“A sociedade dos empregos de merda”

Trabalho
Reprodução

[Em 1930, o economista britânico John Maynard Keynes previu que, no final do século 20, países como os Estados Unidos teriam – ou deveriam ter – jornadas de trabalho de 15 horas semanais. Por que? Em grande medida, a tecnologia tiraria de nossas mãos tarefas sem sentido. Claro, isso nunca ocorreu. Ao contrário, muitíssimas pessoas, em todo o mundo, estão submetidas a longas jornadas como advogados corporativos, consultores, operadores de telemarketing e outras ocupações.

Mas enquanto muitos de nós julgamos nossos trabalhos muito aborrecidos, algumas ocupações não fazem sentido algum, segundo o escritor anarquista David Graeber. Em seu novo livro, “Bullshit Jobs: A Theory” [“Trabalhos de Merda: Uma Teoria”], o autor argumenta que os seres humanos consomem suas vidas, muito frequentemente, em atividades assalariadas inúteis. Graeber, que nasceu nos EUA e que já havia escrito, entre outras obras, Dívida: Os Primeiros 5000 anos e The Utopia of Rules [ainda sem edição em português] é professor de Antropologia na London School of Economics e uma das vozes mais conhecidas do movimento Occupy Wall Street (atribui-se a ele a frase “Somos os 99%”).

A “Vice” encontrou-se há pouco com Graeber para conversar sobre o que ele define como “emprego de merda”; por que os trabalhos socialmente úteis são tão mal pagos, e como uma renda básica assegurada a todos poderia resolver esta enorme injustiça.

Em primeiro lugar, o que são empregos de merda e por que existem?

David Graeber: Basicamente, um emprego de merda é aquele cujo executor pensa secretamente que sua atividade ou é completamente sem sentido, ou não produz nada. E também considera que se aquele emprego desaparecesse, o mundo poderia inclusive converter-se num lugar melhor. Mas o trabalhador não pode admitir isso – daí o elemento de merda. Trata-se, portanto, em essência, de fingir que se está fazendo algo útil, só que não.

Uma série de fatores contribuiu para criar esta situação estranha. Um deles é a filosofia geral de que o trabalho – não importa qual – é sempre bom. Se há algo em que a esquerda e a direita clássicas frequentemente estão de acordo é no fato de ambas concordarem que mais empregos são uma solução para qualquer problema. Não se fala em “bons” trabalhos, que de fato signifiquem algo. Um conservador, para o qual precisamos reduzir impostos para estimular os “criadores de emprego”, não falará sobre que tipo de ocupações quer criar. Mas há também partidários da esquerda insistindo em como precisamos de mais ocupações para apoiar as famílias que trabalham duro. Mas e as famílias que desejam trabalhar moderadamente? Quem as apoiará?

Até mesmo os empregos de merda garantem a renda necessária para que as pessoas sobrevivam. No fim das contas, por que isso é ruim?

Mas a questão é: se a sociedade tem os meios para sustentar todo mundo – o que é verdade – por que insistimos em que os trabalhadores passem sua vida cavando e em seguida tapando buracos? Não faz muito sentido, certo? Em termos sociais, parece sadismo.

Em termos individuais, isso pode ser visto como uma boa troca. Mas, na verdade, as pessoas obrigadas a tais trabalhos estão em situação miserável. Podem considerar: “estou ganhando algo por nada”. Bem, as pessoas que recebem salários bons, muitas vezes de nível executivo, certamente de classe média, quase sempre passam o dia em jogos de computador ou atualizando seus perfis de Facebook. Quem sabe, atendendo o telefone duas vezes por dia. Deveriam estar felizes por ser malandros, certo? Mas não são.

As pessoas contratadas para tais trabalhos relatam, regularmente, que estão deprimidas. E se lamentarão, e praticarão bullying umas contra as outras, e se apavorarão com prazos finais porque são de fato muito raras. Porém, se pudessem buscar uma razão social no trabalho, uma boa parte de suas atividades desapareceria. As doenças psicossomáticas de que as pessoas padecem simplesmente somem, no momento em que elas precisam realizar uma tarefa real, ou em que se demitem e partem para um trabalho de verdade.

Segundo seu livro, a sociedade pressiona os jovens estudantes para buscar alguma experiência de emprego, com o único objetivo de ensiná-los a fingir que trabalham

É interessante. Chamo de trabalho real aquele em que o trabalhador realiza alguma coisa. Se você é estudante, trata-se de escrever. Preparar projetos. Se você é um estudante de Ciências, faz atividades de laboratório. Presta exames. É condicionado pelos resultados e precisa organizar sua atividade da maneira mais efetiva possível para chegar a eles.

Porém, os empregos oferecidos aos estudantes frequentemente implicam não fazer nada. Muitas vezes, são funções administrativas onde eles simplesmente rearranjam papéis o dia inteiro. Na verdade, estão sendo ensinados a não se queixar e a compreender que, assim que terminarem os estudos, não serão mais julgados pelos resultados – mas, essencialmente, pela habilidade em cumprir ordens.

E os empregos tecnológicos ou na mídia. Seriam, também, de merda?

Certamente. Por meio do Twitter, pedi às pessoas que me relatassem seus empregos mais sem sentido. Obtive centenas de respostas. Havia um rapaz, por exemplo, que desenhava bâners publicitários para páginas web. Disse que havia dados demonstrando que ninguém nunca clica nestes anúncios. Mas era preciso manipular os dados para “demonstrar” aos clientes que havia visualizações – para que as pessoas julgassem o trabalho importante.

Na mídia, ha um exemplo interessante: revistas e jornais internos, para grandes corporações. Há bastante gente envolvida na produção deste material, que existe principalmente para que os executivos sintam-se bem a respeito de si próprios. Ninguém mais lê estas publicações.

A automação é vista, muitas vezes, como algo negativo. Você discorda deste ponto de vista, não?

Certamente. Não o compreendo. Por que não deveríamos eliminar os trabalhos desagradáveis? Em 1900 ou 1950, quando se imaginava o futuro, pensava-se: “As pessoas estarão trabalhando 15 horas por semana. É ótimo, porque os robôs farão o trabalho por nós”. Hoje, este futuro chegou e dizemos: ”Oh, não. Os robôs estão chegando para roubar nossos trabalhos”. Em parte, é porque não podemos mais imaginar o que faríamos conosco mesmo se tivéssemos um tempo razoável de lazer.

Como antropólogo, sei perfeitamente que tempo abundante de lazer não irá levar a maioria das pessoas à depressão. As pessoas encontram o que fazer. Apenas não sabemos que tipo de atividade seria, porque não temos tempo de lazer suficiente para imaginar.

Pergunto: por que as pessoas agem como se a perspectiva de eliminar o trabalho desnecessário fosse um problema? Deveríamos pensar que um sistema eficiente é aquele em que se pode dizer: “Bem, temos menos necessidade de trabalho. Vamos redistribuir o trabalho necessário de maneira equitativa”. Por que isso é difícil? Se as pessoas simplesmente assumem que é algo completamente impossível, parece-me claro que não estamos em um sistema eficiente.

