“A esquerda dividida por junho de 2013 e a possibilidade de construir novas conexões”

Jean
Jean Tible – foto: Arquivo pessoal

[ (IHU-Unisinos) “A esquerda se divide em dois polos: quem celebra e quem detesta junho”, resume Jean Tible à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Segundo ele, o “polo” que existe entre a esquerda anti-Junho e a pró-Junho também foi manifestado na greve dos caminhoneiros, que aconteceu no mês passado. “É curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação”, lamenta.

Na avaliação de Tible, nem a esquerda institucional, formada pelos partidos e movimentos tradicionais, nem a esquerda mais autônoma deram conta das “aberturas de Junho”. “Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada)”, pontua.

Na entrevista a seguir, Tible frisa ainda que “Junho de 2013 abriu um novo ciclo político”, que obrigou os atores políticos a se reposicionarem. Nesse novo cenário, diz, “talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha de Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado”, conclui.

Jean Tible é graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestre pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). É autor de Marx selvagem (São Paulo, Annablume, 2013; 2ª edição, 2016) e co-organizador de Junho: potência das ruas e das redes (Fundação Friedrich Ebert, 2014) e de Cartografias da emergência: novas lutas no Brasil (FES, 2015).

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Qual sua avaliação de Junho de 2013, cinco anos depois da emergência daquelas manifestações no país?

Jean Tible — O que vou dizer tem relação direta com o que pensei e produzi com uma série de pessoas no livro “Junho: potência da rua e das redes” e em debates ininterruptos sobre o que ocorreu em Junho e seus desdobramentos com muita gente, em particular com Ramon Szermeta. Então, essa não é exatamente uma reflexão individual, é parte de uma reflexão coletiva, embora seja eu quem esteja falando agora nesta entrevista específica.

Junho é algo que foi muito forte e inédito no Brasil, e tem um ponto interessante: ele nos conectou com o mundo. Num período anterior a Junho de 2013, em praticamente todos os países da América Latina as lutas também se davam nas ruas e não só nas instituições; o Brasil era uma exceção naquele contexto (e podemos reparar nas influências zapatistas e piqueteiras-argentinas em coletivos e movimentos presentes nos protestos). Junho também se conecta a um ciclo de revoltas globais, que começou na Tunísia, se espraiou pelo mundo árabe, atravessou o Mediterrâneo e depois atravessou o Atlântico Norte. Mais tarde aconteceram as manifestações na Turquia, no Brasil, em vários pontos do continente africano e na Ásia. Essas lutas não são um raio em um céu azul; elas têm uma história e uma memória.

Uma delas é a luta pelo transporte: sempre houve os tradicionais quebra-quebra nas cidades brasileiras por conta do aumento do preço da passagem. Nesse período mais recente ocorreram várias revoltas nesse sentido, como a do Buzu em Salvador, mais duas em Florianópolis e em Vitória. Também vimos lutas como o Fora Micarla, em Natal (RN), em 2012, as greves de Jirau e Santo Antônio, a ampla solidariedade com os Guarani Kaiowá, a ocupação indígena do Congresso poucas semanas antes de estourarem as manifestações de Junho, o Bloco de Lutas em Porto Alegre e as lutas pelo transporte em Goiânia, a organização dos Comitês Populares da Copa. Portanto, havia todo um caldo mais subterrâneo — de alguma forma não tão visível para as lentes convencionais — que estava se desenvolvendo naquele período (em São Paulo, o churrascão da gente diferenciada e a marcha da liberdade, atos contra o aumento das passagens na periferia). Talvez o principal ponto disso tudo seja uma crítica aos representantes em geral (na política, economia, cultura), com as manifestações que afirmavam “não me representam”, como apareceu na Espanha em outro contexto.

O que parece um ponto muito forte de Junho de 2013 é que o medo, em geral, é sentido pelas pessoas comuns (por conta de sua vulnerabilidade permanente, em vários sentidos), mas nesse acontecimento de Junho de 2013 isso muda, porque todos os poderes constituídos passam a ter medo — lembrando do livro Agora eles têm medo de nós: uma coletânea de textos sobre as revoltas populares em Mozambique (2008-2012), organizado por Luís de Brito. Com isso, os donos da Globo e da mídia, dos bancos, os políticos graúdos, os juízes, militares, os industriais e o agronegócio, ou seja, todos os poderosos sentiram medo, e isso revela, de certa forma, uma verdade da democracia, a de que o poder é da população e a população cede esse poder ao Estado, que seria o contrato social. Nesses momentos de disrupção — que são muito preciosos e cujos efeitos são duradouros —, mostra-se de quem é o verdadeiro poder que não é exercido, e naquele momento passa a ser exercido. Daí que vem a grande força desses acontecimentos.

Outro ponto forte de Junho e em geral pouco enfatizado: o número de greves estoura segundo o Dieese: de 877 em 2012 para 2050 em 2013 (maior número desde o início da contagem nos anos 1980) e também tocando setores geralmente menos propensos às greves: indústria da alimentação, segurança, limpeza urbana… Assim como os aumentos nos transportes foram revogados em mais de cem cidades, era possível reivindicar e ganhar em outros setores e pautas. As comportas se abriram, ou melhor, foram abertas. Não podemos esquecer dos “loucos dias” de Junho, quando tudo parecia fugir – e fugia – de qualquer controle: tomada do Congresso em Brasília, da ALERJ no Rio, o apoio aos protestos com vandalismo por parte dos espectadores do programa do Datena…

IHU On-Line — Quais diria que são as principais consequências políticas e sociais de Junho de 2013?

Jean Tible — Tem um paralelo interessante de Junho de 2013 com 1968, no sentido de entender 1968 como uma revolução global que se deu com distintas intensidades em vários pontos do planeta. 68 foi muito forte no México, em Senegal, em Paris, no Vietnã e na China e também se espalhou pelos Estados Unidos e chegou ao Brasil e à Argentina. Foi uma revolução global, talvez a primeira nesse sentido. As revoluções têm impactos internacionais, porém, como coletivamente dizemos em outro contexto, “Junho está sendo” e por isso as consequências ainda estão se dando, o que também dificulta a nossa leitura de tudo isso.

