “menos pior” naquele momento, o que o deixou o lulismo mais enredado com os grupos econômicos e políticos tradicionais. Ganhou a eleição de 2006 com arco mais amplo de alianças à direita.

Dilema: O papel da esquerda era insistir no projeto de conciliação proposto pelo lulismo ou construir oposição séria e firme ao neoliberalismo, às velhas oligarquias e ao conservadorismo de direita?

3 – O sucesso popular das medidas sociais efêmeras do governo petista

O governo Lula aproveitou a maré econômica favorável com crescimento puxado pela China, expansão do mercado internacional de commodities e razoável equilíbrio fiscal para adotar medidas de grande significado popular, como o reajuste do salário mínimo acima da inflação e a massificação do programa Bolsa Família, que foram responsáveis pelo aumento do poder aquisitivo na base da pirâmide social e grande expansão do consumo, também estimulado por crédito farto oferecido por agentes financeiros públicos e privados a juros extorsivos.

Os investimentos em obras de infraestrutura, repasses de recursos públicos para os sistemas de saúde e de educação privados (ProUni e FIES nas universidades particulares), isenções fiscais e desonerações de vários setores industriais – foram medidas que contribuíram transitoriamente para diminuir a miséria, a desnutrição e também criar expectativa favorável ao início de nova era de bem-estar no país. Lula surfou na onda do “ganha-ganha” (ganham os pobres e ganham os ricos), quando boa parte da sociedade embarcou na ilusão de um mundo sem perdas, com superação dos conflitos sociais, a domesticação dos sindicatos e o isolamento de movimentos populares mais combativos.

Lula terminou o segundo mandato com índice de aprovação de 83%, elegeu seu “poste” Dilma Rousseff em 2010, impôs o vice Michel Temer (MDB) na chapa presidencial e deixou o governo fortalecido por amplo leque de partidos tradicionais, fisiológicos e de direita, desde o PP de Maluf, o PRB da Igreja Universal, o MDB de José Sarney, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Sérgio Cabral, e mais uma dúzia de legendas de aluguel. Vale lembrar que o esquema de propinas via diretorias da Petrobras já estava funcionando a todo vapor, abastecendo políticos e os caixas de pelo menos três partidos: PP, MDB e PT.

Dilema: O papel da esquerda era silenciar e ficar conivente com a euforia temporária de inclusão sem consistência ou adotar postura crítica contra a ilusória redução das desigualdades?

4 – A gestão Dilma Rousseff e a explosão de insatisfação geral de junho de 2013

O sonho de um Brasil próspero, de bem-estar generalizado com renda alta, empregabilidade e paz social, acabou nos primeiros anos do governo Dilma. Primeiro porque a economia mundial patinou na estagnação ainda decorrente da crise de 2008, a China reduziu o ritmo de crescimento e as commodities nacionais perderam espaço no mercado global. Os capitais trataram de buscar portos mais seguros. Segundo porque, de um lado a política de “desonerações” desencadeou enorme queda da arrecadação federal, nos estados e municípios, com aumento da desordem fiscal, inadimplência e quebradeira; e, de outro lado, porque o caixa do BNDES, que durante anos foi usado para alavancar alguns poucos e seletos grupos privados (entre os quais as chamadas “empresas campeãs” da JBS e de Eike Batista), perdeu a capacidade de fomentar a economia via Estado, depois de ter queimado investimentos em projetos questionáveis para o desenvolvimento nacional, como o financiamento da compra de frigoríficos nos Estados Unidos (JBS), obras de estradas, portos e aeroportos em países da América Latina e da África (Odebrecht, OAS, Camargo Correa etc.), os quais não renderam empregos no Brasil e ainda estão com dívidas junto ao BNDES e ao tesouro nacional.

Foi quando começou o tiroteio generalizado para ver quem iria pagar pela crise. Só mesmo o séquito de Brasília não percebeu as consequências negativas de tais políticas governamentais para a queda do padrão de vida das pessoas e o aumento acelerado do descontentamento. No final de 2012 e início de 2013 já se percebia, nos grandes centros urbanos do país, os primeiros ensaios das grandes manifestações que ocorreram em junho de 2013 – quando, ficou claro e patente, que a política de conciliação promovida pelo lulismo estava com os dias contados, que a explosão de insatisfação revogava o monopólio do PT sobre as manifestações de rua e, mais do que isso, que o modelo adotado pelo lulismo gerou enorme frustração não apenas nas classes médias, mas também na juventude, no operariado e em segmentos populares.

