Um passeio pelo centro de São Paulo é muito ilustrativo e um bocado chocante

Moradores de rua
Foto Obvious (alterada)

Visitar a área central de São Paulo (o centro velho e o centro novo) é uma aventura muito interessante, bastante criativa, um bocado ilustrativa e nada edificante.

Trata-se de uma área muito decadente, apesar dos esforços revitalizadores da antiga prefeita petista Martha Suplicy [1].

Nessas áreas a gente vê incêndios, como o da semana passada, no Paissandu [2], e um número inacreditável de moradores de rua, ou vivendo em situação de rua, como gostam de dizer os puristas do politicamente correto, como se mudanças de denominações fossem alterar alguma coisa, e minimizar o sofrimento dessa gente.

Apenas na capital paulista moram de 20 a 25 mil pessoas (estima-se – são dados do ano passado), mas não se sabe ao certo quantas pessoas estão nessas condições em todo o Estado, a tal da locomotiva que puxa o Brasil (pra onde será?) e o Estado mais rico da federação.

No Brasil todo esse número flagela 101 mil pessoas.

Será que podemos dar um viva ao Capitalismo?

Na minha modestíssima opinião esses números estão todos defasados e são um bocado falsos.

Mas vamos trabalhar com o que temos em nossas mãos.

Estive hoje perambulando pela região do Tietê (pela rodoviária) – que não fica na área central da capital paulista – e pela Luz – área contígua ao centro velho e bastante decadente, talvez a mais decadente de todas as decadências paulistanas.

Não percebi, mas passei, ao lado da estação da Luz, por uma moradora de rua bastante jovem.

Isso é a tal da invisibilidade – passamos por essas pessoas e não as percebemos, ou pior: não queremos vê-las.

Quando voltei, fiquei frente a frente com a jovem que estava sentada no chão e visivelmente drogada. [3]

Ela não me pediu, mas piedosamente dei-lhe um dinheirinho – provavelmente para aplacar a minha vergonha por não tê-la visto.

Foi um tiquinho de nada – um real e pouco – não contei.

Ele me agradeceu educadamente, olhou-me com um sorriso nos lábios e perguntou-me se eu a tinha percebido.

Foi um troço chocante, e sem pieguismo algum deixei escorrer algumas lágrimas.

Mais à frente outra moradora de rua – esta negra.

Ela não me viu, pois estava entretida em tossir.

Não sei distinguir uma tosse da outra (tosse é um sintoma), mas me ocorreu que ela pudesse estar tuberculosa, coisa muito comum no meio dessa gente abandonada e submetida a todo tipo de atrocidades não apenas por parte da população, mas também da polícia que deveria zelar por suas seguranças – vulneráveis que são elas.

Tenho observado um número crescente de moradoras de rua, qual seja, de mulheres, coisa que não se via há algum tempo, ou eu, desavisadamente, não conseguia perceber.

Só nesse trajeto da Luz encontrei, como disse acima, duas; aqui em Cotia já contei algumas e. em Brasília, várias.

Sinceramente já pensei em morar com essa gente, pelo menos por algum tempo.

Nunca fiz isso e provavelmente nunca farei.

Creio que não tenha mais resistência para esse tipo de jornada.

De agora em diante só fico com o meu obsoleto papelzinho de pequeno burguês contrito hipocritamente com a condição a que estão submetidos moradores e moradores de rua de São Paulo, do Brasil e do mundo.

Isso, reconheço, é um troço bastante cômodo – estupidamente cômodo.

Márcio Tadeu dos Santos

Notas

[1] Marta Suplicy foi prefeita de São Paulo de 1º de janeiro de 2001 a 1º de janeiro de 2005;

[2] Desabamento de prédio escancara o apartheid habitacional na cidade mais rica do Brasil – El País

[3] Busquei, por razões obvias, não constranger a jovem, fotografando-a

Exposição no Arquivo Público de SP mostrará usos históricos do Rio Tietê

Tiete
Todo Estudo

[O Arquivo Público de São Paulo (Apesp) abre na quarta-feira (14) exposição que discute usos históricos do Rio Tietê. A mostra “Expedição Tietê: registros de usos, ocupação e recuperação” será gratuita e aberta às 9 horas com seminário que discutirá a gestão das águas no estado. A atividade é uma parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a Fundação Energia e Saneamento.