Mas acredito que existem alguns pontos que poderíamos destacar: primeiro, para o bem ou para o mal — depende dos atores que analisarem isso — é o fim da estabilidade que o país estava vivendo, ou seja, vivia-se um recorde de eleições presidenciais seguidas e com isso uma certa estabilidade política. Além disso, vínhamos de um momento econômico no governo Lula que conseguiu crescimento com distribuição de renda e, talvez, de riqueza. Havia ainda mecanismos de participação, embora muito limitados, mas que não deixam de ser importantes. Existia ainda uma política externa, nas palavras de [Celso] Amorim, “ativa e altiva” e uma ativação do mercado interno e micropolíticas econômicas com incentivos a vários setores não habituais (cultura, por exemplo). Portanto, o primeiro ponto parece ser o fim da estabilidade, o que trouxe oportunidades e riscos.

O segundo ponto é que novas questões, que não eram nenhum pouco inéditas, ganharam força. A própria questão do transporte, que á a ativação inicial do 13 de Junho, tem toda uma história — inclusive a proposta da tarifa zero tem uma formulação de origem no PT, na gestão da Erundina com o Lúcio Gregori. Essa questão do transporte foi um aspecto fundamental para os trabalhadores — é uma questão de classe —, mas também entram em pauta questões muito caras, por exemplo, ao movimento negro, questões que eram ignoradas em geral pela sociedade como um todo e também em boa parte pela esquerda. Desse modo, houve questões também vinculadas à violência policial, e nesse sentido as mobilizações “Cadê o Amarildo?” que foram precedidas por atos organizados na Rocinha e manifestações morro-asfalto são fundamentais. E sabemos o quanto isso assusta — lembremos da repressão violentíssima na Maré na noite do 24 de junho.

Depois vimos um protagonismo feminista muito forte: houve várias mobilizações no período posterior e que continuam. Também a marcha da maconha (puxada pelo DAR – desentorpecendo a razão) é um dos movimentos atuantes antes de Junho de 2013 que se fortaleceu e conseguiu ter uma presença periférica muito forte nos últimos anos. Também uma série de Questões LGBTQI ganharam mais força e contundência, inclusive com tentativas de captura por parte de forças como a Globo, sempre hábil e alerta.

Um terceiro ponto é que Junho de 2013 abriu um novo ciclo político. A partir daí todos os atores da sociedade brasileira são obrigados, de alguma forma, a se reposicionar — isso vale para a direita, a esquerda e o centro, para as empresas como a Globo, a Fiesp, o agronegócio, para os movimentos indígenas, o movimento negro, ou seja, todos os atores da sociedade brasileira foram interpelados por Junho de 2013 e mudaram ou tentaram levar em conta esse acontecimento. A turma da Lava Jato e seus aliados nacionais e internacionais foi um dos setores que melhor se posicionou para fazer prevalecer seus objetivos.

Podemos ver, por exemplo, a criação do Movimento Brasil Livre — MBL, que copia, inclusive a sonoridade do Movimento Passe Livre — MPL, que rouba, de alguma forma, uma sigla, uma sonoridade e certo símbolo, assim como o Vem Pra Rua, no âmbito da direita. Nesse sentido, existe uma reação que tenta corresponder a esse anseio. Na medida em que o sistema político não leva em conta o evento de Junho e a crise política que Junho aguça — a qual talvez já existisse —, ele vai aguçando essa crise e assim chegamos ao cenário de hoje, onde tem uma crise total de legitimidade das instituições políticas.

Os dois eventos recentes e trágicos que ocorreram no país — assassinato de Marielle e a perseguição política e prisão do Lula —, embora sejam acontecimentos envolvendo gerações diferentes, causas específicas e distintas, se conectam porque o recado que o país dá para a população é o seguinte: que os maus nascidos não têm lugar na política. Vemos, progressivamente, se aprofundar essa crise que já era grande, tanto que estamos nessa situação que é, inclusive, muito perigosa, porque os atores não cabem mais nas instituições e não se vê nenhuma possibilidade imediata de transformação dessas instituições.

IHU On-Line — Como você interpreta Junho de 2013 à luz do conceito de multidão de Negri?

Jean Tible — O Conceito de multidão nos ajuda a compreender uma questão que mencionei antes: o medo dos poderes constituídos. Nesse sentido, Junho é a manifestação de um poder constituinte, mas faltou fôlego para chegar a uma questão que é muito importante para Negri e Hardt, que é a criação de novas instituições. Se falava muito da nova classe média e da nova classe trabalhadora naquele momento, o que foi muito interessante, porque a “rua” encarnou essas pessoas, que estavam expressando novos desejos. Esse aspecto de Junho de 2013 é muito relevante porque, de novo, tem um paralelo com 1968 (Tlatelolco, Dakar, Berkeley, Nanterre, Córdoba), no papel dos estudantes universitários (no Brasil seu número explode nos anos anteriores, constituindo um fermento para a revolta — novas possibilidades existenciais para esses jovens trabalhadores se confrontando com um mundo que muda devagar demais).