Vale lembrar que nesse período, de 2011 a 2013, o ex-presidente estava empenhado em viagens pela América Latina e países da África, nos jatinhos da Odebrecht e Camargo Corrêa (os registros da Infraero, depoimentos de pilotos das aeronaves e de diretores das empreiteiras podem atestar todos os voos e destinos), fazendo lobby para obras financiadas pelo BNDES, enquanto recebia vultosas doações para o Instituto Lula e pagamentos para a empresa de palestras LILS, além de curtir merecido descanso no sítio de Atibaia.

Sobre a efervescência política e o quadro de crise, o governo Dilma tratou de enrolar o país com promessas evasivas e medidas jamais colocadas em prática, entre as quais a realização de suposto plebiscito para a reforma política. O PT, através de seus movimentos sociais, conseguiu conter parte da rebeldia. A esquerda não soube dar direção ao movimento das ruas, a grande imprensa criminalizou/fantasiou os Black Blocs e o governo Dilma retomou a frágil governabilidade com inúmeras concessões – ao empresariado (mais isenções fiscais), aos banqueiros (elevação dos juros), ao agronegócio (anistia e refinanciamento de dívidas) e aos políticos (benesses nas emendas de deputados e senadores) – até as eleições de 2014.

O lulismo tratou de caracterizar as manifestações de 2013 como “coisa da direita”, estimulada pela grande mídia e pelo “imperialismo”. É o que Lula afirma até hoje sobre as jornadas de 2013.

Dilema: O papel da esquerda era desconsiderar o grau de insatisfação da população, inclusive das classes médias, ou aprofundar a crítica ao lulismo e ao governo Dilma com ampliação e organização dos trabalhadores e dos movimentos sociais?

5 – A fraude eleitoral de 2014 e a rendição ao ajuste neoliberal

A eleição de 2014 foi, provavelmente, a mais suja do período pós-ditadura militar. Não só pela quantidade de dinheiro colocada nas campanhas dos principais candidatos, mas pelo baixo nível dos ataques pessoais nas redes sociais, a montagem de agências de mentiras e intrigas e a ausência de debate sobre os reais problemas do país. O que vigorou foi um jogo sórdido de armações sem precedentes. Os eleitores foram enganados em todos os sentidos, tanto no discurso da situação (Dilma negava qualquer problema econômico e social) como no discurso da oposição (Aécio negava qualquer medida restritiva contra projetos sociais). As campanhas mais honestas de Marina Silva, então no PSB, e de Luciana Genro, do PSOL, não chegaram ao segundo turno. Dilma foi eleita com apoio de apenas 38% do eleitorado, a maioria ficou na oposição, no voto em branco, no voto nulo e na abstenção.

A fraude foi consumada nas primeiras semanas após o segundo turno, quando a presidente reeleita interferiu no câmbio, aprovou os cortes de benefícios sociais e colocou no Ministério da Fazenda o vice-diretor do Bradesco, Joaquim Levy, conhecido economista neoliberal e defensor de medidas ortodoxas de austeridade. Ou seja, Dilma ganhou com discurso contrário ao de Aécio, mas logo depois das eleições assumiu o programa de Aécio, fortemente bombardeado pela esquerda no processo eleitoral. Em pouco tempo, no final de 2014 e primeiros meses de 2015, a base de sustentação de Dilma (38% do eleitorado) ficou reduzida a pó.

A situação dela se complicou ainda mais porque tentou assumir o controle da Câmara dos Deputados com candidato do PT contra a articulação do MDB, que tinha maior número de parlamentares e amplo apoio no leque partidário mais conservador, o qual, diga-se de passagem, foi eleito em aliança com o PT e com recursos financeiros captados ilicitamente nos governos do PT.

Vale lembrar que no processo eleitoral o PT deu muita força à Rede Record, da Igreja Universal, e a vários grupos evangélicos extremamente conservadores, como contraponto às correntes influenciadas pela Teologia da Libertação mais críticas e identificadas com os movimentos sociais e partidos de esquerda. Ou seja, o lulismo construiu a sua própria forca na traição aos eleitores, com a mudança radical de programa econômico e no racha com a articulação do aliado Eduardo Cunha, do MDB. Mais uma vez, vale lembrar, foi Lula quem impôs o nome de Michel Temer para compor a chapa com Dilma.