Um dos pontos mais interessantes do livro são suas observações sobre como os empregos socialmente valiosos são quase sempre menos bem pagos que os empregos de merda.

Foi uma das coisas que, pessoalmente, mais me chocou na fase da pesquisa. Comecei a tentar descobrir se algum economista havia observado o fenômeno e tentado explicá-lo. Houve antecedentes, na verdade. Alguns eram economistas de esquerda; outros, não. Alguns eram totalmente mainstream.

Mas todos chegaram à mesma conclusão. Segundo eles, há uma tendência: quanto mais benefícios sociais um emprego produz, menor tende a ser a remuneração – e também a dignidade, o respeito e os benefícios. É curioso. Há poucas exceções e não são tão excepcionais como se poderia pensar. Os médicos, é claro, são um caso notório: é evidente que são pagos com justiça e oferecem benefícios sociais.

Porém, há um argumento recorrente: “Não seria bom que pessoas interessadas apenas em dinheiro ensinassem as crianças. Não se deve pagar demais aos professores. Se o fizéssemos, teríamos gente gananciosa na profissão, em vez de professores que se sacrificam”. Há também a ideia de que se um trabalhador sabe que sua atividade produz benefícios, isso pode ser o bastante. “Como, você quer dinheiro, além de tudo?” As pessoas tendem a discriminar qualquer um que tenha escolhido um emprego altruísta, sacrificante ou apenas útil.

Aparentemente, você é pouco favorável à ideia de garantia de trabalho, defendida entre outros por Bernie Sanders [candidato de esquerda à presidência dos EUA], por preferir a garantia de renda cidadã.

Sim. Sou alguém que não quer criar mais burocracia e mais empregos de merda. Há um debate sobre garantia de trabalho – que Sanders, de fato, propõe, nos EUA. Significa que os governos deveriam assegurar que todos tenham acesso ao menos a algum tipo de trabalho. Mas a ideia por trás da renda universal da cidadania é outra: simplesmente assegurar às pessoas meios suficientes para viver com dignidade. Além desse patamar, cada um pode definir quanto mais deseja.

Acredito que a garantia de trabalho certamente criaria mais empregos de merda. Historicamente, é o que sempre acontece. E por que deveríamos querer que os governos decidissem o que podemos fazer? Liberdade implica em nossa capacidade de decidir por nós mesmos o que queremos e como queremos contribuir para a sociedade. Mas vivemos como se tivéssemos nos condicionado a pensar que, embora vejamos na liberdade o valor mais alto, na verdade não a desejamos. A renda básica da cidadania ajudaria a garantir exatamente isso. Não seria ótimo dizer: “Você não tem mais que se preocupar com a sobrevivência. Vá e decida o que quer fazer consigo mesmo”?]

David Graeber, entrevistado por Eric Allen Been, na Vice,  tradução: Antonio Martins, para Outras Palavras.

Exploração do trabalho se dá até por quem teria o dever de combatê-lo

Justica
Canal Ciências Criminais – JusBrasil (ilustração alterada)

Quando foi implantada a Comarca de Cotia várias pessoas, especialmente jovens escolarizados, entre eles, eu, foram “convidado” a ajudar na sua implantação, quer dizer, para trabalhar de graça para a justiça.

E ainda tínhamos de levar as nossas próprias máquinas de escrever (não existia computador na época) para desenvolvermos nossa jornada de trabalho pelo bem de alguma coisa a qual eu nunca descobri ao certo qual seria.

Muita gente “botou terror” dizendo que se alguém não atendesse a tão nobre chamamento, recusando-o e por lá não comparecesse, teria sérios problemas com a lei e poderia ser até preso.

Eu não fui e também nunca fui preso.

Pelas experiências passadas, que me levaram a trabalhos não remunerados para Tribunal Regional Eleitoral (TRE), já antevia a cena e como nós receberíamos como paga pela jornada escravizante um sanduiche de mortadela e um refrigerante provavelmente quente, além de termos de arcar com os nossos próprios deslocamentos até o local indicado.

Para adoçar nossa boca durante a árdua e estafante jornada nos serviriam um cafezinho frio, vindo do fundo daquelas famigeradas garrafas térmicas.

O TRE me convocou três vezes para as eleições. Duas vezes como mesário – fui a ambas. A terceira vez como presidente da mesa. Declinei.

Também daquela vez alguém disse que eu teria problemas com lei, que não poderia faltar e patati e patatá.

Tudo uma imensa bobagem! O tribunal não têm qualquer controle para conferir quem vai ou deixa de ir, e mesmo que tivesse e nos cobrasse pela falta não teria qualquer poder para nos punir.

Portanto, como se vê, nunca me transformei em um foragido da justiça.

Tenho implicância com essas histórias de trabalhos voluntários, especialmente os “voluntários obrigatórios” como os citados acima.

Temos de ter ciência de que vivemos num país pobre, aliás, paupérrimo, e pedir voluntarismo para qualquer um soa como um acinte, como um desrespeito – a menos que o sujeito tenha muito dinheiro e/ou alguma conta a pagar junto à sociedade.

“Ascenso y caída del hombre-trabajo – Para una crítica de la masculinidad moderna”

Escravidao
Crédito da foto: Congresso em Foco – Uol

[La crisis del trabajo es también una crisis de la masculinidad moderna, puesto que la identidad del hombre moderno-burgués está constituida y estructurada fundamentalmente como trabajador. El hombre moderno burgués está constituido y estructurado en su identidad como hombre-trabajo. Como alguien emprendedor, creativo, decidido, racional, eficiente y objetivo y que siempre quiere ver un resultado mesurable. Eso no siempre debe suceder “con el sudor de su frente”. En relación a esto la identidad masculina moderna es absolutamente flexible, el hombre trajeado en la junta directiva, en la gestión empresarial o en el gobierno se comprende como hombre de acción tanto o más que los trabajadores de la construcción, en la cadena de montaje o al volante de un camión. Los últimos, pasados de moda como ideales de orientación profesional masculina, quedan reservados para quienes no pudieron superar los obstáculos sociales en su camino a los puestos altos. Sin embargo, a nivel simbólico sirven como representación de la verdadera masculinidad. Hombres musculosos, semidesnudos, con grandes llaves de tuercas o martillos en las manos, embadurnados con aceite, pero por lo demás realmente asépticos clean ante la estetizante escenografía del taller mecánico o los hornos incineradores, son los íconos de la masculinidad moderna.

Cuando con estas imágenes de hombre se hace publicidad para los trajes de diseño y perfumes masculinos, el objetivo es despertar las fantasías y deseos de identificación que están firmemente anclados en las capas profundas de la construcción de identidad masculina. Por eso pueden, tanto el empleado de una aseguradora flaco y pálido o el gordo y jadeante jefe de ventas de una firma de gaseosas, identificarse con el hombre musculoso. Aquellos cuerpos son imágenes oníricas inalcanzables, a las que nunca se aproximarán. Pero lo decisivo es que, en términos psíquicos, la musculatura y el cuerpo formado y moldeado de manera escultural representan para ellos lo anhelado: el ejercer poder. Poder sobre los otros, sobre el mundo, sobre ellos mismos. Claro que por lo general en la realidad se trata de un poder miserable, como ejercer el mando sobre algunos pocos empleados, o imponerse con una nueva marca de gaseosas en el mercado o el alzar las ganancias en relación al año anterior. Además este poder es extremadamente precario ya que está constantemente amenazado y demandado, porque depende no solo del poder imponerse  en la competencia, lo que siempre puede fracasar, sino al mismo tiempo de la coyuntura del mercado que no influye individualmente. Pero es justamente, a causa de esta inseguridad constante, que el hombre necesita de la constante y agresiva  autoafirmación de su identidad.