Outros aspectos que o conceito de multidão nos coloca para pensar são as tensões, confluências e conexões entre classe e diferença. No Brasil, em outros contextos, parte da esquerda tentava opor classe e diferença e isso está muito preso no debate político nacional. O que, a meu ver, nos ajuda a pensar é o seguinte: a classe sempre foi preta, a classe sempre foi mulher, a classe sempre foi indígena. O conceito de multidão pode nos ajudar a entender justamente isto: como essas questões se colocam, ou seja, muitas vezes ficamos nos opondo a questões que estão muito mais conectadas. Inclusive, os adversários dos “de baixo” percebem isso. Se observarmos aquela famosa citação depois de 68 de Samuel Huntington e outros, segundo a qual o problema era que havia democracia e demandas sociais demais e não tinha dinheiro para isso, e a conectarmos com a declaração do deputado gaúcho da Frente Parlamentar do Agronegócio, quando ele diz que no gabinete do Gilberto Carvalho estavam aninhados tudo o que não prestava, como lésbicas, índios, gays e tudo mais, veremos que os adversários dos “de baixo” entendem essas conexões e, às vezes, a própria classe em suas diferenças, não tanto.

É interessante observar ainda que as pautas de classe em relação ao transporte, à questão da violência policial, à questão do feminismo, trans, ficaram mais fortes depois de Junho de 2013. Não por acaso essas questões estão se colocando até hoje no Brasil. A constituição da multidão envolve isso tudo.

Outro ponto de Hardt e Negri que pode nos interpelar é o que os autores discutem em Assembly, ao inverterem a apreensão habitual da esquerda na qual a tática seria tarefa dos movimentos e a estratégia do partido: agora, os movimentos indicariam a estratégia e aos partidos caberia a tática. Em Junho, a estratégia aberta pelos movimentos não encontrou a virtude tática dos partidos.

IHU On-Line — Passados cinco anos de Junho de 2013, como avalia que a esquerda recepcionou as manifestações à época e que leituras a esquerda faz das manifestações hoje, cinco anos depois?

Jean Tible — A esquerda divide-se em dois polos: quem celebra e quem detesta Junho. Claro que isso é um pouco simplista, mas nos ajuda a pensar. É interessante pensarmos a esquerda em outros dois polos: um mais institucional, hegemonizado, conduzido mais pelo PT, mas que abrange outros setores como a CUT, o MST e os movimentos feminista e negro mais vinculados ao ciclo de lutas que se inicia no fim dos anos 1970 e início dos 1980; e outro representando a esquerda mais autônoma, que inclui dezenas de organizações, sensibilidades e movimentos.

Na verdade, nenhum desses dois polos acabou, infelizmente, dando conta das aberturas de Junho. Por um lado, a esquerda mais institucional — uma parte dela — tentou responder às demandas de Junho, mas no fundo, passada a tempestade mais imediata, continuou tocando a vida. Por outro lado, a esquerda mais autônoma não conseguiu aproveitar aquele momento para dialogar com a população de forma mais continuada no sentido de construir novas conexões. De alguma forma, as esquerdas se surpreenderam com esse movimento e mesmo quem ajudou diretamente a produzir essa faísca, não conseguiu produzir esses novos encontros com mais força. Essas oportunidades perdidas são trágicas e ao se repetirem no tempo abrem espaços para a extrema direita (lembremos de Walter Benjamin falando do fascismo como resultado de uma revolução fracassada).

Retomando, Belo Horizonte é uma cidade muito interessante para pensar Junho, pois essa cidade tem ocupações urbanas fortes, a Assembleia Popular Horizontal, a ocupação da Câmara dos Vereadores, praia da estação, carnaval de rua voltando e tudo mais. Essa efervescência, de alguma forma, continua e tem até um desdobramento institucional. De todos esses grupos que propuseram uma nova política e tentaram entrar nas instituições, o único que realmente produziu um processo mais contundente foi o das Muitas, que teve como consequência a eleição de duas vereadoras. Tudo isso ainda está em curso, por isso acredito que veremos nesses próximos meses e anos novas articulações da esquerda, e é esse um dos sentidos de que Junho “está sendo”.

IHU On-Line — A leitura que o PT fez acerca de Junho de 2013 à época e a reação do governo ao movimento naquele período contribuíram para aumentar a crise do partido ou a reação negativa de uma parcela da população ao partido? Quais diria que são as consequências de Junho de 2013 para o PT em particular?

Jean Tible — O PT é múltiplo e, portanto, não existe somente um PT. Nesse sentido é possível ver a posição de alguns setores e figuras do PT e ver também que a posição do partido se desdobrou ou mudou. De um lado, o ex-prefeito Fernando Haddad se opôs a Junho e viu esse movimento como a chegada dos novos bárbaros, como ouvi dele. É curioso, pois sua campanha à Prefeitura no ano anterior falava de um tempo novo. Esse tempo novo poderia se conectar com o que emergiu com mais força em Junho, mas o espírito não reconheceu o corpo encarnando nas ruas e o rejeitou. De outro lado, Dilma, como presidente, fez um gesto interessante e recebeu os manifestantes no Palácio, mas as respostas dela foram muito tímidas e insuficientes. Não se teve um entendimento mais concreto de que o milagre lulista não era mais possível no sentido de deixar todo mundo feliz, ou seja, de os de baixo conquistarem mais sem os de cima terem que pagar mais por isso — daí as insuficiências de combinar ajuste fiscal e Mais Médicos e royalties do pré-sal para educação; a disrupção exigia muito mais, outras pautas e o fortalecimento de outros sujeitos.

O caso do Lula em relação a Junho é interessante porque vejo uma mudança de posição. No início ouvi dele uma análise de que o povo tinha conquistado o pão e agora queria manteiga. Mas sobretudo a partir do momento em que o movimento pró-impeachment cresceu, ele fez uma releitura e disse que a classe média tradicional teria predominado naquelas manifestações de 2013 e que teria também o dedo da CIA, como o alertaram na época Putin e Erdogan. Essa mudança de postura do Lula tentou justificar a derrocada do governo Dilma, que era o governo do PT. Foi isso que de alguma forma disse Gilberto Carvalho, num ato falho, que havia uma ingratidão por conta de todas as conquistas sociais que o governo do PT tinha possibilitado.