Todos eles, na comemoração eleitoral de 2014, estavam felizes com a continuidade de um esquema bem sucedido desde os idos do “mensalão”. Vale lembrar, também, que o bispo Edir Macedo foi o único “capo” da grande mídia a comparecer ao beija-mão de Dilma no dia 1º de janeiro de 2015. Parece fácil e cômodo dizer que as manifestações pelo impeachment eram coisa de “coxinhas” da classe média, da direita, fomentada pela TV Globo, pela FIESP e pelo imperialismo dos Estados Unidos.

Pode ter tudo isso mesmo, mas bem antes disso algo já estava errado não no campo conservador e de direita, mas especialmente na conduta política e ética do lulismo e no fracasso das políticas sociais precárias, no fim do projeto de conciliação e na incompetência política e econômica dos governos Dilma. Não é por acaso que em tais governos tenham crescido a direita e o conservadorismo, e que nesses governos tiveram destaques figuras como José Sarney, Edison Lobão, Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima etc.

Dilema: O papel da esquerda era incorporar o discurso vitimista do lulismo contra o racha da aliança PT-PMDB ou denunciar o caráter fisiológico e conservador da aliança que governou o Brasil durante 13 anos?

6 – O avanço da Lava Jato e o novo protagonismo da Polícia Federal, do Ministério Público, do Judiciário e do Supremo Tribunal Federal

Em meio ao desgaste e esgotamento do projeto de poder do lulismo, ganha protagonismo, em meados de 2014, as investigações da força-tarefa da Lava Jato, que, a partir de esquemas de sonegação e evasão de divisas, operados por doleiros, desvenda o esquema de propinas e superfaturamento de obras e serviços na Petrobras, onde três diretorias atuavam na captação de recursos ilícitos para políticos do PP, MDB e PT.

Dessa vez, ao contrário do que tinha ocorrido em operações anteriores em casos escabrosos de corrupção (Banestado – 2003; Satiagraha – 2008; Castelo de Areia – 2009), a nova força-tarefa (integrada pela Polícia Federal, Ministério Público Federal, Judiciário Federal, Receita Federal) teve o cuidado de dar cada passo nos limites dos novos recursos legais disponíveis e com ampla exposição na mídia, de maneira a evitar que tais ações fossem invalidadas ou arquivadas nas instâncias superiores.

O grande avanço em relação às operações anteriores é que uma lei de 2013, sancionada pela presidente Dilma, possibilitou a utilização de colaborações (delações) premiadas como forma de negociar benefícios aos criminosos confessos que revelassem os crimes de outros participantes nos esquemas de corrupção. Com tais instrumentos legais, a Operação Lava Jato conseguiu condenar mais de 100 envolvidos nos desvios de recursos públicos da Petrobras, entre os quais grandes empresários, lobistas, doleiros, altos funcionários e políticos de vários partidos.

O lulismo tratou de espalhar a versão de perseguição política ao governo Dilma e ao PT. Mais adiante ampliou a versão de perseguição ao Lula, tornado candidato do PT, e aos políticos em geral. Mas, na verdade, o maior número de condenados pela Lava Jato não é de políticos e, entre os políticos, o maior número de envolvidos nos processos não é do PT. O PT e Lula jamais deram respostas minimamente convincentes aos crimes denunciados. Trataram apenas de se colocarem como vítimas, ora da Polícia Federal, ora do Ministério Público, ora do juiz Sérgio Moro, ora do TRF-4, ora do STF, ora do “Partido da Justiça”, como se o desvio de recursos da Petrobras não tivesse tirado bilhões de reais do povo brasileiro, não tivesse sustentado campanhas milionárias de coligações partidárias e não tivesse abastecido os bolsos de inúmeras pessoas, inclusive de políticos do PT. Que a direita pratique corrupção é a praxe no Brasil, mas que o PT tenha se envolvido foi algo muito mais danoso ao processo político, na medida em que frustrou a esperança de milhões de trabalhadores e destruiu a credibilidade pública de vários segmentos da esquerda.

A Lava Jato, queiramos ou não, mudou o olhar de boa parte da sociedade brasileira sobre o modo de fazer política e as relações do capital privado com o Estado. A esquerda não pode desconhecer algo tão concreto apontado por pesquisa recente do Datafolha, de abril de 2018, na qual 84% dos entrevistados aprovam a continuidade da Lava Jato no combate à corrupção. O que fazer?