No es el blindaje muscular como tal lo que hace del hombre un hombre moderno. Más bien, aquél simboliza una dureza relacionada principalmente al dominio de sí mismo y al (auto) adiestramiento psíquico. Un “verdadero hombre” tiene que ser fuerte, ante sí mismo y ante los otros. Unos biceps fuertes son el símbolo de autocontrol, disciplina y denegación y simbolizan el poder de la voluntad sobre el propio cuerpo. El espíritu está bien dispuesto, pero la carne es débil -y por eso, primero debe dominarla (o domesticarla), si el hombre quiere mantener todo bajo su dominio. En esto yace la diferencia con la idea de la antigüedad, según la cual en un cuerpo sano vive una mente sana. Aunque allí se anunciaba ya la separación enajenada entre cuerpo y mente, fue una relación de equilibrio. Por el contrario, en la modernidad tienen prioridad el autocontrol y sumisión del cuerpo bajo la mente. La “voluntad libre” que se supone independiente de toda sensualidad y que, justamente por negarla, tiene que combatirla permanentemente, viviendo un miedo espantoso por perder esta batalla, representa el núcleo socio-psíquico de los hombres burgueses.

El trabajo de la desensualización

Precisamente de esta manera la identidad masculina moderna concuerda con los requerimientos del trabajo en la sociedad capitalista basada en la producción de mercancías. Pues el trabajo en el capitalismo es en esencia una actividad desensualizada y desensualizante, en más de un sentido. Primero, su objetivo no es la producción concreta de objetos de uso, sino la producción de mercancías como medio para la valorización del capital. Por consiguiente, la producción de objetos no cuenta como tal, como producción de cosas en su calidad material-sensible, sino sólo en tanto representan valor y de ese modo contribuyen a hacer más dinero del dinero. El aspecto material de una mercancía es, desde esta perspectiva, un mal necesario del que lamentablemente no puede liberarse, ya que no encontraría comprador. Esto va acompañado, en un segundo sentido, por una indiferencia fundamental para con los medios de subsistencia naturales, que sólo son considerados como material para la valorización y que son consumidos desconsideradamente, cuando bien conocido es que esto causa catástrofes monstruosas, que amenazan la existencia de varios millares de personas. Tercero, el trabajo es actividad desensualizada en tanto tiene lugar en una esfera separada de las demás esferas de la vida, donde rige tan sólo el dictado de la eficiencia empresarial y de la rentabilidad y no deja lugar para necesidades y sentimientos ajenos a dicho dictado.

En cuarto y último sentido, el trabajo en esta forma representa, sin embargo, no sólo un modo de producción histórico específico, sino que también determina todo el contexto social de manera fundamental. No sólo transforma cuantitativamente todos los ámbitos de la vida en esferas para la producción de mercancías y la inversión de capital. Sino que, también, el trabajo la sociedad capitalista representa el principio central de mediación de las relaciones sociales, una mediación objetivada y alienada. Porque las personas no se relacionan de manera directa comunicándose entre sí, sino de manera no consciente a través de los productos del trabajo o vendiéndose a sí mismas como fuerza de trabajo. La mediación a través del trabajo significa, por lo tanto, la sumisión de las personas bajo las leyes implícitas de la valorización, las cuales obedecen a una automatizada dinámica propia y aparentan ser leyes naturales inviolables –a pesar de que se trata de su propia forma de relación social.

El mundo, un objeto ajeno

La amplia imposición de esta forma de actividad y relación social, única históricamente, no hubiera sido posible sin la creación de un determinado tipo de hombre, que se corresponda con ella y garantice que ella funcione adecuadamente. Porque, aun siendo una forma de relación objetivada, ésta no existe independientemente de los individuos, sino que ella debe atravesarlos y ser reproducida activamente una y otra vez. Este tipo de hombre es el sujeto-trabajo y sujeto-mercancía, cuya característica central es que concibe al mundo como un objeto completamente exterior y ajeno. Su relación con su contexto social y natural, con los otros seres humanos e incluso con su propio cuerpo y su propia sensualidad es una relación cosificada, una relación con cosas que deben ser elaboradas, organizadas y tratadas objetivamente según su voluntad. El sujeto moderno quiere gestionar hasta sus sentimientos y regularlos de acuerdo a los re requerimientos funcionalistas –exigencia que no abandona, aunque fracase periódicamente a pesar de una impensable cantidad de libros de autoayuda.

Esa forma moderna de referenciarse al mundo y a uno mismo se vuelve totalmente evidente, donde uno se vende como fuerza de trabajo y con ello renuncia a su poder de disponer sobre sí mismo y se somete directamente al dictado de la lógica de la valorización. Sin embargo, incluso quien trabaja a cuenta propia de ningún modo escapa a esta lógica, sino que se somete igualmente a la coacción para abstraer de sus necesidades sensuales como también del carácter material-concreto de sus productos, que para él representan tan sólo valor de cambio. Lo decisivo es que no se trata de un acto de sumisión pasiva bajo una coacción meramente externa, sino que la subjetividad moderna está estructurada de acuerdo a dicha coacción. Solo de esta manera puede cumplirse la obligación, de funcionamiento continuo, de objetivación y auto-objetivación a lo largo de todo el proceso de trabajo sin que un traficante de esclavos blanda el látigo. La coacción externa se corresponde con una interna. Exactamente por eso el patrón de conducta y acción objetivante no permanecen de ningún modo restringidos sólo a la esfera del trabajo y la economía, sino que tiñen todo un entramado de relaciones sociales. Esto, a la larga, se vuelve insoportable, porque requiere sostenidos esfuerzos y el confrontarse a la amenaza permanente del fracaso. El moderno sujeto-trabajo y sujeto-mercancía odia profundamente a todos aquellos que salen perdiendo o simplemente se rehúsan a aceptar aquellas coacciones.

El hombre hace a la mujer

La ética protestante del trabajo ha  “inventado” este estereotipo de hombre que se abstrae de su sensualidad y se vuelve a sí mismo instrumento para alcanzar un éxito objetivado, como ideal. A nivel ideológico, esta ética adelanta, en un momento en el que el modo de producción capitalista recién comienza a imponerse en pocas islas en el mar de la sociedad feudal, el perfil de exigencia válido para la relación social mediada por el trabajo y la forma mercancía. Al mismo tiempo contribuyó considerablemente a imponer este perfil en la sociedad entera. En la historia real pasaron siglos hasta que el estereotipo de hombre que respondía a estas demandas tomó forma y se convirtió en la norma. Toda la historia del capitalismo naciente y de su consolidación es una historia del violento disciplinamiento y auto-disciplinamiento del hombre como sujeto-trabajo y sujeto-mercancía. Por cierto que a la vez es la historia de una tenaz resistencia a esta violencia, resistencia que finalmente fue suprimida y derrotada.