Mas havia e há um conflito geracional aí, porque uma nova geração de militância e ativismo surgiu com mais força e ela não era contra o PT, mas o PT não levou a sério o que aconteceu e nem buscou se transformar. O próprio Lula disse reiteradamente, de Junho de 2013 até a pauta do impedimento ficar forte, que o PT tinha que mudar, mas ao mesmo tempo o PT não foi capaz de mudar e nem Lula de impulsionar essa transformação.

Tem outro capítulo nesta questão, que é importante citar: trata-se da questão da repressão. Embora os casos de repressão sejam uma questão sobretudo estadual, o governo federal teve um papel nisso tudo quando, no bojo das manifestações contra a Copa ou mesmo em 2013, a Força Nacional de Segurança foi oferecida aos estados. Essas são ações absurdas por parte de um partido de esquerda. Eu estava muito preocupado com a repressão antes da Copa e, estando em Brasília, solicitei uma conversa no Ministério da Justiça para entender por que o governo estava agindo daquela forma, não se opondo claramente às várias táticas repressivas estaduais que estavam se manifestando: qual não foi minha surpresa quando o alto funcionário foi ainda mais crítico do que eu em relação à atuação do ministro nesse tema — uma máquina repressiva estava se fortalecendo. O que se reforçou com a lei antiterrorismo. Não brecar essa máquina foi um tremendo erro.

Sabemos que o Brasil fica nas primeiras posições nos dados de assassinato de militantes, numa certa política de assassinatos seletivos de pessoas fundamentais para termos um país mais digno (sobretudo nas questões ligadas à Terra, povos indígenas e grupos mais vulneráveis). Sabemos também da repressão permanente que sofrem os que se levantam, secundaristas e outros. Desmontar essa máquina repressiva deveria ser uma tarefa fundamental de qualquer governo que busque transformações. Isso se articula com o fundamental direito de se manifestar — recordo aqui da não resposta de Dilma quando o MPL pautou na reunião no Palácio do Planalto a questão da regulamentação das armas menos letais: silêncio.

IHU On-Line — Como avalia que, à esquerda e à direita, partidos, movimentos e possíveis candidatos à presidência têm lidado com a insatisfação política de Junho ao longo desses cinco anos?

Jean Tible — Alguns sentidos de Junho que se destacam: a questão da participação contra a representação, a questão da corrupção, uma rebelião contra o inadequado uso do dinheiro público, especialmente por conta dos gastos feitos para a Copa, a questão da violência policial e a pauta de uma nova subjetividade indígena, negra, feminista, LGBTQI. É por esse prisma que podemos olhar para os candidatos e ver como a política institucional tem tentado responder a isso.

Nesse cenário temos na extrema direita e na direita duas candidaturas que dialogam com essas questões: de um lado, Álvaro Dias, que é um fruto desse sistema político brasileiro mas está com um discurso antissistêmico e, de outro, Bolsonaro, que representa muito o anti-Junho (basta ver a escolha que Bolsonaro fez ao nomear o ultraliberal Paulo Guedes como seu chefe de programa de governo — dificilmente uma pauta será tão antipopular, de fazer os de baixo pagarem a crise, aliada à mano dura), embora ele tenha aproveitado o ciclo político aberto em Junho.

No centro tem a Marina, que tem um certo diálogo com Junho, embora suas opções recentes a colocam como aliada dos poderes conservadores (opções de política econômica, abandono da ecologia dos pobres, posições concretas no segundo turno da eleição presidencial passada, no processo do impedimento e na intervenção militar no Rio).

No amplo bloco da esquerda existe a candidatura, de um lado, do Lula, que como disse antes, mudou sua perspectiva sobre o que aconteceu em Junho e, de outro lado, a candidatura de Ciro Gomes, que dialoga muito pouco com Junho — ela é pré-Junho. A Manuela é uma candidata que tem diálogo com as pautas feministas e LGBT: teria sido ela candidata pelo PCdoB antes de Junho?

Dos nomes postos, talvez seja a candidatura de Guilherme Boulos a que melhor converse com esse acontecimento. Lembro de ele dizer que depois de Junho de 2013 o MTST não dava mais conta do anseio por ocupações nas periferias de São Paulo. Ou seja, abriu-se um canal de desejo e luta por esses direitos. Seria extremamente difícil imaginá-lo como candidato antes de Junho de 2013. Talvez o MTST tenha sido o único ator de esquerda que soube se posicionar bem depois de Junho de 2013 e crescer em influência política de forma contundente. A candidatura de Guilherme Boulos expressa isso e a escolha da Sônia Guajajara como sua vice também expressa um primeiro encontro entre uma esquerda, digamos, mais convencional e as pautas indígenas, que são fundamentais no país por causa da reparação histórica e porque as construções indígenas têm muito a nos ensinar sobre outras formas de fazer política: uma forma menos vertical, mais horizontal, distribuída e potente, mais alegre, além também de poder nos ajudar a viver sem capitalismo e sem Estado.

IHU On-Line — Que balanço faz da greve dos caminhoneiros que aconteceu recentemente no Brasil? É possível estabelecer alguma relação entre essa greve e as manifestações de Junho de 2013?

Jean Tible — O polo que existe entre uma esquerda anti-Junho e uma pró-Junho também se manifestou, de algum modo, na greve dos caminhoneiros. A pauta dos setores de baixo da sociedade brasileira foi sendo interpretada como locaute, mas quem conhece esse setor mostrou que não se tratava disso, mas de uma demanda derivada das aplicações das políticas ultraliberais do governo, sem a mínima sensibilidade social. Foi essa política que causou esse efeito de prejudicar a população, seja no aumento do gás de cozinha ou dos combustíveis.

Isso indica um debate sobre o capitalismo contemporâneo e as revoluções. Curzio Malaparte conta que na noite da insurreição em outubro de 1917, Trotsky estava tranquilo, porque a revolução já tinha ocorrido, porque toda a infraestrutura (energia, comunicações, transportes) já tinha sido tomada pelos bolcheviques. A tomada do palácio de inverno teria sido, nessa perspectiva, mais uma performance de tomada do poder que já havia ocorrido.