Dilema: O papel da esquerda é passar por vítima da Lava Jato, ignorar os desvios do lulismo, ou mobilizar e conscientizar os trabalhadores contra a corrupção dos empresários, banqueiros, latifundiários e das velhas oligarquias da política?

7 – A derrocada da conciliação lulista e da precária estabilidade econômica e política

Em 2015, com as grandes manifestações contra o governo Dilma, com foco no impeachment da presidente reeleita, o PT conseguiu arrastar alguns setores da esquerda (partidos, movimentos sociais, entidades de classe etc.) na defesa do seu projeto contra o ataque de instituições da República e do conservadorismo de direita. No final do ano o lulismo sentiu o estrago provocado por seus próprios erros, em especial sobre a aliança com o MDB de Eduardo Cunha e de Michel Temer. O primeiro porque comandou o processo de impeachment na Câmara dos Deputados e o segundo porque traiu a coligação, a presidente Dilma, o PT e principalmente o lulismo, que havia colocado Michel Temer na linha da sucessão presidencial.

Ao sentir a barra pesada, o desastre acelerado em 2016 e 2017, o lulismo criou nova história para a sua própria trajetória:

1º) diante das investigações da Lava Jato sobre o ex-presidente, com vários processos em Curitiba, Brasília e São Paulo, adotou a figura do pré-candidato presidencial para fazer caravanas pelo Brasil e tentar blindá-lo de condenações por corrupção;

2º) diante do impeachment, apelou para partidos e movimentos de esquerda, que há muito tempo não tinham relações com o lulismo, em busca de unidade emergencial sob a alegação de que todos estavam ameaçados pelos “golpistas” e “fascistas”;

3º) diante da iminência de Lula se tornar inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa, e da própria prisão do ex-presidente, o lulismo tratou de sensibilizar a sua militância e outros setores da sociedade com foco nas eleições (Eleição sem Lula é fraude), na democracia (Direito de Lula ser candidato) e na liberdade (Lula livre), de maneira que os erros do lulismo, o fracassado governo Dilma, os escândalos da Petrobras, os processos e condenações por corrupção, caíssem rapidamente no esquecimento da população.

Com um batalhão de advogados e fortíssimo esquema de comunicação nas redes sociais, o lulismo tratou de atacar as ações e os personagens da Lava Jato, a grande imprensa, os integrantes das instituições do Estado (desde juízes e procuradores até ministros do STF) e ao mesmo tempo realizar atos e manifestações pelo país afora, principalmente com massas mobilizadas pelo MST e MTST. Tais ações visam principalmente desqualificar todas as forças políticas que se opõem ao lulismo, ao PT e às manobras de impunidade pelos crimes de corrupção; tratam de rotular e estigmatizar todo mundo como sendo “golpista” e “fascista”. Não é só a direita que critica o lulismo e o PT, mas também os liberais, os socialdemocratas, os anarquistas, os autonomistas, pessoas sem definição político-ideológica e muita gente da esquerda socialista e comunista.

Ao mesmo tempo em que consegue sensibilizar com discursos cada vez mais emocionais e messiânicos, o lulismo também estimula forte oposição ao PT e a seus novos e velhos aliados, contribui para a radicalização das posições e embaralha um processo eleitoral que poderia (poderia?) ter conteúdo renovador e promissor para a esquerda se não fosse a figura emblemática de Lula, que está preso, condenado, inelegível, mas ainda assim interfere no processo eleitoral não para liderar um projeto de Nação, mas para tentar salvar a própria pele; não para superar todo o estrago feito por seu aliado Michel Temer, mas para restaurar a velha ordem de alianças com as oligarquias políticas que participaram dos governos Lula e Dilma.

O que o lulismo propõe que não seja restabelecer a “harmoniosa conciliação” de antes da Lava Jato e da traição de Cunha e Temer?

Dilema: O papel da esquerda é reforçar o lulismo como salvação do Brasil ou retomar o debate de luta anticapitalista e de sociedade justa, igualitária, livre e democrática?