Que la subjetividad moderna a lo largo de este proceso haya sido determinada en términos de género, de modo que ella se correspondiera con el tipo de identidad masculina moderna, se explica históricamente primero por el antecedente de dominación patriarcal, sobre la cual se funda la sociedad capitalista, perpetuando y transformando aquella dominación. Sobre todo, la identificación del hombre con la razón abstracta y de la mujer con la sensualidad, que en ella será al mismo tiempo despreciada, anhelada y combatida, sigue una larga tradición, que viene desde la Antigüedad griega y que el cristianismo reinterpretó y desenvolvió de acuerdo a sus necesidades. Mas en la sociedad capitalista, esta construcción ganó una importancia nueva y central, a medida que la relación abstracta y objetivada con el mundo se convertía en el modo general de socialización. Por eso se conecta de una manera muy fundamental con la base de la estructura social. El adiestramiento de los hombres como actores objetivantes retoma distintos elementos de la masculinidad patriarcal de la construcción previa; además de la identificación con la razón, se trata sobre todo de la identificación con los guerreros, los violentos conquistadores. Sin embargo en vistas de la cosificación de todas las relaciones sociales estos elementos son reordenados hasta constituir una identidad “del hombre” coherente y cerrada en sí misma.

Esto no hubiera podido lograrse, sin la creación de una contra identidad femenina, que reúna en sí todos esos rasgos que el sujeto moderno no puede tolerar en él, porque no caben en el sistema de coordenadas de la construcción identitaria masculina y que éste debe, por lo tanto, escindir de sí, proyectándolos. Sobre esto se basa la construcción de un “otro” femenino, la mujer sensible, emocional e instintiva, la que no piensa lógicamente y no puede poner un clavo en la pared y por esto tiene que preocuparse de los chicos, las tareas domésticas y del bienestar de su marido. Con la invención de ese “otro” el sujeto masculino no sólo estabiliza su identidad. También instala y legitima con ella una división genérica del trabajo, que es sumamente funcional a las tareas capitalistas, ya que le quita un peso de encima al hombre-trabajo, quien separado de la vida cotidiana agota sus fuerzas en la esfera del trabajo y la producción de mercancías.

El hombre trabajo en la crisis

Aunque esta construcción de la femineidad ha sido puesta en duda, por un lado, mediante la amplia inclusión de las mujeres en el proceso de trabajo capitalista y, por otro lado, por el movimiento feminista, se sostiene en su esencia con sorprendente tenacidad. Las mujeres consiguieron obtener las posiciones sociales anteriormente reservadas para los hombres sólo al precio de adaptarse a la normas de trabajo inscriptas como “masculinas”, competencia y rendimiento. Considerando la totalidad social, al mismo tiempo permanece como su responsabilidad principal el atender la casa e hijos y está omnipresente la objetivación de los cuerpos femeninos para las fantasías sexuales masculinas, como demuestra una mirada en la vitrina de cualquier puesto de diarios o en la publicidad.

Esta perseverancia de las identidades de género capitalistas polares puede sorprender a primera vista. Pero, mientras el contexto social se constituya en forma de cosificada por medio de la mercancía, el dinero y el trabajo, sobrevivirá también la correspondiente forma de sujeto inscripto masculinamente. También el proceso de crisis actual que expulsa a los seres humanos del proceso de trabajo o los fuerza a aceptar condiciones de trabajo precarias, en ningún caso invalida las identidades de género capitalistas polares. Aunque poniendo en duda el trabajo la como uno de los pilares esenciales de la identidad masculina, la crisis al mismo tiempo agudiza la competencia en todos los planos de la vida cotidiana. Bajo estas condiciones, sin embargo, aparecen más demandadas que nunca las clásicas características de la masculinidad moderna como dureza, capacidad de imponerse y desconsideración. Por lo tanto, no puede sorprender que el culto a la masculinidad esté nuevamente en esplendor –incluso asociado a la violencia sexista y racista. Por lo tanto especialmente bajo el proceso de crisis, la crítica de subjetividad moderna estructurada masculinamente es esencial para abrir una nueva perspectiva de emancipación social.]

Norbert Trenkle

Publicado en Herramienta web 21 (2017), (Original en alemán 2008)

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Traducción de Silvia Said Algaba

In Krisis

Será que a moça do bar é tão alienada assim como achamos?

O chapeu
O meu chapeuzinho, segundo a moça do bar, que se preocupou com que eu não o esquecesse

Hoje “garrei” conversa com uma moça de, no máximo (não perguntei), uns 25 anos e que toma conta de um bar nas proximidades da prefeitura de Cotia.

Toma conta” é literal, pois a jovem chega logo cedo, abre o estabelecimento, o limpa, prepara sanduíches e salgadinhos, serve-os e ainda permanece por lá até o início da noite.

A “patroa” praticamente não aparece, o que revela a sua confiança na garota; aparece apenas para falar mal do PT e “fechar o caixa”.

A menina mesma reconhece que a sua vida é um bocado medíocre, mas fazer o que? Ela tem de sobreviver.

Ela usa aliança na mão esquerda, uma tática que muita mulher solteira e bonita (vale para as feias também) usa para fugir dos chatos, das machistas e de outros tipos de homens inoportunos.

Mas não me parece ser este o seu caso. Não sei se ela conhece essa tática de dispersão e despistamento. Creio que não.

A conversa derivou-se para a política e ela ficou contente com a minha opinião de que se Lula conseguir se candidatar ele deve ganhar o pleito do ano que vem para a presidência da república.

Foi aí que ela se lembrou de que a “patroa” vive a falar mal do Lula e do PT (“tem ódio”) e tenta fazer a sua cabeça contra ambos.

Creio que se acontecer o contrário (votar em Lula e no PT) a jovem corre sério risco de ser despedida, mandada embora, pois esse tipo de patroa é bem capaz disso. Isso se chama despeito

A jovem do bar chamou Temer de “perverso” embora não tenha se alongado nesta conversa, pois disse que não entende nada de política. Ela tem apenas uma percepção, uma espécie de estalo de que tudo não está indo bem (apesar de seu  trabalho), muito pelo contrário: quase ruindo – ou nos versos de Caetano Veloso “tudo está demorando em ser tão ruim”.

Mas fez um reparo importante: ”eu deveria saber mais sobre política” – até para se defender (da patroa), é óbvio.

Gente assim é taxada de alienada, como se a percepção das pessoas não tivesse importância alguma.

Mas será mesmo que podemos dizer que a jovem do bar é alienada, ou apenas ligeiramente desinformada?

Ao final de nossa conversa ela foi bastante gentil e atenciosa e ainda se lembrou de meu “chapeuzinho” e pediu para que eu não o esquecesse.