Para entender o capitalismo contemporâneo, muitos como Negri e Sandro Mezzadra ou o comitê invisível, insistem que a logística é fundamental, o bloqueio é muito importante e, nesse sentido, os caminhoneiros mostraram como alguns setores são capazes de bloquear o sistema. Isso é um elemento muito interessante.

Mas retomando, é curioso como parte da esquerda tem medo das mobilizações dos de baixo e das contradições que sempre surgem. É claro que houve sinais assustadores de parte das mobilizações, com alguns clamando por intervenção militar, mas as demandas em geral pareciam legítimas e justas. Ao invés de a esquerda tentar disputar e estar nesse momento, ela escolhe julgar de fora; isso é uma pena, porque causa uma perda de potencial de transformação.

Junho mostrou uma série de caminhos e abriu espaço para novas práticas e alianças políticas. Vimos, depois de Junho, as manifestações dos garis, as conexões entre jovens e professores no Rio de Janeiro, e uma série de lutas que se reforçaram, como os secundaristas que ocuparam escolas no Brasil. Foram alianças surpreendentes, não habituais, de auto-organização, de autogestão; as pessoas tomaram o controle das suas próprias vidas. Isso é inspirador para lutarmos e transformarmos. Vejam a peça Quando Quebra Queima da ColetivA Ocupação, dirigida por Martha Kiss Perrone, na Casa do Povo e no Teatro Oficina e sintam Junho vivo e pulsando.

Existe um potencial importante para essas lutas num encontro entre um ciclo de lutas que surgiu nos anos 1970 e 1980 e esse de Junho de 2013. Se os movimentos e organizações desses ciclos anteriores conseguissem se renovar, ajudariam bastante essa nova geração que surge com força, mas também com fragilidades; poderia haver um bom encontro entre eles para enfrentar a extrema direita, assanhada no Brasil e no mundo.

As manifestações de 68 foram derrotadas por um lado, mas, por outro, também foram vitoriosas em uma série de questões, como no surgimento da nova subjetividade e das novas políticas que ganharam força a partir daquele período. Do mesmo modo, embora o ímpeto de Junho tenha sido em parte derrotado, a partida segue em curso. As revoltas têm essa característica: elas vão maturando, vão sendo reconvocadas e com isso surge um mapa e uma cartografia de um outro Brasil. Junho indica essa desobediência imprescindível para a criatividade política. A desobediência é fundamental para buscar e encontrar novos caminhos.]

IHU On-Line

Siga sempre o líder e seja infeliz para sempre

Desobedeca
A Luz é Invencível – WordPress.com

Nós todos conhecemos aquele sujeito que não tem ideias próprias.

Ele está sempre seguindo aquilo que alguém disse, muitas vezes discretamente, mas noutras tantas com uma fidelidade canina, a ponto de transformar o dizer do outro num dogma.

Claro está que o ser humano construiu, desde os primórdios da criação, um saber (conhecimento) que nos é muito útil, especialmente para saber que rumo poderemos tomar.

Perceba: o verbo não é “dever” (tomar), mas sim “poder” tomar.

É claro que não há problema algum em seguir aquilo que já foi dito e ensinado anteriormente.

Mas a questão não é exatamente essa, mas sim que há certo tipo de pessoa que molda toda a sua existência em “verdades” que já passaram há muito tempo para o campo da obsolescência.

Moldar toda a vida dessa forma é, além de tudo, um perigo, posto que esteja no senso comum a sedimentação das ideias arraigadas das quais se originam os preconceitos e as intolerâncias.

Fico a imaginar o desconforto pelo qual passou o escritor e filósofo norte-americano Henry Thoreau com a mesmice que se apossou do mundo, o que poderíamos classificar de uma pandemia.

Entre os muitos escritos do Thoreau há alguns muito importantes e essenciais: “Walden” e “Desobediência Civil”, por exemplo – ambos estão também em suas versões e-book e podem ser encontrados facilmente na internet (são gratuitos).

Para quem não é familiarizado com a leitura ou não gosta ler (“porque ela dá sono” – muita gente dá essa desculpa bastante esfarrapada) recomendo no YouTubeWalden; ou, A Vida nos Bosques” e “Thoreau por Daniel Puglia”.

Uma dica: ao pesquisar, fuja daqueles vídeos de gente jovem, especialmente aqueles que começam a falar em “minimalismo”.

Uma lembrança (referência) importante: Thoreau influenciou profundamente Martin Luther King e Mahatma Ghandi, e, obviamente, toda contra-cultura norte-americana (hippie) que transformou o lago Walden num santuário, o que certamente teria irritado o filósofo – caso fosse vivo na época.

Trechos

“Aceito com entusiasmo o lema “O melhor governo é o que menos governa”; e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente. Levado às últimas conseqüências, este lema significa o seguinte, no que também creio: “O melhor governo é o que não governa de modo algum”; e, quando os homens estiverem preparados, será esse o tipo de governo que terão. O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes uma inconveniência, e todo o governo algum dia acaba por ser inconveniente. As objeções que têm sido levantadas contra a existência de um exército permanente, numerosas e substantivas, e que merecem prevalecer, podem também, no fim das contas, servir para protestar contra um governo permanente. O exército permanente é apenas um braço do governo permanente. O próprio governo, que é simplesmente uma forma que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente sujeito a abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir através dele. Prova disso é a atual guerra contra o México, obra de um número relativamente pequeno de indivíduos que usam o governo permanente como um instrumento particular; isso porque o povo não teria consentido, de início, uma iniciativa dessas.”

Primeiro Parágrafo de “Desobediência Civil” (Henry Thoreau)

= = = = =

“Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida.”

Walden – A vida nos bosques (Henry Thoreau)

Apesar do caso Marielle, direitos humanos avançam e encurralam os reacionários

Marielle
Veja.abril.com.br – imagine esta cena há 30 ou 49 anos.