8 – A fase mística do lulismo aprisiona a esquerda no processo eleitoral de 2018

Depois do fracassado projeto de conciliação de classes, da explosão de insatisfação da população, do impeachment de Dilma, do envolvimento da cúpula do lulismo – junto com seus aliados da direita – nas bandalheiras da Petrobras, BNDES, CEF, fundos de pensão etc., era de se esperar que o PT fizesse um processo de autocrítica, avaliasse seus erros e desvios e promovesse uma renovação geral de seu programa e de seus quadros dirigentes. Nada disso foi feito. Ao contrário, subordinado ao lulismo, o PT insiste que foi vítima de golpe, é vítima de perseguição, é vítima do fascismo – e se contrapõe a tudo isso com o martírio em praça pública de sua maior liderança, que não seria mais um ser humano, mas um mito no patamar de Tiradentes, Mandela, Gandhi,  Luther King e Jesus Cristo.

A derradeira exortação de messianismo ativa o emocional das massas, clama pelo fanatismo, abandona em definitivo qualquer expectativa de projeto político construído coletivamente com a elevação das consciências, análise crítica e dialética, baseada na correlação de forças e na conjuntura; mas, ao contrário, o discurso do lulismo se atém na profissão de fé contra todas as evidências da realidade. Como tal fanfarronice mesclada na mística religiosa e dosada pelo egocentrismo pode contribuir para a caminhada da esquerda? O que pretende? Que a salvação virá pelo sacrifício humano transposto à condição divina? O que sobra de reflexão e de proposta política a esses setores da esquerda que ficaram atolados nos escombros do lulismo? Como sair da arapuca para retomar ao Projeto de Nação? Com quais princípios e valores a esquerda se apresenta para a sociedade brasileira?

A essa altura dos acontecimentos, com todas as informações disponíveis, parece sem sentido que algum cidadão ou cidadã ainda consiga aceitar que o ex-presidente Lula e seu grupo dentro do PT não tenham responsabilidades sobre os inúmeros erros políticos e gravíssimos desvios éticos praticados pelo lulismo. Querer inverter os fatos e esconder a verdade é manobra que atenta contra a inteligência dos brasileiros.

Ninguém com alguma dose de sensatez, conhecimento e consciência aceita mais o cinismo desenfreado e egocêntrico do lulismo, que jogou o PT numa arapuca desastrosa (vide eleições de 2016), tenta imobilizar o jogo político-eleitoral de 2018 e ainda quer arrastar toda a esquerda – movimentos sociais e partidos – para a marcha delirante da autodestruição. O que sobrará além da ladainha dos beatos?

Dilema: o papel da esquerda é fazer coro ao lulismo durante o processo eleitoral ou disputar as eleições com propostas próprias e independentes, expondo visão crítica sobre o lulismo e a direita?

9 – O que não dá para esquecer sobre a trajetória do lulismo

O lulismo entregou para a direita, seguidamente, várias bandeiras que já foram empunhadas pela esquerda, entre as quais a bandeira da ética na política, a bandeira do combate à corrupção e a bandeira da luta contra a impunidade – em particular a impunidade aos ricos e poderosos praticantes dos crimes do colarinho branco, como a sonegação fiscal, evasão de divisas, desvio do dinheiro público e as várias formas da corrupção. E como o lulismo deixou de atuar nessas questões, transferiu para o conjunto da esquerda a visão equivocada de que lutar por ética, contra a corrupção e a impunidade é coisa da direita, de “coxinhas” e da elite. Por isso mesmo tanta gente comprometida politicamente com a esquerda não se manifesta contra as bandalheiras comprovadamente praticadas pelo lulismo. Temem ser chamados de “golpistas”.

A verdade é que o lulismo em nada contribui para o avanço da esquerda. Ao contrário, só atrapalha. A esquerda patina há muitos anos por obra da contaminação do lulismo, que empata a luta, impede o livre debate e anula o surgimento de novos protagonistas e novas lideranças. Não se trata de uma questão de fé, mas de racionalidade e consciência das pessoas. Em entrevista recente para a Folha de S. Paulo, em 02.05.2018, o pensador de esquerda Noam Chomsky voltou a lembrar o que nos incomoda há vários anos. Disse ele: “a esquerda deveria fazer uma autocrítica, pensar nas oportunidades que foram desperdiçadas porque sucumbiu à corrupção”.

Enquanto isso não acontece, vale recordar o que não pode ser esquecido sobre o lulismo:

1) Desde a campanha eleitoral de 2002, e nas disputas municipais e estaduais, o lulismo sempre optou em alianças com a direita e pelo isolamento da esquerda.

2) O lulismo combateu e expulsou as correntes de esquerda do PT, além de ter atuado para enfraquecer os movimentos sociais e o sindicalismo combativo em seus governos.