Marca constante na paisagem paulistana, o Rio Tietê margeia umas principais vias da capital paulista, a Marginal Tietê. Embora seja mais conhecido por sua versão maltratada pela poluição que atravessa a cidade, ele nasce a uma altitude de 1.030 metros da Serra do Mar, em Salesópolis, a 96 quilômetros (km) de São Paulo e a 22 km do Oceano Atlântico. As informações são do Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee). Em vez de correr para o mar como a maioria dos rios, o Tietê segue para o interior do estado e deságua no Rio Paraná depois de percorrer quase 1.100 km.

É a trajetória desse rio ao longo da história que será contada na exposição. Abastecimento de água, geração de energia por barragens, mudanças no leito do rio para permitir ocupação e navegação, além de mineração, lazer e esporte são algumas das múltiplas formas que a sociedade utilizou e ainda utiliza os recursos naturais do Tietê. De acordo com o Daae, ele é o rio mais extenso que corta o estado e tem importância histórica e econômica desde o período das expedições Bandeirantes.

O curador da exposição, Flávio Ricci, que é diretor do Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa do Apesp, destaca o uso para esporte e lazer como um dos mais saudosos entre os paulistanos. “Competições de remo e natação aconteciam no rio até 1950. Isso era comum, tanto que tem um grande número de clubes famosos em São Paulo que se instalaram em torno do Tietê”, apontou. Ele lembrou que era comum também a retirada de areia das margens do rio para a construção de prédio no centro da capital. “O [edifício] Martinelli é um que foi feito a partir de areia captada do Tietê”.

Ricci explicou que a preocupação com a preservação e recuperação é mais recente e se tornou mais forte a partir das décadas de 1980 e 1990. “[No início do século 20,] as retificações e canalizações que transformam o curso natural, o qual é formado por pedras e vegetação aquática, acabou sendo acimentado. Assim você regula a quantidade de vida no rio. Na época não havia essa preocupação. A sociedade entendia como necessário e o governo foi lá e fez”, relatou.

Fotos, documentos, mapas e livros estão entre os itens que serão exibidos na mostra por meio de painéis verticais, vitrines e TVs. Há documentação que data de 1893. Registros de instituições privadas de interesse público também compõem o acervo do Arquivo Público.

Fórum Mundial da Água

De acordo com Ricci, este tema foi escolhido em consonância com os debates do 8º Fórum Mundial da Água, que ocorre em Brasília, de 18 a 24 de março. “Na semana anterior ao fórum, a ideia é fazer um aquecimento com discussão sobre a questão dos rios e a gestão das águas especificamente aqui em São Paulo”, apontou.

A metodologia em formato de expedição, proposta pela curadoria, é inspirada na proposta da Comissão Geográfica e Geológica (CGG), órgão ligado à Secretaria de Agricultura. No começo do século 20, equipe multidisciplinar, formada por engenheiros, geógrafos, biólogos, geólogos, entre outros profissionais, mapearam os recursos disponíveis ao longo dos principais rios que cortam o estado.

Seminário

O seminário de abertura da mostra, no dia 14 às 9h, terá a participação do presidente do conselho da Fundação Energia, Sergio Augusto de Arruda Camargo; do professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador Janes Jorge; do biólogo e ambientalista Cesar Pegoraro, consultor da Fundação SOS Mata Atlântica; e será mediada por Rose Marie Inojosa, do Arquivo Público do Estado.

A exposição fica em cartaz no saguão de entrada do Arquivo Público de São Paulo até o dia 23 de março das 9 às 17 horas. O endereço é Rua Voluntários da Pátria, 596, ao lado da estação de metrô Portuguesa-Tietê.]

Edição: Maria Claudia, da Agência Brasil.

“Percepções na periferia de São Paulo”

 A periferia no São Paulo em nada se diferencia da classe média em seus anseios individualistas e cada vez mais indiferentes ao restante da população, tão plena de problemas e marginalizada como ela.

Quem constata isso, em pesquisa, é a Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT).

“Alguma coisa está fora da ordem.”

[A Fundação Perseu Abramo apresenta uma pesquisa qualitativa sobre o imaginário social dos moradores da periferia de São Paulo. Fenômenos como o avanço do consumo, do neopentecostalismo e do empreendedorismo popular foram objetos de análise. A pesquisa demonstra uma intensa presença dos valores liberais do “faça você mesmo”, do individualismo, da competitividade e da eficiência. Veja aqui.