Começo com uma explicação: muita gente, nessa circunstância, prefere usar a palavra “direita”; eu prefiro “reacionário”, porque nem todo mundo que é direita, por exemplo e como foi o caso de Marielle, prega, defende e mata pessoas.

A direita ideologicamente apenas se coloca numa posição reativa de negação aos chamados direito sociais.

Mesmo nesses casos – os avanços sociais – há quem os admita pelo menos parcialmente, até porque também deles usufruem.

Não é necessário puxar muito pela memória e nem realizarmos uma pesquisar intensa e profunda para que encontremos parentes, amigos e conhecidos até mesmo progressistas, embora sendo de direita, porque também o progresso a eles interessa, o que é um bocado óbvio, alias,

A minha preferência, portanto, pela palavra “reacionário” se prende a uma das definições já de há muito tempo dicionarizada: “contrário, hostil à democracia; antidemocrático (jur.)”.

Mesmo que nos consideremos socialistas, comunistas ou anarquista, se prestarmos atenção veremos como estamos cercados de direitistas e de reacionários – que muitas vezes, como se disse acima, não se confundem.

A questão é decidirmos o que faremos frente a fatos tão óbvio aos quais não deveríamos estar desatentos: nos apartaremos deles todos? Seremos capazes de nos apartar apenas de alguns sem necessariamente nos apartarmos de outros? Ou não nos apartaremos de nenhum dos grupos por questões de afinidade, amizades ou parentesco?

Trata-se de um decisão bastante difícil, mas não necessariamente justificável.

Perdendo

A questão, porém, é entendermos que os reacionários – contrários aos direitos humanos – estão ficando cada vez mais encurralados.

Isso quer dizer que um dia esse tipo de gente insana vai desaparecer do mundo?

Obviamente que não!

Ela vai continuar existindo e cada vez mais raivosa e violenta, mas cada vez mais minoritária.

E por que isso?

Por duas razões: cada vez há mais pessoas conscientes e exigindo que se respeitem os direitos delas mesmas e de outras pessoas; e as legislações de praticamente todos os países estão cada vez mais exigentes e fazendo coro, embasadas que estão, naquilo que propõe a carta dos direitos humanos da ONU.

O encurralamento, quase um estrangulamento, está se dando dessa forma.

Mas se não acredita, teste você mesmo: como eram tratados índios, gays e lésbicas, mulheres, negros, entre outras minorias, há míseros 20 anos?

Agora projete isso para quando eu, por exemplo, era jovem, na década de 60. Ou para a geração de meus pais que nasceram em 1924? Ou de meus avós que nasceram no século 19?

Que ações protetivas as minoria tinham nessas épocas?

Que tipo de consciência era possível ter naqueles momentos?

Que legislação, por exemplo, defendia as mulheres em casos de estupro e da famigerada prática da sedução (que, aliás, foi escorraçada da constituição brasileira de 1988).

É visível, portanto, que os reacionários e mesmo os direitistas estão perdendo o jogo. Estão sendo derrotado.

E é este um caminho sem volta, embora possa parecer longo e árduo

Governo brasileiro reage intempestivamente aos Direitos Humanos

Nota de Repúdio (31 de maio de 2017)

O Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa e as organizações que assinam este documento consideram gravíssima e destemperada a atitude do governo brasileiro em relação ao comunicado conjunto[1] da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e do Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). No comunicado, emitido em 26 de maio de 2017, as entidades condenam o uso excessivo da força durante as manifestações e em operativos de segurança no Brasil.

A linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia demasiadamente da postura que se espera de um país membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e que se diz comprometido com a proteção internacional dos direitos humanos. Ao dirigir-se de forma a menosprezar e questionar a boa-fé da CIDH e do ACNUDH, o governo de Michel Temer demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos internacionais e regionais de direitos humanos que se dedicam ao tema.

Ademais, a reação ofensiva do Ministério das Relações Exteriores (MRE) indica desconsideração aos princípios tradicionalmente conferidos à política externa brasileira, como o multilateralismo e a valorização do direito internacional.

A condenação pela CIDH e ACNUDH do uso excessivo da força é pertinente uma vez que o país padece desse abuso de forma crônica e estrutural. A falta de protocolos claros e públicos sobre uso da força por agentes de segurança, os inúmeros casos de permissividade por parte do poder público frente à ação e repressão violenta da polícia e o modelo de segurança pública anacrônico, militarizado e que privilegia o confronto com cidadãos, são elementos notórios da violência institucional que persiste no Brasil.

O comunicado conjunto da CIDH e do ACNUDH menciona o violador decreto presidencial que autoriza o emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem no Distrito Federal entre os dias 24 e 31 de maio como resposta a manifestações de rua. A revogação do decreto no dia seguinte demonstra a desproporcionalidade de tal ato. Reiteramos e apoiamos o pedido da CIDH e ACNUDH de que a “ação das forças de segurança deve respeitar em todo momento as normas internacionais de direitos humanos”.

A manifestação das entidades internacionais também faz referência à sucessão de violações de direitos humanos em episódios recentes, como uso excessivo da força em operações tanto no marco do conflito de terras como no contexto da remoção urbana de dependentes químicos usuários de drogas ilícitas. Causa-nos preocupação a classificação pelo governo de “cínica” e “fora de contexto” à atitude da CIDH e do ACNUDH de incluir essas violações no comunicado conjunto sobre uso excessivo da força.

De acordo com a organização Global Witness[2], o Brasil é o país mais perigoso do mundo para o ativismo ambiental. Além disso, segundo a Comissão Pastoral da Terra[3], a chacina em Pau D’Arco, que aconteceu no último dia 24, elevou para 37 o número de mortes no campo apenas nos primeiros cinco meses de 2017.