3) Os governos Lula e Dilma abandonaram os programas de reforma agrária e fortaleceram muito mais o agronegócio do que a agricultura familiar.

4) Os governos Lula e Dilma não demarcaram as reservas dos povos indígenas e deixaram de regularizar milhares de áreas dos quilombolas.

5) Os governos Lula e Dilma aprovaram inúmeras obras altamente danosas ao meio ambiente, inclusive as usinas de Belo Monte e no rio Madeira.

6) Os governos Lula e Dilma mantiveram as taxas de juros sempre acima de 7,5% e cortaram verbas sociais para pagamento da dívida pública aos banqueiros e rentistas.

7) Os governos Lula e Dilma promoveram ampla “desoneração” (isenção de impostos) dos grandes grupos empresariais com enorme desfalque aos cofres públicos.

8) Os governos Lula e Dilma fizeram reforma da previdência danosa aos trabalhadores e cortaram benefícios sociais (auxílio saúde, salário desemprego etc.) dos mais pobres.

9) Os governos Lula e Dilma não reajustaram no mesmo nível da inflação as faixas de pagamento do imposto de renda, o que retirou recursos dos trabalhadores e dos assalariados em geral.

10) Os governos Lula e Dilma usaram bilhões de recursos públicos do BNDES para financiar obras em outros países, que favoreceram as grandes empreiteiras e deixaram de gerar empregos no Brasil.

Tudo isso é verdade.]

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IHU/Unisinos – Adital

“Que espaço sobrou para uma política dos trabalhadores na democracia moderna?”

Marx
Wikipédia

[O último sábado foi o bicentenário de Karl Marx. É uma oportunidade para discutir a relação do pensamento de Marx com o maior partido de esquerda da história do Brasil, o Partido dos Trabalhadores. [1]

Há um trabalho interessantíssimo de história intelectual ainda a ser escrito mostrando a influência de autores marxistas heterodoxos e pós-marxistas sobre o PT. Eurocomunistas gramscianos, autonomistas adeptos das ideias do grupo francês “Socialisme ou Barbarie” (socialismo ou barbárie), admiradores dos “operaistas” italianos, todos tinham em comum características que marcaram muito a experiência petista: a preferência pelos movimentos de base, em vez das vanguardas teóricas leninistas, e a recusa do economicismo característico do marxismo ortodoxo. A crítica ao leninismo era um retorno a Marx. A crítica do economicismo era uma correção feita ao velho comuna.

O artesanato ideológico envolvido na construção de um partido tão heterogêneo foi difícil, mas produziu um resultado muito positivo: o PT não apoiou o totalitarismo soviético. Quando Gorbachev, em 1991, sofreu um golpe da velha guarda comunista, a Folha publicou, na página 3, dois artigos: o do presidente do PCdoB, João Amazonas, tinha o título “Uma Notícia Alvissareira”. Pelo lado do PT, o petista José Genoino defendia o processo de democratização e se opunha ao golpe. O PT ficou do lado certo.

Mas a independência do PT frente ao socialismo real teve ao menos duas consequências ruins.

Em primeiro lugar, desobrigou o PT de fazer a autocrítica que o PCB, por exemplo, não conseguiu evitar. Embora não apoiasse os outros regimes do socialismo real, o PT apoiava o castrismo. Eventualmente, a “exceção” que era o apoio ao regime cubano abriu as portas para o apoio ao regime chavista, a maior culpa da história do Partido dos Trabalhadores. Diferentemente de várias outras, ela é explicável exclusivamente por defeitos do próprio PT.

Em segundo lugar, as ideias marxistas heterodoxas ou pós-marxistas que influenciaram o PT tinham também seus problemas. O marxismo ortodoxo é, como se sabe, bastante economicista (e o próprio Marx gostava bastante de economia). Na reação a isso, os marxistas ocidentais produziram análises que enfatizavam a importância da política e da cultura na vida social. Grandes obras foram escritas sob essa perspectiva, mas a nova esquerda passou a ter um déficit de reflexão econômica do qual o PT até hoje se ressente.

Mas o principal interesse da história petista para a reflexão do bicentenário é outra. O PT, até mais do que os partidos de esquerda do primeiro mundo, tem que resolver, na prática, questões que estão no centro da discussão do bicentenário.