Como resultado geral, pode-se encontrar uma população que tendencialmente acredita na política, mas não crê em partidos; reconhece a importância da coletividade, mas almeja crescer individualmente; busca transformações, mas é pouco afeita a rupturas; anseia por novas ideias, mas é também pragmática. Em suma, esse novo caldo cultural exigirá renovações tanto na forma como se realiza a política partidária quanto no conteúdo das políticas públicas que se implementam.
A mistura entre valores do liberalismo, do individualismo, da ascensão pelo trabalho e do sucesso pelo mérito, com valores mais solidários e coletivistas relacionadas à atuação do Estado, à universalização de direitos, à ampliação da inclusão social, permeiam a visão de mundo e o imaginário dessa nova classe trabalhadora das periferias de São Paulo. ]

Com informações da fundação Perseu Abramo.

 

São Paulo continua muito louca e desvairada

Crédito da foto: noticias.terra.com.br
Crédito da foto: noticias.terra.com.br

Que ninguém se espante com a liderança de Celso Russomano (34%) na pesquisa DataFolha divulgada hoje pela manhã.

Não porque ele não possa vencer a eleição municipal este ano, pois pode sim.

Nem adianta os fazedores de conta virem com aquela velha malandragem de somar 0 com –1 para resultar em +10 que Fernando Haddad está um bocado mal na fita, e a culpa não é do PIG, nem do POG, nem do PUG, nem da PQP.

Num espaço curto de tempo, quase num lapso, a capital de todos os bandeirantes já elegeu Jânio Quadros, Paulo Maluf, Celso Pitta, Luiza Erundina, Mário Covas, Fernando Haddad, Gilberto Kassab, José Serra, Marta Suplicy.

O eleitorado paulistano é uma biruta doida, amalucada e desvariada.

Dá pra entender?

Dá sim, mas antes é preciso conhecer a gênese da formação da capital paulista, conhecer a própria cidade um pouco (o que, convenhamos, não é nada fácil) e o povo, hiper heterogêneo, que habita aquelas terras bandeirantes.

É preciso saber que em seus primórdios a Piratininga fundada por Anchieta não se dava nada bem com a coroa portuguesa, mas não a sonegava, nem a roubava, nem permitia que ela interferisse nos seus negócios, àquela época pobres e escassos.

É preciso saber que para habitar os Campos de Piratininga o “estrangeiro”, os de fora, era/m submetido/s a uma série de provações que muita vezes resultavam em morte.

É preciso saber que até fins do século 19, em São Paulo, ainda se “falava” tupi-guarani.

É preciso saber que São Paulo já importava (desde os 1800) prostitutas brancas e bem vestidas de França e do Leste europeu, literatura de primeira da Europa, taças de cristais, vinhos e champanha da Europa, e mafiosos e rufiões e contrabandistas do velho continente e da Ásia, enfim, a bandidagem geral.

Ou, em outras palavras, importava o sal da terra do capitalismo, enquanto o país-Brasil empacava num caipirismo primitivo e doentio.

É preciso saber que a capital paulista é um sopão de restos e de partes disso tudo, numa mistura de endinheirados ignorantes, de “doutores” semialfabetizados, de deslocados de seus grotões, hoje jogados numa periferia paupérrima e violenta, onde os aparelhos de Estado ainda não tiveram tempo de aparecer.

Gente com essa gênese não pensa e não quer pensar no futuro.

Gente com essa estirpe quer substituir um governante que é lhe atrapalha o caminhar por outro/a que lhe dê um pinguinho de imediatismo, e não de esperanças vãs e de futuros inalcançáveis.

Eis aí o que não viram os três governos petistas paulistanos – Erundina, Suplicy e Haddad.

Todos eles têm todas as desculpas do mundo, mas a carência não quer desculpas e nem espera por futuros que podem não chegar e se chegarem, essa gente toda certamente nem pela Terra mais estará.

A cara de São Paulo

Na aceleração do faz-de-contas futurista é que trafega gente como Celso Russomano, ou mesmo Datena (como trafegou Pitta, o negro-contador que servia a Maluf, “o rouba, mas faz”).

Gente de cara lavada e maquiada.

Gente de cabelo pintado e bem penteado.

Gente famosa.

Gente de sucesso.

Gente que promete tornar os miseráveis menos miseráveis embora ainda miseráveis.

São taboas de salvação no desespero.

Ora até se tenta o bom-mocismo petista, mas por outras tantas, se tenta a cara de São Paulo, com aquela cara que todo morador de São Paulo se identifica, com a qual, sonha, especialmente os pobres periféricos, gente de baixa renda e educação, que apenas quer ver se sobrevive até o dia seguinte, sem nunca passar pela avenida Paulista, sem ir ao cinema do shopping, sem comer pipoca no Parque do Ibirapuera.