Já a violenta operação de segurança na região da Cracolândia[4], em São Paulo, foi classificada como “desastrosa” pela própria Secretária Municipal de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, que pediu exoneração após o episódio.

Reiteramos nosso apoio à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. A CIDH possui um vasto histórico de contribuição ao avanço dos direitos humanos no Brasil e em todo o continente americano. O ACNUDH representa o compromisso do mundo com os ideais universais da dignidade humana e possui o mandato de promover e proteger todos os direitos humanos internacionalmente.

Por fim, cabe reafirmar que a Constituição Federal de 1988 vincula as relações internacionais do país à prevalência dos direitos humanos[5] e clamamos para que o Itamaraty se retrate imediatamente pela forma desrespeitosa e descompromissada em que se dirigiu à CIDH e ao ACNUDH, reiterando os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em matéria de direitos humanos.

Assinam esta nota:

  1. ABA – Associação Brasileira de Antropologia
  2. ABIA – Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids
  3. Ação Educativa
  4. Aliança Nacional LGBTI
  5. APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
  6. Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh)
  7. Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil
  8. Artigo 19
  9. ASP – Associação Palotina
  10. Associação de Advogadas Pela Igualdade de Gênero, Raça e Etnia
  11. Associação Tapera Taperá
  12. CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Migrante
  13. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  14. CBDDH – Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensoras e Defensores de Direitos Humano
  15. CENDHEC – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social
  16. CIMI – Conselho Indigenista Missionário
  17. Circuito de Apoio ao Imigrante
  18. CLADEM/BRASIL – Comitê da América Latina e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres
  19. Clínica de Direitos Humanos da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
  20. Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas
  21. Clínica de Direitos Humanos PUC-SP “Maria Augusta Thomaz”
  22. Coletivo Estadual de Combate à LGBTfobia da APP Sindicato
  23. Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa
  24. Conectas Direitos Humanos
  25. CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
  26. Conselho Federal de Psicologia
  27. DDH – Instituto de Defensores de Direitos Humanos
  28. FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
  29. FIAN Brasil
  30. GAIRE – Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados
  31. GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
  32. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  33. Grupo Dignidade
  34. IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
  35. IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos
  36. INCIDE
  37. INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
  38. Instituto EQUIT
  39. Instituto Sou da Paz
  40. ISER – Instituto de Estudos da Religião
  41. Justiça Global
  42. Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia (LAJUSA)
  43. Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná
  44. Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais – NEPDA/ UEPB
  45. PBPD – Plataforma Brasileira de Política de Drogas
  46. PFDC – Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
  47. Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil
  48. RCA – Rede de Cooperação Amazônica
  49. Rebrip – Rede Brasileira de Integração dos Povos
  50. Redes da Maré
  51. RENAP – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
  52. SMDH – Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
  53. Terra de Direitos
  54. Vigência!

Notas

[1] http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2017/069.asp

[2] Global Witness: https://www.globalwitness.org/en/press-releases/brasil-anfitriao-das-olimpiadas-e-o-pais-mais-perigoso-do-mundo-para-o-ativismo-ambiental/

[3] Comissão Pastoral da Terra: https://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/3801-onu-e-cidh-condenam-chacina-em-pau-d-arco

[4] O Globo: https://oglobo.globo.com/brasil/secretaria-de-direitos-humanos-de-doria-se-demite-apos-acao-desastrosa-na-cracolandia-21391046

[5] Artigo 4, inciso II.

 

Fragmentos pós-apocalípticos de uma quarta-feira apocalíptica

EhaDilma
Crédito da foto: agencia2.jornaltijucas.com.br

A fala da presidente Dilma Rousseff, logo após a manobra de Cunha, foi um desastre. Um desastre tosco e que deveria ser evitado, mas, ao contrário, provocou panelaços, buzinaços e uma ou outra manifestação (pequena, é correto dizer) de rua.

A presidente resolveu atacar o presidente da Câmara com um discurso ressentido, esquecendo-se do que está no teor do pedido de impeachment que são as suas (supostas) irregularidades.

Reproduzo, a respeito do pedido de impeachment, o que havia escrito momentos antes nos meus perfis sociais:

[IMPEACHMENT – O I TEM PINGO? ENTÃO PONHAMOS OS PINGOS NOS IS

Niqui está embasado o pedido de impeachment?
Pedaladas fiscais, manobra fiscal, omissão nas irregularidades na Petrobras, segundo mandato como continuidade do primeiro (segundo os argumentadores).
E daí, tudo isso?
COMEÇANDO PELO FIM. Segundo mandato não é continuidade do primeiro coisa nenhuma. Tanto assim que por quase uma hora quem dirige o país é o presidente do Congresso (na cerimônia de posse).
Ela sai e volta, como saíram e voltaram FHC e Lula.
Pedaladas fiscais e manobra fiscal não se configuram crimes de responsabilidade.
Omissão nas irregularidades na Petrobras está em um momento em que Dilma não era presidente.
Ela não pode ser responsabilizada, durante o mandato, por atos anteriores ao mandato.
No meio desse rolo todo, crime de responsabilidade se caracteriza por ato intencional da presidente.
Tá onde isso?
De qualquer forma, o processo de impeachment é um processo POLÍTICO, tem nada a ver com JUSTIÇA.
Vai dar um rolo dos diabos, agravar a crise econômica e gerar um tititi danado.
Tenho que, ao final, não dá em nada. Pode dar em infarto, pelo menos. Mas vamos ver.
]

ANTECEDENTES – No texto anterior deste blog Os erros grosseiros de comunicação do Partido dos Trabalhadores havia dito que:

[O tempo se passou e a estratégia (equivocada) se manteve a mesma, e até se intensificou a partir da reação das oposições derrotadas ano passado e da deflagração da Operação Lava Jato.]

e

[Aparentemente dentro do partido (e do próprio governo) ninguém parou para pensar que versões peculiares e não sustentáveis, contadas várias vezes, não se transformam em verdades, mas sim em falsidades desproporcionais e enormes.]