As mazelas da terceirização à brasileira

manipulacao-em-massa

Só para começar por algum lugar digo (na verdade, reafirmo) que não tenho nada, absolutamente nada contra a terceirização, até porque vivi boa parte da minha vida profissional terceirizado.

Mas ontem tinha um sujeito reclamando (ele veio instalar na minha internet) de ser um trabalhador na condição de terceirizado.

De acordo com o jovem profissional, há algum tempo ele era funcionário “de carteira assinada” da empresa Vivo, quando entrou a onda da terceirização no Brasil , ele acabou perdendo o seu “emprego estável” e teve de se virar como motorista do Uber.

Segundo o profissional, por pressão da também jovem esposa deixou o “trabalho inseguro” de motorista de Uber para aceitar uma proposta de uma empresa (cujo nome não me lembro mais) que presta serviços para a Net.

Disse ele ainda que a sua jovem esposa assustou-se como o primeiro salário que jovem terceirizado recebeu (e que continua assim mesmo, segundo seu testemunho).

Alinda de acordo com seu depoimento, a cada trabalho concluído (que praticamente ocorre apenas uma vez ao dia) o sujeito ganha um ponto de bonificação, que após determinado acúmulo de pontos resulta em aumento salarial.

Mas, sempre tem um mas, caso o “cliente” reclame por qualquer razão, o terceirizado perde (é penalizado) 3 pontos, o que, mais ou menos, representa que dificilmente o sujeito vá conseguir aumentar o seu próprio salário.

A rigor nada disso deveria ser surpreendente, a não ser o baixo salário.

A pontuação nada mais representa a eficiência (ou não) do profissional. Se você não “erra” certamente deveria ter bons aumentos e até a chance (que são raras) de “subir dentro da empresa” .

Mas a remuneração realmente é bastante baixa para um serviço tão especializado como o dele (R$ 1.500,00) e o sistema de pontuação nesses moldes, não proporcional – 1 contra 3 – é bastante escravizante e na prática representa que o terceirizado fica preso numa roda viva, patinando num mesmo lugar, apenas esperando para, mais cedo ou mais tarde, ser dispensado.

São as mazelas desse nosso capitalismo de periferia, típico de quem (as empresas, no caso) apenas busca formulas de explorar o trabalhador e até de lesar o consumidor com trabalhos de baixa qualidade.

Quando Dilma Rousseff defendeu a projeto de regulamentação da terceirização – dos meios e não dos fins -, certamente ela estava prevendo algo mais substancial ao trabalhador e à trabalhadora brasileiro/a.

Uma salvaguarda mais civilizada tal como ocorre em países de capitalismo avançado (EUA, Grã-Bretanha, França, por exemplo) e para algumas profissões (minoria) aqui mesmo no Brasil.

Está aí uma boa explicação (entre outras, obviamente) para a queda da presidente Dilma Rousseff.

“’Trabalhar para sobreviver não será mais necessário’, diz empreendedor”

Peter
Crédito da foto: Wikipedia

[O empresário Peter Diamandis crê que o avanço tecnológico criará um mundo em que não será preciso trabalhar para sobreviver.

O barateamento da energia, da comida, do transporte e da informação permitirá um mundo em que as necessidades básicas poderão ser supridas por uma renda mínima distribuída a todos. O trabalho estaria assim ligado apenas à busca de realização.

A entrevista é de Felipe Oliveira, publicada por Folha de S. Paulo, 25-06-2017.

Cofundador da Singularity University, escola de negócios do Vale do Silício, Diamandis busca ensinar empreendedores a usar a tecnologia para enfrentar problemas globais. Ele virá ao Brasil participar do 7º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, promovido por CNI e Sebrae, na terça-feira (27).

Eis a entrevista.

O sr. apresenta uma visão muito otimista de nossos tempos. Como ser positivo sem ser ingênuo?

Muitas pessoas tendem a romantizar o passado, acreditando que ele era muito melhor do que foi. Estamos vivendo no que é provavelmente o período mais extraordinário da história.

Se observar o último milênio, verá que ele foi marcado por fome, guerra e pragas. [Mas no século passado] o preço da comida foi reduzido à 13º parte do que era. Hoje, a obesidade mata muito mais do que a desnutrição.

Vivemos no período mais pacífico da história, o número de homicídios é muito mais baixo do que há 50 anos, as chances de você morrer de modo violento são 1/500 do que eram na Idade Média. Antes, um vírus poderia matar milhões de pessoas, dizimar metade de um país. Hoje, mesmo a gripe aviária ou a gripe suína matam menos de uma centena de pessoas. Temos todas as razões para sermos otimistas quando analisamos os dados.

O que move transformações?

O mundo não está mudando por termos melhores políticos ou estarmos ficando mais espertos, mas devido às ferramentas e tecnologias que criamos. Temos melhor capacidade de comunicação, poder computacional, ferramentas no campo da biologia, inteligência artificial, robótica.

Antes, apenas grandes corporações e governos poderiam solucionar problemas. Hoje, indivíduos têm esse poder. E é isso o que empreendedores fazem.

Como ter certeza de que a tecnologia não será para o mal?

Não podemos ter certeza. Mas, se observar a realidade, verá que ela é usada mais para o bem do que para o mal.

O problema é que a mídia está constantemente olhando para as notícias negativas. Ela faz isso porque nós evoluímos para prestar dez vezes mais atenção às notícias negativas do que às positivas.

Não há ninguém do lado de fora do aeroporto de São Paulo noticiando que não ocorreu nenhum acidente hoje. O que se ouve são apenas notícias ruins, o que nos dá a sensação de que vivemos em um mundo que está falling apart. Mas o fato é que existem aplicações extraordinárias de tecnologia sobre as quais nunca desmoronando.

Qual a função de empreendedores e empresas para inovar?

Para mim, para ter um grande avanço de verdade, é preciso tomar muito risco. Antes de se provar realidade, o que existe é uma ideia maluca.

Os empreendedores são quem geralmente está disposto a aceitar esse risco, porque eles têm menos a perder. Por outro lado, as grandes empresas podem encontrar essas ideias criadas por empreendedores e torná-las disponíveis para muito mais pessoas.

Como a inteligência artificial vai afetar os empregos?

Não sei exatamente e acredito que ninguém sabe se ela irá criar desemprego. A verdade é que vai destruir trabalhos, algo que estamos sempre fazendo conforme a tecnologia se torna melhor.

Mas também inventamos novos trabalhos para substituir os que não existem mais. Então a questão é, vamos criar novos empregos para substituir os que serão perdidos? Talvez. Eu acredito que as pessoas vão atuar em parceria com a inteligência artificial de novas maneiras.

O sr. defende uma renda mínima universal. Qual é a importância da medida?

Isso irá separar ganhar dinheiro para sobreviver de trabalhar. Você terá um trabalho que é aquilo de que gosta de fazer e receberá o dinheiro para pagar sua comida, transporte e saúde a partir de uma renda mínima universal. A tecnologia irá prover melhor saúde e educação, reduzir o custo de energia, de água. Vamos desmonetizar o custo de vida substancialmente.

Já há sintomas dessa redução de custoso?