Essa gente “não vive, apenas aguenta”.

O erro de Fernando Haddad é buscar humanizar a cidade de São Paulo

O bom-mocismo do atual prefeito paulistano, o petista Fernando Haddad, o leva a crer ser possível disciplinar, civilizar e humanizar uma cidade com 11.253.503 de habitantes.

Doce ilusão!


MALDADE EXPLÍCITA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DE HADDAD

Maldade a Haddad


A “paulicéia desvairada” – das suas elites a seus moradores de rua – ainda pensa a maior cidade do país como um feudo cafeicultor, capaz de, ainda, importar prostitutas do leste europeu e atrair espertalhões e aventureiros de todos os cantos do planeta.

É o palco ideal para o avanço do capitalismo primitivo by bandeirantes, onde, ainda, se pode enriquecer (ou pelo menos se sonha com isso) “duela a quien le duela”.

Antipatias

Se as ciclovias pintadas de vermelho estão espalhadas por cidades importantes e densamente povoadas em todo o planeta (sob aplauso geral das suas populações), em São Paulo a sua réplica é coisa de um comuno-petista que teima em tirar os espaços de carros e inibir “o direito de ir e vir das pessoas” (dentro dos carros, obviamente).

Se diminuir a velocidade em vias, como as marginais paulistanas, funciona em outros países (neste caso também sob aplauso geral das suas populações), em SP isso é encarado igualmente com uma inibição do “direito de ir e vir das pessoas” (dentro dos carros, obviamente) e mais uma complicação para o já complicadíssimo e caótico trânsito local.

Nem o bom exemplo de Londres, que reduziu em algumas vias a velocidade para coisa de 35 km/h (lá isso é medido em milhas), comove gregos & troianos, baianos & corintianos.

Embora não seja de sua alçada, imagina-se o que aconteceria com Haddad se ousasse despoluir pra valer os “rios” Tietê e Pinheiros. Deveria se refugiar, como fez um de seus antepassados, no mosteiro de São Bento para fugir da fúria plebeia?

É provável!

Desurbanização

Gestores e geógrafos detestam a ideia, para eles inoportuna, inadequada e inviável, mas a única saída para disciplinar e dar qualidade de vida às suas populações é desurbanizar as grandes cidades, o que quer dizer: forçar, via leis e impostos pesados, a diminuição de seus tamanhos.

A ideia é elitista?

Pode até ser. Mas é melhor ficar com um elitismo, que com as milhares de pessoas sofrendo e morrendo graças aos “ganhos civilizatórios” da poluição, e enlouquecendo diariamente com o caos de seu trânsito, que extrapola para comportamentos insanos e esquizofrênicos do cotidiano para além das vias públicas (e vice-versa).

Que apenas em seu tempo Haddad não conseguiria concluir uma empreitada desse porte isso todos nós sabemos.

Mas alguém tem de começar. E por que não ele?

“Duela a quien le duela”.

“Pesquisa faz diagnóstico de São Paulo no século 21”

São Paulo concentrou capacidades de comando sem perder completamente a produção industrial (foto: Leo Ramos) - Agência Fapesp.
São Paulo concentrou capacidades de comando sem perder completamente a produção industrial (foto: Leo Ramos) – Agência Fapesp.

[A região metropolitana de São Paulo tinha 4,8 milhões de habitantes em 1960. Cinquenta anos depois, eram 19,7 milhões. No período transcorrido entre as duas datas, a metrópole incorporou um acréscimo populacional equivalente a 1,3 vez a população da região metropolitana de Paris, 1,5 vez a do Rio de Janeiro e duas vezes a de Londres. No mesmo intervalo, as atividades produtivas agregadas alcançaram escala comparável à da economia do Chile.

Um grupo de pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela Fapesp – se propôs a decifrar, na medida do possível, essa esfinge urbana. O resultado é o livro A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades, que está sendo lançado agora.

A obra reúne 13 capítulos, agrupados em três seções: I) dinâmicas econômicas, estrutura social e mercado de trabalho; II) dinâmicas demográficas e segregação residencial; III) a produção dos espaços da metrópole.

“Trata-se de um livro coletivo e não de uma coletânea de artigos. Durante o processo de elaboração, o material levantado e as análises em curso foram discutidos em seminários abertos do CEM. Investigamos as transformações ocorridas em São Paulo desde a redemocratização do país, em um período que compreende as décadas de 1990 e 2000. Os dados mais recentes são os do censo de 2010, liberados em 2012”, disse o coordenador do trabalho, Eduardo Cesar Leão Marques, professor livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e vice-diretor do CEM à Agência Fapesp.