. . . . . . . . . . . . .

[À militância, insuflada pelos diretórios do partido (regionais e nacional), coube a inacreditável tarefa de eliminar de seus perfis sociais (especialmente do mais popular deles, o Facebook) os chamados coxinhas, quando não nazistas, fascistas etc. e tal.

Ou seja, passaram a falar entre eles mesmos (os militantes) numa espécie de circuito fechado, perdendo, com isso, a capacidade de dialogar (e até de contestar e confrontar) com os opositores de seu partido e de suas crenças.]

Voltando ao Facebook, a título de conclusão:

[Na noite da agonia, Fernando Prass (goleiro do Palmeira na decisão de Copa do Brasil) foi um bocado mais eficiente que a desastrosa fala de Dilma Rousseff.]

Crescimento do nazifascismo e conservadorismo de SP são meras malandragens retóricas

Atentado

Crédito da foto: brasileiros.com.br
Crédito da foto: brasileiros.com.br

Partido fundado em 10 de fevereiro de 1980, naquele mesmo ano o PT viu suas sedes alvos de atentados. Não sei ao certo o dia e o mês, mas naquele mesmo ano a sede do partido em Campo Grande (MS) foi parcialmente incendiada.

No dia seguinte fui ver o estrago juntamente com um sujeito chamado Alcides (fundador do partido no Estado).

Quebrou-se uma janela, atirou-se (provavelmente) uma tocha improvisada, queimaram-se alguns papéis e alguns recortes de jornais, chamuscou-se algumas cadeiras e mesas, e uma das paredes.

Não há estado neste país que possa garantir que pelo menos uma única agressão desse tipo nunca tenha ocorrido ao longo dessas décadas todas contra o partido.

Até uma prova muito robusta ao contrário, a agressão à bomba à sede do Instituto Lula, há dois dias, se insere nesse mesmo contexto.

Gente que se apressa em ser mais realista que o rei saiu à campo, em blogues e nas mídias sociais, para enxergar um ato terrorista, tendo como “prova” principal não a agressão em si, mas o fato de ela ter sido praticada por uma bomba.

Besteira!

Qualquer pessoa consegue produzir uma bomba em casa, comprando apenas material legal em qualquer birosca da cidade.

Basta um punhado de pólvora, uma garrafa que possa ser lacrada, alguns pregos e parafusos, um pedaço de tecido, gasolina ou álcool e uma caixa de fósforos ou um isqueiro… pronto… você é capaz de derrubar portas, quebrar janelas, ferir e até matar algumas pessoas.

Terrorismo

Malandramente alguns “realistas” estão classificando o atentado como um ato terrorista, ou de terrorismo.

Besteira!

Terrorismo são atos de força, violentos, praticados por grupos organizados (total ou parcialmente conhecidos) contra o estado e/ou contra forças externas de ocupação.

O terrorismo faz parte das estratégias de libertação de um dado povo ou de um segmento da população que se sente alijada social e/ou politicamente de uma nação ou região.

Direita

Os mesmos “realistas” adoram confundir a cabeça dos ingênuos e/ou apavorados, misturando no mesmo balaio direita, fascismo e nazismo, como se fosse todos uma coisa só.

Usam a mesma tática dos moralistas que garantem que do uso do álcool e do cigarro você chega à maconha e dela às drogas mais pesadas.

Besteira!

A realidade brasileira desmonta a farsa. Fora grupos muito pequenos e insignificantes, como a Opus Dei e a TFP, não existe qualquer outro registro da “direita” no Brasil.

Existisse, muito certamente alguns de seus representantes (mesmo que involuntários, como o Jair Bolsonaro) apareceriam com destaque nas pesquisas feitas mês a mês pelos institutos.

Simplesmente não aparecem, quando muito com merrequinhas de no máximo 5%. Na hora da eleição, nem isso.

Não há nenhum indicativo de grupos fascistas no país, apenas um ou outro grupelho de gente desinformada que se diz neonazista.

São Paulo

Crédito da foto: www.portalmetropole.com
Crédito da foto: http://www.portalmetropole.com

Outra bobagem extraordinária (esta, a maior de todas) destilada pelos “realistas” dá conta de que o estado de São Paulo é o berço da nova direita brasileira.

Não fosse a ignorância e um certo preconceito que se tem contra o estado, e, principalmente contra a capital, esse tipo de gente, que diz bobagens desse tipo, já teria sido amarrada e colocada no rio Tietê para usufruir das suas podres águas por algumas horas.

Mas não se precisa partir para atos violentos, ou para “as vias de fatos”. Basta perguntar aos “realistas” como então a cidade de São Paulo é administrada atualmente por um petista (e já foi por outras duas, Erundina e Marta) e várias da cidades do estado são comandadas por gente de esquerda.

E nem precisamos lembrar aqui da grande “bancada de esquerda” que SP manda para Brasília, e muito menos que no estado foram fundados tanto o PT, quanto o MST e a CUT.

Aí já seria humilhação demais. Poupemos os “realistas”.

Liberalismo

Mais que qualquer outra região brasileira, o estado de São Paulo tenta se sintonizar aos movimentos sociais que por ora tomam conta do mundo, os occupy, por exemplo, que defendem o estado mínimo, em favor da maior participação da sociedade organizada nos destinos do país, ou, em resumo, nos seus próprios destinos.

Há sim uma clara dissintonia entre São Paulo e o que, não sem um certo viés preconceituoso, no estado de chama de “resto do Brasil”.

A questão é puramente ideológica.

O paulista, grosso modo, não entende que o estado (nacional) deva ser o provedor do desenvolvimento do indivíduo, das famílias e dos grupos sociais; mais sim que crie políticas públicas capazes de liberar indivíduos e grupos sociais para que sigam caminhos próprios, sem interferências externas.

Simples assim.

Todo resto é pura ignorância e malandragem discursiva.