O PT, bem mais que os outros partidos de esquerda brasileiros, continua sendo o partido dos sindicatos. O que fazer com essa herança? Como organizar uma classe trabalhadora que não é mais a da indústria fordista? Que espaço para a política sobrou agora que a produção é global? Como garantir que a automação gere tempo livre e não miséria? Que espaço sobrou para uma política “dos trabalhadores” na democracia moderna?

Essa questão é especialmente importante porque, desde que as formas anteriores de política dos trabalhadores entraram em crise, a democracia moderna não anda lá muito bem. Nem a nossa nem nenhuma.]

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A esquerda pós-PT: “Chega uma hora em que a realidade precisa vencer o medo”. Entrevista especial com Rodrigo Nunes

O processo de renovação da esquerda é atravancado pela ‘renovada’ hegemonia do PT. Entrevista especial com Pablo Ortellado

10 anos de PT no governo e o desafio de uma esquerda socialista de massas. Entrevista especial com Valter Pomar

“O PT tem que fazer sua autocrítica, se explicar”. Entrevista com Olívio Dutra

O PT não é comunista

“O PT não defende a causa da esquerda. Nem a do país”. Entrevista com Ruy Fausto

Nota

[1] Este texto foi capturado da Folha de São Paulo publicado no site   IHU/Unisinos – “O PT no bicentenário de Marx,

[“O principal interesse da história petista para a reflexão do bicentenário de Marx é que o PT, até mais do que os partidos de esquerda do primeiro mundo, tem que resolver, na prática, questões que estão no centro da discussão do bicentenário. O PT, bem mais que os outros partidos de esquerda brasileiros, continua sendo o partido dos sindicatos. O que fazer com essa herança? Como organizar uma classe trabalhadora que não é mais a da indústria fordista? Que espaço para a política sobrou agora que a produção é global? Como garantir que a automação gere tempo livre e não miséria? Que espaço sobrou para uma política “dos trabalhadores” na democracia moderna?”, questiona Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 07-05-2018.]

 

Protesto contra Carmem Lúcia é inócuo e tem resultado pífio

Carmem
Cadê as mulheres daqui? (Fotos: Benildes Rodrigues)

Algumas imagens em frente ao STF, em Brasília, chamam a atenção para a ausência de mulheres. A rigor não se pode dizer que apenas elas faltaram ao protesto contra a presidente da Corte, Carmem Lúcia, porque os homens também não estavam por lá (ver aqui: http://www.viomundo.com.br/politica/em-ato-no-stf-mulheres-criticam-carmen-lucia-por-receber-temer-em-casa-fora-da-agenda-um-tapa-na-cara-do-povo-brasileiro.html.)

Nada disso impediu, no entanto, que blogs e sites petistas saudassem “o movimento” como um legítimo protesto em favor de Luís Inácio Lula da Silva.

O mais intrigante da história não é saber por que das ausências (este dilema está mais ou menos resolvido) mas quem fotografou o “protesto”.

Não se sabe, mas desconfio que foi a própria autora do “movimento”, que, não por acaso, trabalha na Câmara dos Deputados – que fica ali ao lado – assessorando o Partido dos Trabalhadores.

Posto isso, está claro que o protesto, que aparenta ter se resumido a uma só pessoa e a mando do PT, não seduziu o “público em geral”: nem mulheres, nem homens, nem crianças e muito menos idosos e idosas.

E há uma razão para isso, que não seria o corre-corre da capital federal e nem o excesso de trabalho das pessoas, mas sim porque muita gente ou desconhecia a razão do “protesto” ou, mesmo conhecendo, está de acordo com Carmem Lúcia e contrária aos interesses pessoais de Lula e partidários do PT.

O PT cometeu um erro brutal, a partir dos processos abertos contra o ex-presidente, de transformá-lo em mártir, numa espécie de Antônio Conselheiro.

O que estava em jogo (se a tese dos “excesso” da justiça pudessem prosperar e fossem consistentes) seria o interesse da nação.

O próprio Lula, no entanto, já se comparou a Cristo e a Deus (numa auto-elevação apenas vista na Roma Antiga) para tentar provar a sua inocência, que aparenta ausente, especialmente ausente de lógica, ou melhor, que não guarda nenhuma conexão com um mundo racional e coerente.

O PT argumenta, de outro lado, que a presidente Carmem Lúcia está “protelando” a análise da prisão após a segunda instância e se recusando a receber os advogados de Lula.