Sim. Por exemplo, há um grande movimento para o desenvolvimento de carros elétricos autônomos. Daqui a dois ou três anos, se locomover a partir de um carro desses em serviços como Uber será 10 vezes mais barato do que ter um carro.

Vimos o preço da informação e telecomunicações chegar a efetivamente nada. Hoje, uma pessoa em país pobre na África pode comprar um celular por US$ 40 e ter, de graça, GPS, câmera de alta definição, biblioteca de livros. Alguém que é muito pobre consegue acessar algo que nós dois, há 200 ou 30 anos, teríamos de pagar milhões de dólares para ter.]

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Texto publicado em IHU/Unisino.

Todo mundo diz que eu preciso parar de trabalhar… então, bora, parandooooo

IMG_20141011_134100277Hoje pela manhã encontrei um sujeito na fila daquelas farmácias que existem dentro de postos de saúde e de hospitais onde você pega medicamentos de graça.

Conversamos um bocado. Ele estava lá pegando remédios (disse ele) para sua mãe que infartou (assim como eu), colocou marca-passo (como vou ter de colocar) mas precisa, mesmo assim, tomar uma porção de medicamentos até os fins de seus dias (e eu também).

Não era um sujeito (assim como eu) que necessitasse pegar remédios de graça, mas como isso virou um direito, pegamos.

Aliás, fiquei surpreso por descobrir que muita gente (mas muita gente mesmo) que, em tese, poderia pagar pelo próprio medicamento se socorre dessas farmácias em postos e hospitais públicos, bem como das “farmácias populares”, onde você consegue bons descontos e em alguns casos (como ocorre como um dos remédios que sou obrigado a tomar) até grátis – lembrando que essas farmácias são privadas, e não públicas.

Das distorções

Essas (entre muitas outras) iniciativas, digamos assim populares (outros quererão dizer: populistas) são uma das muitas coisas da “Era Lula” que o Temer promete acabar.

As farmácias populares (que são privadas – lembremos sempre) devem ser “descontinuadas” em agosto ou setembro – não sei ao certo quando.

Segundo Temer, o programa será passado para os estados e municípios.

Já sabemos, portanto, o que vai acontecer com o programa “populista” da “Era Lula”.

Nunca provoquei (meu índice de perversidade não chega a tanto) mas é mais ou menos fácil perceber que gente (de todas as classes sociais) que se valeu dos “populismos” petistas bateu panela contra a Dilma, pediu e pede a prisão de Lula e reza pela extinção do Partido dos Trabalhadores.

Do trabalho

A questão aqui, no entanto, não é política ou ideológica (embora eu sempre passe por elas), mas de trabalho, ou melhor, da desnecessidade do trabalho como desculpa para que sobrevivamos.

O sujeito em questão – citado acima – disse o mesmo que o cardiologista que me acompanha, assim como disse a psicóloga que cuida da minha conturbada cabeça: deixe de trabalhar. Você nem precisa mais disso, então está trabalhando a toa. Hora dessas você vai ter uma novo infarto e morrer.

Eu sempre trabalhei por obrigação – não por obrigação moral – mais sim por ter que colaborar – “ajudar em casa” – ou mesmo sustentar algumas pessoas.

Ovos todos fritos, eu sempre achei uma chatice desumana ter de trabalhar; e – ao pé da letra e da lógica – sempre encarei o trabalho como um troço vergonhoso e desnecessário.

Mas parece que aí, também, somos frutos de nosso meio e, portanto, das nossas circunstância.

Tenebroso saber disso.

Teríamos sim outras formas de viver, por exemplo, pescando e caçando e esperando que alguma coisa nasça para poder, por exemplo, comer.

O trabalho é insano e eles – o neo amigo, o cardiologista e a psicóloga – têm razão: deveria eu para de trabalhar é viver de tédio, até mesmo do ócio não criativo.

Mesmo que fosse pra morrer de preguiça.

O trabalho é a forma mais cruel de escravidão e a classe trabalhadora não consegue retomar a sua liberdade que nunca teve

Charles
Reprodução

Boa parte das pessoas que conheço não trabalha.

Creio que esse seja o caso da maioria. Principalmente gente pobre.

Pelo menos essas pessoas não tem aqueles trabalhos formais, com horário para entrar e para sair e para o almoço.

Isso é um troço bastante horrível. É escravidão mesmo.

Não que eles tenham preguiça,  algum tipo indisposição ou vivam às expensas do governo para sobreviver.

Boa parte dessa gente (especialmente essa gente pobre) não está interessada em se submeter a algum tipo de patrão (seja o governo, seja a iniciativa privada).

Talvez também não possam e/ou não consigam; não tenham “competência” e qualificação pra tanto – seja lá o que isso queira dizer.

Algumas dessas pessoas também nem sabem que o governo pode dar um “ajudinha” – tipo “bolsa família” ou algumas dessas distorções populistas do gênero  – e creio (pelo menos aqueles que eu conheço) que nem estariam muito interessadas em ajuda alguma.

Talvez isso seja visto como uma humilhação.

Alguém já cantou isso em prosa e verso (talvez em verso).

Às vezes é possível encontrar pessoas defendendo o Estado – são os “estatistas” que não conseguem viver sem uma ajudinha da “união”.

Esse tipo de desvio de caráter compreende desde o rico/milionário (que quer facilidades para explorar a população e a natureza [com a ajuda do Estado, óbvio]), até os remediados e a pobreza em geral que não consegue ver uma outra saída sem aquele apoio e proteção estatal para sobreviver.

Pra falar a verdade nunca  entendi esse tipo de comportamento.

E acho que nunca vou entender.

Das distorções

Com a ajuda no Estado (esse irmão siamês da iniciativa privada, e portanto opressor e explorador também) foi dado à classe trabalhadora (não sem muita luta e reivindicação, é verdade) alguns feriados e o tal do “gozo” das férias.

Um horror tudo isso!

Uma forma de enganar gente incauta e deixa-las eternamente dependentes dos empregos, que mais castram do eu promovem, e que nunca são “regiamente remunerados”, pois a boa (auto) remuneração (ou seja, ganho efetivo) apenas advém do justo domínio do trabalho, e não o contrário.

Particularmente tenho uma antipatia visceral pelos feriados.

Posso mal a cada um – nós temos dois este mês -; chego a entrar em depressão.

Isso desde sempre.

E olha que também, desde sempre, praticamente nunca dependi dos feriados e das férias para viajar ou para não fazer nada.

Quando adolescente costumava acabar nos lugares mais inóspito possível, mais ou menos das vésperas de natal para apenas voltar depois de reis.

E costumava viajar amiúde durante boa parte do ano, assim que me desse na telha e na vontade.

Era a minha forma de libertação. De liberdade.

Trocando em miúdos: meu jeito de ser vadio.

Como muito orgulho e um bocado dedicação e afinco.

PEC da Previdência Social é peça de negociação com o Congresso

temer-escuro

Segunda-feira Michel Temer recebe as centrais sindicais para mostrar as propostas do governo para a reforma da Previdência Social.

Na terça, a PEC será levada ao Congresso.