“A metrópole continua sendo fortemente desigual, mas suas desigualdades se reconfiguraram. O acesso aos serviços públicos aumentou, embora os serviços oferecidos apresentem diferenças de qualidade conforme o segmento social atendido. E principalmente as periferias, que antes agrupavam quase exclusivamente populações pobres, constituíram-se em espaços mais heterogêneos em termos sociais”, disse.

O livro destaca que São Paulo tem-se tornado uma cidade mais heterogênea, em termos produtivos, sociais e espaciais. E também uma cidade menos desigual, em termos de renda, inserção no mercado de trabalho e condições de vida. Mas que os padrões de desigualdades continuam fortes e presentes.

“Certas áreas precárias pouco melhoraram e os padrões de mobilidade urbana tendem a ser estáveis e marcados por fortes desigualdades sociais. Sob o ponto de vista de seus espaços, a metrópole continua fortemente segregada em termos de raça e classe, em uma estrutura claramente hierárquica”, escreveu Marques.

O retrato resultante da pesquisa é bem mais completo e complexo do que a imagem de uma cidade clivada pela polaridade centro-periferia, que caracterizou os diagnósticos sociológicos dos anos 1970. Se essa imagem pode ter sido precisa naquela época, ela já não dá mais conta dos processos em curso. Na nova configuração, áreas de elite cada vez mais exclusivas e fechadas coexistem com a popularização do centro histórico e regiões intermediárias e periféricas misturadas socialmente.

Outro desmentido proporcionado pelo estudo foi que o crescimento econômico do setor de serviços, especialmente dos serviços produtivos e do comércio, não provocou um esvaziamento da indústria, ao contrário do que sugeriam certas análises dos anos 1990.

“A metrópole paulistana aparentemente experimentou uma superposição de funções econômicas, concentrando capacidades de comando sem perder completamente a produção industrial”, ponderou Marques.

O balanço das duas décadas estudadas apontou o crescimento da escolaridade em todas as classes, como resultado do maior acesso às políticas educacionais. E a forte entrada de mulheres no mercado de trabalho, especialmente nas ocupações profissionais que requerem maior escolaridade e proporcionam maior rendimento.

Também o processo de favelização não se intensificou. Ao contrário, a população favelada cresceu proporcionalmente menos do que o conjunto da população. E, como tendência predominante, as condições sociais de infraestrutura das favelas paulistanas melhoraram, especialmente na última década.

Mas esse cenário menos desigual não se expressou em termos de raça. “Embora a presença dos autodeclarados não brancos tenha aumentado em todas as classes, a sua presença relativa nas classes superiores não se alterou, sugerindo a manutenção quase intocada das desigualdades raciais. Grupos de renda mais baixa apresentam menor segregação racial do que os grupos de renda mais alta”, destacou Marques.

“As décadas de 1990 e 2000 apresentaram sinais trocados em termos de emprego e pobreza. Nos anos 1990, após um momento concentrado de melhora em 1994, com a estabilização econômica, o desemprego, a informalidade e a pobreza voltaram a crescer. Nos anos 2000, esses vetores se inverteram, com a redução do desemprego e da pobreza e o aumento da formalização dos postos de trabalho”, disse.

“O balanço geral de duas décadas indica um saldo de redução da pobreza e das desigualdades medidas pela renda, assim como a diminuição do desemprego e o crescimento dos postos formais de trabalho”, sintetizou Marques.

Mobilidade urbana

Uma herança especialmente indesejável que a São Paulo do século XXI herdou da São Paulo do século XX diz respeito à mobilidade urbana. Como revelou a pesquisa, um terço dos deslocamentos ainda é feito a pé e as modalidades rodoviárias predominam amplamente na comparação com o transporte sobre trilhos.

O ônibus é o veículo público mais utilizado, respondendo por um quarto dos deslocamentos. E também aquele que apresenta tempos de viagem substancialmente mais elevados.

Essa estrutura pública de transportes, que pouco evoluiu ao longo das duas últimas décadas, coexiste com o inchaço do transporte individual, com os automóveis e os ônibus praticamente emparelhados em número de pessoas transportadas.]

Serviço

“A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades

Organizador: Eduardo Marques

Editora: Editora Unesp /CEM

Por José Tadeu Arantes para Agência Fapesp.