Ocorre que ela irá receber os advogando lulistas amanhã e o tribunal já decidiu, recentemente, que condenação em segunda instância deve ter pena cumprida sim, esgotadas todas as possibilidades de recurso.

Há até quem argumente que se concretizada a hipótese da prisão, melhor seria Lula cumpri-la em São Bernardo do Campo, onde mora, com uma tornozeleira eletrônica, mas esta é uma hipótese desnecessária, humilhante e de resultados imprevisíveis.

Estadão quer extinguir o PT mesmo que seja para eleger Bolsonaro

Bolsonaro
Reprodução

No editorial de hoje (04.08.2018.), jornal O Estado de São Paulo  – Um farol para a reconstrução – flerta descaradamente com o fascismo, o que não é necessariamente uma novidade.

Flerta usando o nome de Fernando Henrique Cardoso, dependurado na (im)possibilidade de o PSDB eleger o próximo presidente e ancorado num capitalismo provinciano, tacanho e ultrapassado, que nos tempos atuais não cabe mais.

Sem querer querendo”, como diria Chaves (Roberto Gómez Bolaños), o comediante mexicano, o que o Estadão está a alimentar, na verdade,  é a candidatura de Jair Bolsonaro, tudo a propósito de combater e exterminar o “lulopetismo”.

Veja o editorial na íntegra: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,um-farol-para-a-reconstrucao,70002212549 .

Velha Roupa Colorida (Belchior)

Atirando no próprio pé?

Intervem
Sputnik Brasil

Os partidos de esquerda – especialmente o PT e o PCdoB – estão corretos ao se oporem à intervenção do Rio de Janeiro, desde que se lhe olhe esta opção inclusivamente do ponto de vista da reação.

Afinal, são esses os partidos que mais batem na tecla do golpe contra a Dilma (impeachment) e contra Lula (prisão/ficha suja).

Olhando a história por outro prisma, a população brasileira apoia maciçamente a intervenção (83%).

Portanto, foi um enorme tiro no pé que PT e PCdoB acabaram dando?

A se conferir.

Veja também: https://afalaire.wordpress.com/2018/02/18/temer-faz-jogada-de-mestre-encurrala-o-pt-e-deixa-as-esquerdas-sem-saida/

Temer faz jogada de mestre, encurrala o PT e deixa as esquerdas sem saída

Intervem
Sputnik Brasil

Como chamou a atenção em artigo hoje – Temer colocou um abacaxi no colo da esquerda – (Vi o mundo), Ricardo Cappelli – secretário da representação do governo do Maranhão em Brasília e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes – o presidente da República encurralou as esquerdas, que, na prática, sequer têm candidato ao Palácio do Planalto, muito em conta do fator Lula da Silva e seu equivocado discurso de vitimista, o que acabou por esvaziar qualquer possibilidade de uma alternativa à esquerda, que não ele próprio.

Em leitura logo pela manhã – “Bolsonaro é favorito para vencer se disputar o segundo turno contra o PT” (El País) – “Maurício Moura, que trabalhou em campanhas nos EUA e no Brasil,  diz que velhos dogmas das eleições brasileiras, como a preponderância da TV, estão em xeque” e que “candidatos com perfil ‘indignado’, como o esquerdista Ciro Gomes e o deputado de extrema direita Jair Bolsonaro, são potencialmente competitivos numa disputa na qual Luiz Inácio Lula da Silva está virtualmente fora…”.

O PT sentiu o golpe e começa a perceber que ficou sem saída, e apenas um fator excepcional pode lhe tirar da enrascada.

Enquanto Temer intervém no Rio de Janeiro e segue dando números (corretos ou falsos [1]) palatáveis à economia brasileira, Fernando Henrique Cardoso trabalha para esvaziar as candidaturas temporãs, tipo o global Huck, visando limpar a trilha para Alckmin e derrotar o PT ou algum outro candidato de esquerda já no primeiro turno.

Nota

[1] Como Viemos Parar Aqui Neste Buraco por Luiz Gonzaga 

 

Enroladinha

A presidente do PT, Gleise Hoffman, fala um bocado, coisas cada vez mais sem sentido. Só não explica as falcatruas das quais é acusada, que vão do IPVA à conta de luz pagas, supostamente, com dinheiro oriundo da corrupção.

Inocente ou culpada, Gleise Hoffmann tem a obrigação moral de explicar que rolo é esse.

Gleise
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