As propostas da PEC são consideradas duríssimas, mas seguem uma lógica de negociação.

Entende o governo, e está correto neste ponto, caso fosse uma PEC “mais amena” teria, mesmo assim, de ser negociada com o Congresso nacional e o texto acabaria, por fim, bastante mutilado e perderia o propósito buscado (que é o de ferrar o trabalhador).

Um texto mais duro também levará a uma intensa e longa negociação, mas o que se perder estará dentro das expectativas do próprio governo (que é o de ferrar o trabalhador).

“Enquete anti-operária”

Crédito da foto: www.revistabula.com
Crédito da foto: http://www.revistabula.com

[Quanto mais eu resisto, mais clientes há, quanto mais me expresso, mais vendas eu faço. Quando mais luto, mais lucro faço.

Abrir a porta, ligar a luz, esquentar a água, checar as geladeiras, colocar as cadeiras pra fora, limpar as mesas, acender as velas, por pra fora os cinzeiros, verificar o caixa, contar o troco, cortar os limões, colocar música, lavar os copos, ligar o ventilador, despejar a cerveja, misturar os drinks, servir os clientes, ouvir suas histórias, confortar suas solidões, fazer o gelo, limpar o balcão, contar uma piada, pegar o dinheiro. O chão está molhado, a mesa de sinuca riscada, dardos entortados, cinza no sofá, fumaça no ar, copos quebrados, carteiras roubadas, roupa rasgada. A noite é longa e cheia de terrores.

Zumbis de olhos vermelhos misturam-se lentamente pelo ambiente, gorgolejando líquido nonsense. Eles exigem combustível, e meu trabalho é servir. Eu libero barris de suco de afogamento de tristeza e esquecimento para hordas de animais sedentos. Os primeiros são velhos, a maioria homens, sozinhos, falando sem parar, como uma televisão que você não pode desligar. Concordo com a cabeça e tento parecer ocupado, fazendo de conta que escuto, o que acaba sendo uma escuta de verdade. Ouço histórias de trabalho, família, perda; de esportes, tempo e sexo. Falam dos velhos tempos antes do Muro cair, ou antes do Muro existir; de viver no Ocidente, era melhor, era pior; dos squats, punk, e os autonomen; de todos os imigrantes, os gregos, espanhóis e portugueses; os judeus, árabes, e turcos; os russos e poloneses, tchecos e sérvios; os refugiados da Síria, Somália e Sudão; da guerra e morte, partidos e política. Ouço sobre a nova Berlim, pobre mas sexy, com capital cultural suficiente para competir com o Brooklyn: cheia de arte de rua, startups e estrelas. Meio litros de pilsen escorrem abaixo como água para esses proletários e punks veteranos da República Federal.

Mais tarde, quando o sol se põe, os jovens chegam como moscas em uma lâmpada: os garotos baladeiros da Inglaterra, França e Austrália; os estudantes do México, Canadá e Japão; os trabalhadores de TI da Suíça, Suécia e Dinamarca. O barulho alcança o ponto máximo. O ar é impenetrável. Suo, corro, caio, pego, dou, sirvo, derramo, limpo e tento me tornar pura força de trabalho. Mas eles querem a pessoa inteira: os ouvidos que escutam, a voz que responde, os olhos que olham para trás, e as mãos que sentem os dedos através das notas. Tento não pensar, mas sou formado como pensador na minha outra vida, então meus pensamentos me dominam, disparando indiscriminadamente em clientes desavisados. Trechos de conversas suspensos no ar nas quais intervenho com conclusões aleatórias, na esperança de uma gorjeta melhor. Alguns ativistas debatem a morte da esquerda; alguns fãs de futebol discutem o declínio do seu time. Lutadores turcos, conspiradores franceses, traficantes americanos estão presos a um viciante jogo de pebolim. Policiais batendo na porta, vizinhos chamando, chefes gritando, mesas caindo – preciso de um novo emprego.

O bar onde trabalho fica em Kreuzberg, Berlim, um velho bar de roqueiros, que existe há vinte anos com nomes diferentes, tempo no qual somente os cartazes colados no teto de concertos de rock dos anos 90 permanecem. Pantera, Def Leppard, Guns’n’Roses, música fodona. É um Raucherkneip, um bar para fumantes, que fecha sempre que o bartender se cansa. Bartender – no singular – que é uma equipe de uma pessoa que prepara, serve, fecha e supervisiona a si mesmo como sujeito e como objeto do processo de trabalho. O salário é baixo, mas o custo de vida e a flexibilidade fazem valer a pena de algum modo. Dar aulas de introdução à filosofia na graduação em Nova York não pagava o aluguel, então aqui estou, traduzindo, revisando e escrevendo nas horas livres. Como um híbrido de trabalhador manual e intelectual em um país estrangeiro, minha identidade de classe se modifica junto com a do resto da população excedente em um borrão indistinto.

Como é possível que na época de maior desigualdade econômica dos últimos 100 anos, ninguém pense mais em termos de classe? E quando pensa, classe é considerada apenas mais uma opressão a ser adicionada à lista de ismos que flagelam o comportamento social. É isso o melhor que podemos fazer? Eis a questão que Adolph L. Reed nos propõe: se 1% da população controla 90% dos recursos, mas o 1% é composto de 12% de negros, 15% de asiáticos, 30% de latinos, 50% de mulheres, 10% de gays etc., então seria justo? Para a maioria dos progressistas a resposta é provavelmente sim; a injustiça é entendida como uma distribuição desigual de poder ao longo de linhas de privilégio, e, portanto, quando o privilégio é dividido proporcionalmente no topo, a justiça prevalece, sendo o resto da população meros perdedores no jogo limpo do capitalismo. Qualquer consideração de classe é omitida, ou de como as regras do jogo já impõem os resultados para a maioria da população. Se a classe é invocada, ela é reduzida a classismo: o preconceito contra a classe trabalhadora e contra os pobres baseado no seu modo de falar, gosto, atitude, vocabulário e modo de vestir. Mas esse preconceito é um sintoma das relações de classe, não sua causa, e eliminar todos os preconceitos antipobre não mudaria um pingo das suas condições de trabalho ou das suas contas bancárias. Para desvendar o segredo da classe, em vez disso, é necessário abrir a porta e olhar dentro dos locais de trabalho.

Já houve o tempo em que pensar sobre o local de trabalho trazia a esperança por algum tipo de conhecimento revolucionário que poderia ser usado como arma na luta que viria pelos meios de produção. O American Worker de Paul Romano e o Correspondence da John-Foster Tendency nos Estados Unidos, Socialisme ou Barbarie e Pouvoir Ouvrier na França, Quaderni Rossi e Potere Operaio na Itália, todas elas tinham grandes sonhos de extrair conhecimento exato e positivo do trabalho vindo dos trabalhadores, de modo a abolir o trabalho. Se pelo menos pudéssemos coletar, analisar e compartilhar a essência da experiência proletária, a verdade universal da exploração do trabalho irromperia como uma corneta chamando a classe trabalhadora a se unir. Ninguém acredita nessa merda mais, mas queremos acreditar, ou pelo menos, queremos querer acreditar.

Por que não? Em 2002 o coletivo Kolinko na Alemanha se integrou a call-centers para aprender e agitar, mas, infelizmente, eles aprenderam que ninguém queria agitar. Mais recentemente, o Comitê Invisível apostou que o conhecimento técnico dos trabalhadores em indústrias chave será indispensável para as revoluções que virão, uma vez que terão que saber como manter formas coletivas de vida em meio à luta. Tá bom. Se pelo menos tal conhecimento existisse na cabeça dos trabalhadores, e não fosse distribuído entre os milhões de máquinas opacas. A logística do trabalho, da indústria de serviço ao TI, do varejo à manufatura, não oferece nada além de um modelo de coerção.

Então o que há para ser aprendido a partir da reflexão sobre o trabalho hoje em dia? Estratégias de recusa são um luxo, a solidariedade coletiva é nostalgia e expropriar os expropriadores parece um sonho. Mas as classes ainda lutam, fora do trabalho e dos sindicatos, sem greves ou piquetes, sem organização ou unidade. Alguns veem isso como um fracasso da classe em se organizar, outros encaram isso como um estímulo para repensar o que significa se organizar. Mas e se isso for a forma como a luta de classe se expressa hoje em dia – fragmentada, defensiva, caótica?

Claro, existem alguns movimentos pelo salário mínimo, saúde pública e negociação coletiva, mas eles são dirigidos por ONGs profissionais buscando influenciar os principais partidos políticos para próprio beneficio, não para conquistas de proletários putos da vida que buscam virar de cabeça pra baixo a hierarquia de classe. Na Alemanha, onde o desemprego é o menor na Europa, houve algumas greves relativamente bem sucedidas dos trabalhadores do correio, de operadores de trem, de funcionários de logística, fazendo parecer um retorno a um clássico movimento dos trabalhadores por uma maior fatia do bolo nacional. Mas num olhar mais atento, trataram-se de ações preventivas contra leis em curso destinadas a reduzir a possibilidade de greves, pressões e agitação laboral. Mesmo o melhor ataque é ainda somente uma defesa.

Para quebrar o quadro de derrota, uma auto enquete sobre as atuais condições de trabalho parece ideal. Mas quanto mais penso sobre o trabalho, mais alienado me sinto. O conhecimento não traz poder aqui, só vergonha. A distância entre o que é e o que deveria ser cresce de uma pequena fissura e um fosso intransponível. Cada detalhe técnico da organização da produção confirma minha irrelevância dentro da cadeira de oferta e demanda. Quanto mais eu resisto, mais clientes há, quanto mais me expresso, mais vendas eu faço. Quando mais luto, mais lucro faço.

Com frequência amigos me visitam, para falar entre momentos de cumprimentos com dinheiro nas mãos com outros clientes. Mas ter uma conversa real é como tentar surfar uma onda que está sempre quebrando. Eles me desalienam o quanto podem, mas ainda pedem, eu sirvo, e moedas giram pela nossa conversa. Não posso focar, mas não posso desligar, e assim eu vejo, cheiro, ouço tudo ao mesmo tempo: uma grande sinestesia, ainda organizada num sistema de faturamento. Quando o turno termina, vagueio pela rua no crepúsculo da madrugada. Pássaros estão cantando, casais beijando, trabalhadores com a cerveja na mão pegando um trem para casa, vampiros adormecidos com fones de ouvido, vidro quebrado e cigarros estampados no chão, idosas catando garrafas por alguns centavos, vendedores de jornais solitários, vendedores de samosa e vendedores ambulantes de flores passando como mortos-vivos pelos cartazes grafitados, colados com cola caseira e encrostados no topo de cartazes divulgando a última manifestação “nós somos a crise” contra a austeridade, uma manifestação a qual eles nunca irão. Reunir as tropas contra o estado financeiro anima os levantadores de cartazes e de bandeiras, mas faz pouco ao morto-vivo que guarda os portões do consumo com seu tempo de trabalho.

Mais uma noite, mais um turno. Uma estelionatária dorme num canto, um dadaísta bebe sem falar, um fugitivo do hospital psiquiátrico mija no chão, um irlandês começa uma briga, um motorista de táxi bebe vinho e discute política, um rapaz feminista acerta uma garota racista, os netos dos nazistas e de suas vítimas jogam sinuca, as garotas russas engolem destilados, os músicos de rua tocam antiguidades, os traficantes usam o banheiro, e os gregos pedem outra rodada. Almas e corpos barulhentos, fumacentos, suados, liberados dos seus casulos de trabalho, saboreando cada micro momento de alegria antes do dia seguinte. Alguns sussurram, alguns gritam. Não posso não ouvir: A Alemanha tem o direito de existir? Quem se interessa? Qual é a última do Bayer de Munique? Qual a sua opinião sobre Kant? Onde é o banheiro? Você é judeu? Você pode dar troco disso? Você é circuncisado? Você está atrasado novamente. Como um americano veio parar nesse buraco de merda? Pelo menos todos tínhamos emprego naquela época. É meu aniversário, me traz vinte e cinco tequilas, por favor? Desculpa, mas não gosto da música. Você não gosta de Kraftwerk? Aqui se dá gorjeta? Dois energéticos. Aqui se dá gorjeta? Também sou estudante! Onde fica Brandenburgo? Sou fera em pingue pongue. Você pode apressar? Não, isso é o que eles querem que você pense. Então, você gosta de trabalhar aqui? E assim segue indefinidamente. A salada de palavras do diálogo de bar é como Beckett mixado com Duck Dynasty. Mas em alemão tudo soa muito sério. Amigos confabulando onde jantar se tornam generais planejando um ataque, estranhos compartilhando cigarros se tornam ex tendo mais uma briga, e clientes pedindo cerveja se tornam policiais me sentenciando à cadeia.

Os últimos retardatários apertam suas bebidas como ouro antes de cederem. Prevaleci, como sempre, para fazê-los sair do salão. Limpar, contar, fechar, o final é o pior, quando após dez a doze horas de trabalho, preciso pensar novamente, sem me confundir, sem deixar nada aberto ou ligado. Uma vez o bar foi roubado após meu turno. Tranquei a porta? Por que não havia sinais de entrada forçada? Teria sido um colega de trabalho? Se foi, nunca me disseram. Nada mais a declarar sobre solidariedade.

Se a experiência universal do trabalho não pode mais ser a base para a emancipação da classe trabalhadora, então uma enquete operária não é mais necessária para preparar a base epistêmica da revolução. O que une os trabalhadores hoje em dia não é a essência invariante da exploração ou a camisa de força subjetiva da alienação, nem é algum potencial escondido a ser realizado ou verdade secreta a ser revelada – mas sim apenas uma relação negativa consigo mesmo enquanto dependente e exterior a seu próprio pertencimento de classe. Elaborar o que isso significa não é outra coisa senão uma enquete anti-operária.]

Jacob Blumenfeld mora em Berlim, em casa na diáspora, servindo cerveja proletária e filosofia burguesa para viver.

Traduzido por Leo V. a partir daqui.

Link: http://passapalavra.info/2015/08/105627